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domingo, 31 de maio de 2015

Fiapos de nada

Visto assim és nada, um pedaço, um fiapo de fiapos, está-me a apetecer deixar-te assim, reformar-te de vez e tirar-te a lindeza da vida das formas roubadas quando pousado sobre o quente de pele animada, essa sim, de vida própria sem precisar de hóspedes para captar a atenção de ninguém, já tu...
 
Olho-te e lembro os cuidados a principio; Depois, nas pressas o puxão para cá e outro para lá, até mesmo uma rodilha quando os nervos apertavam e olha que até nesses instantes a beleza assentava-te, gabavam-te a finura, eras novo e ainda tinhas cheiro disso. Com o passar do tempo, até de empréstimo andaste, servías a tudo, saías com todos e estavas na moda de dia e de noite, estava-se mesmo a ver que um buraco aqui, outro acolá e o desleixo à vista era a mesma coisa.
 
Primeiros remendos. Coisa pouca. Mas eu sabía. E tratava de os meter para dentro escondendo para que ninguém notasse, poupava-te, poupava-me eu à chacota que não quería ter de defender honra alheia por causa do meu nome. Mas sempre me incomodava, confesso. E quando saíamos dava-te a dignidade da tua experiência, do teu valor, do teu trabalho.
 
Vintage. Achei graça a primeira vez que o ouvi. Mas para mim, doeu-me a verdade de quando se abre o baú das coisas esquecidas pelo tempo com cheiro de arrumado e que viramos a cara para o lado um pouco enjoados pelo odor bafiento. De vez em quando lembrava-me de ti e um e outro mais afoito ou até mais desavergonhado, ainda te pedía para algumas coisas muito retro, que eu recomendava mil cuidados pela idade. Ninguém me escutava, levavam-me das mãos o que queríam,  fios de ti sobravam-me entre dedos, restos de lavor, conhecimentos de outra era.
 
Assim olhado pareces miserável, um bocado de nada que tenha servido a festa. Quem diria que chegámos aqui os dois, fiapos de nada, não achas?

sábado, 30 de maio de 2015

Mar azul



Murmúrios ou gritos ou o silêncio escolhido no estalar dos dedos, uma distância de mim para ali, se puser a mão aberta à frente dos olhos entrecortando a luz do sol parece que não é nada, desaparece tudo, a descida íngreme das rochas até ao mar, o perigo das ondas a esconderem arestas à espera da carne das pernas ou somente o arrepio do escaldado contrastado na frescura, a água bebida, a água salgada pedida, a brisa a soprar, o caderno a folhear-se sozinho e a caneta perdida num buraco que é uma junção de duas pedras que há-de um dia ser areia que nunca será bastante para satisfazer castelos, desfazer o que não foi concretizado, dedos em figa para que se cumpra com fervor, daqui até lá um mar imenso dentro de mim, azul, azuis de tinta escrita nos olhos tão azuis do meu pai, nem murmúrios nem gritos e nem silêncios a pedido, apenas o som habitual do aparo da caneta a lembrar como é o mar num dia de sábado de sol.
 
 

sexta-feira, 29 de maio de 2015

Até o saber acabar


 
Difíceis tempos aproximam-se.
Tempos de serrote, temo-o.
Em que todo o saber há-de ser entregue aos porcos e estes na ignorância do que têm entre dentes, entre cascos hão-de esfrangalhar em mil pedaços a construção de uma experiência testada, aligeirada, saberes oleados, a convicção do homem enquanto homem bom, bom pai de família diz o código civil, a massificação há-de-lhes caír na preferência para o botão, tudo a eito na pressa do negócio a contento do acionista, uma expressão sem rosto mas que encaixa bem para referir uma cara sem expressão quando se questiona a origem da atitude ou a causa da insatisfação.
Afinal tem tudo a ver com o serrote, não interessa a melodia, tem o instrumento é para tocar, a tempo tudo se ajeita nem que os dedos se decepem no treino até achar o tom.
Temo que os violinos irão tombar, à vez, conforme o tempo os açoite. Até a perfeição se silenciar para todo o sempre.


quinta-feira, 28 de maio de 2015

Serrotes



Convidam-me a sentar, levam-me a uma poltrona de veludo extremamente confortável conduzindo-me pela ponta dos dedos onde esperam que eu me ajeite. Sinto-me bem, aguardo uma surpresa.
Ouço ao longe um som fino de violino que se vai tornando forte acompanhando a percepção da imagem que distingo. Outros vão surgindo na sua cauda, engrossam-lhe o som, desconheço a melodia mas é tão bela que hesito em fechar os olhos ou permanecer com eles abertos para não perder nada do que se me oferece. E à vez aquele solo perfeito de violino atinge-me no peito e acelera o coração, pede o coro dos demais, emociono-me e sinto a garganta apertada quando todos emitem em harmonia uma música que me impele a erguer, caminhar na sua direcção, querer fazer parte daquelas notas.
Nesse instante, silêncio, um rosto conhecido sai daquele conjunto impoluto e andando para mim deslizando o arco nas cordas arranca um ruído de arame a ser raspado com uma faca de serrilha.
Os restantes violinos estáticos.
Ouço o meu coração a galopar. Tento achar alguém que me olhe nos olhos.
De novo o som do serrote e mais alguns passos para mais perto de mim. Grito não, não quero, não sabes, nunca soubeste, nunca irás aprender, bato com os pés na esperança que o susto empurre o aprendiz para um retrocesso invisível até ao desaparecimento total.
Silêncio.
Regresso à minha poltrona de veludo sozinha.
Todos os violinistas tocam de novo. E malfadadamente o serrote também.

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Isadora



Louca.

Doida, libertina, a-sem-arte.
A divina, a inspirada, a bela, diáfana encantatória que traz  na leveza dos movimentos a luz que se liberta ao espaço dançado.
Talvez os gregos te reprovem. Te voltem as costas e neguem a inspiração que afirmas neles a origem encontrada. Não te condeno o engenho, a descoberta e a alegria de dançares à volta de ti mesma fascinada pelo teu próprio corpo, tu em ti, o que consegues fazer e contar na graciosidade replicada do que a vida obriga a esconder sob olhos fechados. Não tu, olhos abertos, contorcionismos e ligeirezas, amplitudes e por vezes um quase nada, um só escorregar de tecido, brincadeiras e no final coisa tão séria é. O corpo é enorme Isadora. Exaltações. Que poder.
 
Louca. Que poder. Descobrir a loucura da dança na obscenidade dos pés nus. Parabéns, conseguiste arrancar uma venda colada a olhos moribundos e trazer claridade à evidência. E nunca ninguém a tinha visto. Tão próximo que dava medo de sentir.

terça-feira, 26 de maio de 2015

Enterros



Digo que está bem, mais ou menos, mais bem ou menos que bem vai dar tudo ao mesmo, não é para ser escutado, pergunta-se para ter som de retorno porque é habitual a ladainha do 2x2 no nananaNA marcada com mais força na última sílaba como se fosse um sapato a bater com força de tacão, na resposta nem a isso chega, estou bem obrigado, estou morta obrigado, ainda bem, então diga, e vai que a conversa prossegue civilizada de um vivo para um morto e digo e responde-se, pedidos fúnebres bem entendido, a próxima vez que morrer a ver se fazem menos barulho e menos risota e menos velas com cheiro de morte e menos flores sem cheiro de flores também poderei dizer, poderia se efectivamente estivesse cadáver que nem a isso cheguei, um incómodo sentir-me lixada desta forma em que não estou mal de morta nem bem de viva.
É que não ouvem o que se diz, o que se responde, o que se pergunta, é tudo de raspão e ainda há o desconsolo da etiqueta de que me queixo. Nem tanto. Guardei a parte que se perturbava numa caixa, fiz-lhe o enterro, perguntem de novo se faz favor, estou bem obrigado.

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Onde


 
Afundo-me em águas geladas e conhecidas, sei o que tenho de fazer e como hei-de fazer para escapar do fundo, um fundo de mim que embora tantas vezes batido pelos calcanhares nunca o vi de olhos. Sabía-me bem agora a companhia desses tantos que nunca me largam, pelo menos dois a segurarem-me pela cova dos braços e no amparo não me deixarem na desolação do público a perguntar se preciso de socorro que a resposta, preciso, mas sempre direi que não. Não é orgulho nem casmurrice, é só vergonha, disfarce, vontade de me pôr a correr dali para fora mesmo encharcada e afundada, cega e surda de zumbidos, quero o meu esconderijo, a minha casca, a minha árvore, quero enrolar-me no canto e soçobrar de vez até ao fundo de calcanhares batendo com força para com mais força submergir de olhos abertos à procura da luz do dia e da certeza de qual mundo estou.
 
 

 

domingo, 24 de maio de 2015

Se puderes...




Escreve. Diz qualquer coisa banal, uma linha que seja com uma frase tonta, parva, só para manchar a folha e dar trabalho a pensar ao carteiro que se desabituou destas lides de entrega de cartas escritas à mão.
 
Lembrei-me de há quanto tempo não recebo uma carta. E de ti. Logo de ti quando nunca a poderia receber que sei quantas escreveste, uma porção delas para mim dentro de envelopes com outras que não eram para mim, muito secretas, adultas, cheias de palavras de amor e saudades e coisas difíceis de como passavas e eu não entendia,  só sabía que estavas longe e não chegavas. E vinha a tua carta dobrada de forma especial num papel fininho a pedir para eu me portar bem, e eu sorría e pingava lágrimas grossas que me deixavam ver mal a tua letra perfeita. Lía vezes sem conta, sozinha, como se fossem segredos tantos sugados da carta maior onde se fazia acompanhar, um egoísmo que eu guardava junto ao peito até enxugar o choro silencioso.
 
Há tanto tempo que não recebo cartas de ninguém. Segredos dentro de envelopes colados com saliva e selos rendilhados no amachucado de um timbre circular com data a meio desaparecida. Se puderes diz que estás bem, mando-te um beijo.

sábado, 23 de maio de 2015

A resolução de [alguns] problemas




Já comecei este texto de diferentes maneiras e por várias vezes abri um V e meti uma bucha emendando uma e outra palavra, rectificando, reformulando o sentido sobre o que pretendo dizer ou melhor, sobre o que tenho a intenção de fazer passar sobre o que sinto sem saír deturpado mas está complicado, pois a sensação de caber perfeitamente e acertadamente nas escolhas verbais iniciais leva-me a caminhos que possam ser entendidos como confrontos à autoridade [tenho um problema com a autoridade se a mensagem que transmitem é uma ordem sem suporte na intenção: Eu é que mando!], contrariedades em acatar ordens [tenho um problema de percepção sobre ordens transmitidas se não entendo o objectivo: É para cumprir porque sou seu superior!] e um fácies que me trai pelo olhar [se me pudesse entortar os olhos para mim mesmo estava tudo resolvido: Que cara é essa?!]
Assim, tenho um texto rabiscado e ressalvado onde não cabem as palavras vernáculas que digo mudas pela satisfação de só eu as poder chamar a quem eu sei. É que não me conhecem. Mesmo. E agora que já escrevi o que não posso estou livre de novo.

sexta-feira, 22 de maio de 2015

O bater do coração (vinte e seis)



 
Acontece que também deixa de bater para poder bater de novo, fazer-se de morto ou melhor, fazer-se de chumbo para inviolável e resistente, não se magoar mais às pancadas que lhe sacodem o ritmo, seja compassado na paisagem boa seja descompassadamente no beijo inesperado que saca o fôlego, também bom e outro mau quando é a despedida.
 
Ainda assim causas bastante para bater. Pancadas justificadas pelo sentir da vida.
Venham todas, queiram-se, para se morder a diferença da felicidade e do outro tempo em que olhos lançados para um adiante que ninguém sabe onde para se murmurar quando eu era feliz, que era sempre dantes, nunca agora, sempre muito mais lá atrás.
 
Mas estas pisaduras e golpes de fugida, estúpidos, sem sentido, no prazer da tortura pelo castigo sem prémio só fazem calcinar o bater do coração, couraçam-no até à rocha, indiferentemente do que se vê ou escuta ou sente, simplesmente não se agita, não se comove, não se balança, usa-se como adorno até caír aos pés e chutar-se como empecilho.

 

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Dia do boi



Hoje nem sinal de voo, perdição de quinta-feira, dia de boi, desperdício de imaginação quanta e pernas gastas em degraus forrados a películas antiderrapantes para atingir planaltos que se derrapam em desertos fabricados de cimentos, ferro, cenário postiço de celulose pintado a imitação de chegar ao céu, gaivotas, uma que fosse de verdade.
Hoje nem sinal de uma, esqueceram-se, dia do boi e este que não voa e nem pasto à vista ou verde que morda aos olhos para despertar a vontade de ter vontade de voar.
Só me lembro de pernas a arder pelo consumo de degraus e de quedas por caír e tenho vontade de arrancar cuidados para não ter de imaginar. Caír. Todos. Ver dores de verdade sem cenários ou fingidas simpatias pelas dores imaginadas nunca sentidas, nunca próximas, nunca saboreadas quando ditas que sabem o que se sente. Nunca degraus.
Hoje só sinal de cimento. É bem provável que as gaivotas tenham desaprendido voos e venham pelas escadas.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Portas & Janelas - Esboço nº 18



Encostou-se à parede. Ela como habitualmente, estava atrasada, haveria de chegar com explicações justificadíssimas sobre uma qualquer situação que só a ela acontecía e ele haveria de retorquir sobre o tempo de espera, uma, duas vezes e depois seguiam para a repetição da próxima vez sempre e de novo como um ritual. Por isso, ele procurou a sombra, encostou o dorso à parede e vagueou o pensamento pela paisagem defronte, ao redor, mirou o chão, observou um carreiro de formigas e seguiu-as na sua fila até à escalada de uma casa apertada entre dois prédios, uma casa decadente, de uma só janela abandonada, quase amparada pelo sufocar dos edifícios brilhantes que a ladeavam.
Caminhou até se pôr de frente à janela.
Aparentemente ninguém. O reboco carcomido e a exibir o esqueleto dos tijolos, a argamassa devassada pelos encontrões do tempo e a ignorância da mão do homem. E as formigas lestas, laboriosas nas suas filas aprumadas para lá e para cá, muito decididas e esquecidas do prédio ao lado e do outro também, só a casa feia lhes interessava.
A ele, a janela. Como um olho aberto. Do resto, parecia-lhe um mundo fechado, uma cegueira pensou consigo, e achou-se estranho de meditar em tais coisas porque sempre fora um homem terra-a-terra e nunca perdera tempo a pensar em explicações rebuscadas em sentidos poéticos e naquele momento uma tristeza profunda tomou-o todo e só lhe apetecia estar dentro daquela casa escura para não se sentir sozinho, ele e a casa.
Agarrou uma pedrinha e atirou-a ao vidro. O som dos estilhaços ainda o deixou mais triste. Mas ninguém apareceu para reclamar a tropelia. As formigas continuaram o seu caminho.
Ela chegou de passo acelerado e a gesticular, explicações, explicações. Ele segurou-lhe os braços e apontou-lhe a janela, ela calou-se e não percebeu nada.
Ele afastou-se deixando-a a chamá-lo repetidamente pelo nome, justificadamente a contar a razão do seu atraso.


(in Portas & Janelas, Julho-2014)

Todas as fotografias da Colecção Portas & Janelas são da autoria de Eduardo Jorge Silva

terça-feira, 19 de maio de 2015

Acertos



Que confusão!
Será hoje dia de véspera ou dia de amanhã, dia de já ir, já é dia de ir outra vez, tudo de novo, uma precisão de perguntar e recorrer a agendas para saber que dia é hoje, ver o dia numerado, uma ténue esperança de me agarrarem o braço e dizerem só amanhã é que é dia de ir mas não, deixam-me ir e eu vou ainda hesitante, ainda à espera, trocando lembranças entre o que fiz e comi nas horas breves do dia passado que se mascarou de presente baralhando pés com mãos e trajes a vestir com camisas de dormir que se amarrotam saudosas e tristes, que confusão a distância entre o que fui e o que hei-de ser que se me escapa sem domínio, e pergunto outra vez se é já dia de ir, que vontade de recuar os ponteiros e repetir a noite toda de novo, não para deixar de ir, apenas para me acertar.
 
 

segunda-feira, 18 de maio de 2015

So-le-tra-da-men-te



Arrefecem a conversa, disfarces mal postos nas barbas alheias, o meu ouvido recolhe tudo e mais o que não desejo, o que se prontifica e traz para casa a remoer na noite passeada e o que lhe cai do alto, bate no chão e de ricochete entra cá dentro.
Com filtro e sem filtro. Sem descanso.
Estas bocas imparáveis que devoram insaciavelmente o alfabeto, tantas vezes sem misericórdia de olhar a quem pelo simples gosto de mastigar, encher a boca e filar nas palavras com raiva nos dentes a crescer das gengivas inchadas, cuspo a mais que puxa pelas palavras de outros e outros mais, um ruído surdo que não consigo deixar de ouvir, também de mim, e pensam que ninguém se ouve, que códigos os isolam nos risinhos baixos entremeados na exclamativa figurada!
Oh pá! A sério?!
Mesmo!
Jura.
So-le-tra-da-men-te empurram-se, convidando-se. Apanho bocados. Sem filtro. Como beatas fumadas e mal saborosas em que enganosamente se puxam segredos de outrem. E não os desejando engasgo-me de um fumo pardo em que se misturam palavras trituradas sem suco com outras cheias de azedume e cobardia.
Também salvo sons bons, palavras inteiras. Essas tinem mais, arrefecem o ruído.

domingo, 17 de maio de 2015

Instantâneo - Episódio sete



Todo o espaço cénico é meu. Num tempo de respirar [inspirar expirar] varro tudo, liberto o velho e faço a composição necessária à dose que me resta no receptáculo tingido a tinta azul da minha caneta.
Levemente de viés, levemente o cabelo sombreando o ombro direito, levemente presa a folha branca de risca leve ao fio das ideias combinadas à porcelana tingida no vicio aroma mexido pela colher de alpaca derretida nas arestas do cubo açucarado pelas pontas do crochet-remate alinhado no linho da engelha do naperon que se ajeita namoradeiro às linhas azuis leves do papel branco a beijar a boca demarcada de batom esquecido na beirada do vermelho levemente esquecido. Levemente bebo. Levemente se perdoa o gesto da chávena e o tique da renda e do linho, palavras em epístolas. Levemente como beijos, tinta a findar. Esgoto-me sem ar. Digo adeus e selo a carta num instantâneo golpe.

sábado, 16 de maio de 2015

Névoas



Como é que lá voltei não sei. Não me lembro. Mas assim que cheguei sabía onde estava, o regresso conhecido e o sorriso por dentro tirou-me o tempo para a defesa que tem que se preparar de imediato. A névoa do costume, palpável, doce como algodão que suja os beiços lambuzados e os dedos peganhentos que magicamente aparecem limpos, roupa perfumada ou nua de pele, discursos com quem sonho de saudades por há muito tempo pensar e há tanto não ver, só aqui. A névoa sempre, gargalhadas, quem está aí? E falo, respondo de frente para o meu interlocutor e vejo-me a mim, de frente para mim e de novo para com quem articulo. Dos dois lados, sou névoa. Sou algodão doce, não me posso esquecer disto quando me for daqui, na verdade quando chego ao outro lado recordo sempre o que falei, o que falámos, as saudades de todos, as novidades, onde estive, os lugares que visitei, caras novas, mas nunca trago esta memória de que a névoa também sou eu, serei eu duas partes de um algodão muito doce, se calhar tão doce que amarga e por isso magicamente não lembro. Limpa-se como pele nua.
Agora já cá estou. Ainda sei com quem falei, o sonho todo claro, com uma névoa mística a rodear qualquer coisa que parece escapar-me. Talvez tenha ficado deslumbrada pela volta aos sonhos e tenha descurado a defesa de reter o que sonhei. Não me lembro de qualquer coisa que é importante, só das conversas que tive com alguém que já nem sei bem com quem.

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Campo de Palavras (22)


Depois das primeiras carreiras de frases já o meu sentir se tinha formado e uma contrariedade em levar por diante a tarefa do ler prendía-se ao julgamento inicial de que era tudo mais do mesmo. Ainda assim, forcei-me, obriguei os olhos a cobrirem as páginas até ao fim. Lá estava, a palavra do mote, encaixada à força como um sapato que precisa de calçadeira para o pé se entrouxar nele, se era tema era palavra, então tinha que aparecer mesmo que o seu sentido não fosse para além do seu significado.
Senti-me seca, árida, cansada, um campo vasto de torrões sem cultivo, sementes largadas à toa na expectativa de que alguma vingasse por milagre nem que houvesse falta de arado, falta de água.
E a água aqui era só água. Não se escrevia água para além da de beber que outra parecia não se conhecer, nem a do mar e a dos rios, a da chuva, a que corre nas veias ao invés do sangue quente, a do olhar que verte pelo berro silencioso do não, a que não chega por já se ter oferecido à morte, a do baptismo em fés cristianas.
Os autores bebíam tinta, esquecíam texto, afogavam pontuação, eu fechei o livro.
Entre desconsolo, raiva, vergonha e tristeza, as minhas palavras foram cambiando até nenhuma. Há campos que estão destinados ao abandono.

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Orientações



Sempre me impressionou a capacidade que algumas pessoas detêm para fixarem nomes de ruas, indicarem endereços, nomearem caminhos de memória como se os apontassem a dedo num mapa seguindo a nomenclatura das avenidas, os nºs de porta onde haviam cafés no presente inexistentes ou substituídos por outra área de negócio totalmente oposta.
É que fico fascinada a ouvi-las.
A leveza com que seguem no discurso é igual aos passos dados. Não. É melhor. Porque atenta que sou a este tipo de conversa, já me prendi a um detalhe, e na maioria dos casos, é uma população que apresenta uma certa dificuldade em locomover-se, os membros inferiores parecem avançar ao ralenti e talvez essa condição os faça ter (ou ter tido) - porque na generalidade são séniores - tempo bastante para estudar e fixar o traçado do percurso.
Confesso que o meu interesse desmesurado por este grupo se deve à minha incapacidade para registar este tipo de ocorrências. Não me perco, é verdade, mas dificilmente sou capaz de indicar uma rua entroncando noutra nomeando-as e seguindo a rota destas para um destino pretendido.
Eu ando rápido, muito rápido mesmo, mas creio que não é por isso, sou mesmo incapacitada.
Perguntem-me por detalhes de edifícios, o padrão da calçada, a cor dos olhos do empregado do café da rua que essas pessoas orientadas sabem o nome tão bem.
 
 

quarta-feira, 13 de maio de 2015

O céu da boca (Palavras Reencontradas) 9



[...]
 
Como se entendessem no meu soltar de ombros um cansaço ou até o desespero da explicação sem fé no crime não cometido, iluminava-se-lhes a vista e exclamavam, entendidos finalmente, terem percebido tudo, tudo. Também eu. Mas rapidamente me achava de volta ao primeiro lugar porque nada se havia mudado e todos estávamos no mesmo sitio: Eles a baterem insistentemente num vidro e eu do outro lado a avisá-los da barreira.
Personagens, dizíam. Criações da minha imaginação, vivências, que até a escrita por muito volta que se arranje tem sempre o cunho pessoal e há nele a cota da experiência da carne e do sentimento sentido, da revolta, da tristeza, da lembrança boa e má, e esse todo era o que emprestava para valorizar aqui e ali os meus heróis, as minhas heroínas.
Quem?
Não os conheço, nem com eles privo, a nossa diferença é tão grande quanto a dos meus antepassados ou a dos netos que ainda não tenho.
Vidro. Vêem-me apenas a mim, formam diálogos como se projectassem imagens duplicadas da minha pessoa com frases que saiem da boca dos meus personagens postas pela minha mão, colo uma frase aqui, uma outra ali, fica bem assim, digo não agora, aqui digo está bem... Refiro que para diálogo tem que pelo menos haver dois, há personagens e há outros, há outros com personagens e há outros que não têm personagem algum que sei que apenas falam deles mesmos.
Olham-me. Estranhamente.
E embora tenha a boca cheia de palavras não acho nenhuma que me apeteça, só me vejo a mim mesma reflectida nesta barreira invisível.
 
 
 
(in O céu da boca (Palavras Reencontradas), Maio 2014)

terça-feira, 12 de maio de 2015

Nem que me matem




Fora a questão legal - que até parece que afinal houve um atraso e a obrigatoriedade não se impõe ao dia de hoje mas sim em Setembro de 2016 - sinto-me violada, violentada não só na língua escrita mas claro, na falada que esta está directamente ligada àquela com que nos comunicamos no imediato, na troca do fluido do discurso e defesa de ideias na rotina dos dias.
Quererem ajustar com o aperto de um parafuso comum a outras latitudes a minha individualidade para me formatarem numa verberância encaixada em sinonímia que no meu léxico são diferentes dizeres, justificando aproximação, simplificação e modernidade. Não vou contra-argumentar com exemplos já bastamente conhecidos como a dispensa de letras e acentos que não se lêem fazendo crer que para nada servem ou outros que alegam que esta é a evolução de uma língua que não se pretende estática ou ainda estaríamos, pobres lusos, a curar as nossas enphermidades.
É a diferença que faz a beleza.
Ninguém quer tirar desmérito aqui ou ali, mas não me tirem os meus c e os meus p onde eles se necessitam para completar o carácter da minha Portugalidade e o entendimento para os idiomas de outras terras onde os leio e respeito como são. Pois que não os pretendo iguais ao meu verbo. Mesmo que politicamente proclamados como intenção de 1ª língua e depois vai-se a ver, são só a 3ª. Deixá-los.
A mim, nem que me matem. Que é uma expressão bem Portuguesa. E para roer alguns, até fadista.
 
 

segunda-feira, 11 de maio de 2015

12h


 
Hora das horas fora delas, também um tempo de vaguear, tempos raros que o costume habituou pés a ter olhos no bréu e as faixas pintadas de luz pelo chão, pelas paredes, pela mão que quer interromper essas estradas intrusas e beliscar a materialidade quente que ilumina e projecta sombras tão diferentes da imagem do espelho, desafiam conceitos sobre o adivinhado e o conhecido, o desconhecido e o provado, o recusado e o guardado.
Fora das horas do escuro há negros lados nas claridades a descobrir, oculto tempo em que os pés se avistam de um alto aos olhos tocado e cada um segue rasgando o que a luz abre e fecha na contemplação do que é igual ao escuro e tão diverso fora dele.
Hora da hora em cima dela, um todo de nada quando a mão é o ponteiro adiante da vista e a sombra inexistente é o susto da respiração sustida.
Hora da hora por cima dela, metade a caminho de um nada, dois de um real.
 
 

domingo, 10 de maio de 2015

Partir e chegar



 
Não necessariamente para onde se quer e se há vontade para ir, mas todas as partidas pressupõem uma chegada. Há vezes em que manda o bom-senso que se parta, doutras o coração já partido foi primeiro e só depois se vai o corpo a ele juntar. Mas em qualquer das duas o conflito do adeus acompanha muito para além do momento da despedida e nem é preciso a lágrima, o abraço no cais, no porto, no quarto de hotel com um não quero que vás até lá que é pior, para que uma sensação de fosso se rasgue junto aos pés e a solidão abrigue como um manto trazendo as memórias do bom como fantástico e do mau como dilacerante. Na partida estamos sós, abandonamos qualquer coisa, um pouco do que somos.
Na chegada, a brevidade da dor revela-se e adoça-se se temos quem espera, uma esperança renovada tufa o peito e uma sensação de que só aquele instante poderia ser salvador conforta o laço cortado, mas os pés chegados ao destino daquele que se vê sem rosto conhecido para o segurar enraízam muito mais a razão da partida. E também a coragem da chegada.
 
 

sábado, 9 de maio de 2015

Mesmo nada



Nada fazer. Não fazer mesmo nada. Deixar a imobilidade tomar conta e o tempo atrás ruír e depois contar pausadamente era uma manhã tranquila de Sábado em que os afazeres da pressa lhe davam a aflição do corado nas faces, parar as imagens no movimento da urgência no despacho da coisa, das coisas, mil coisas ao mesmo tempo, o cenário a caír porque nem o tempo, as mil coisas e o Sábado têm relevância na história, só ela a fazer nada e regressar ao nada mesmo que ela pela falta da agitação não tenha rubro nas faces. Pausadamente contar que era um Sábado igual a tantos outros como já havíam acontecido, menos o tempo a desmoronar e ela sem interesse no que lhe caía nas costas ou no que ficava aos pedaços por fazer ou na falta de cor tingida no rosto que ela sentou-se, muito quieta e da respiração saíram-lhe palavras a dizer que hoje não faço nada, hoje sou o Sábado, sou o que fica não feito, sou a que fica a contar a que corre a fazer, sou a heroína da minha estória, nada faço, mesmo nada.

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Valentías



Um amigo disse-me há muito tempo que escrever era um acto de coragem. Mas que valente, ele era pouco por isso quando escrevía fazia-o com a intenção das palavras largadas ao vento, era bastante o que de sua pena saía para o conforto do verbo e alivio de si quando contemplava o oceano e a sensação que o inundava com a grandeza da água, porque logo de seguida se apercebia como as ondas se íam e mudavam e tudo era tão breve nesse estado de graça.
O fascínio do seu contar deixava-me sempre silenciosa. Era pura poesia o que me falava, e no entanto não concordava que lhe faltasse seriedade nas palavras escritas como me quería fazer crer porque estas elevavam-me, davam-me a mão e trazíam-me num regresso por vezes nem sempre fácil mas sempre acompanhado.
Sorriu, riu numa sonora gargalhada e depois sério olhos nos olhos falou do seu regresso, não do meu. Do êxtase da escrita e da queda fulminante de quem a faz, da precaução das mãos ao chão para não se magoar no rosto, das palavras escritas e a brevidade da sua vida na dependência de quem as pariu, o vento e o mar, a coragem e o espectáculo.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

A ver navios


 
Vento, demasiado vento, fuma mais o vento que o meu prazer, assim nem as gaivotas terão o tempo de aqui vir para dois dedos de conversa, levadas na brincadeira dos corredores do vento andam entretidas a desfilar modelos cor de fumo, cinzas que riscam no céu azul grafitis que se evaporam aos olhos a procurar horizontes plurais, uma perdição quando não se sabe o que se procura.
O vento traz o som mais próximo. Perde-se a vista ganha-se o escutar, até os navios felizes a acenarem a chegada na mão do comandante deixam sentir vivas do porto a encostar o bojo ao casco, roçam-se, digo-lhes adeus num aceno de braço ao alto, talvez o olhar deles atinja o meu horizonte e não se tenha esfumado na ventania que teima, o meu cigarro exala o sinal de fumo, serei farol, da luz o Sol que não tem medo de ares loucos.
O piado da gaivota desacerta o voo feliz. Parece desgraça.
Não há navios, só um terraço de betão com vista para uma longa fila de trânsito.

quarta-feira, 6 de maio de 2015

1000



Ainda outro. Ainda hoje, ainda gosto e apetece e preciso e quero e faz-me feliz passear entre palavras e sentir-lhes o paladar na saliva precisada para lhes dizer palavra e abraçar esse sentido único de transmissão entre o que sou e o que passo como cordão umbilical do invisível para o legível, nem tanto eu, quase nunca eu mas a formulação do contar fabricado como verdadeiro vivido em 1000 vidas em 1000 páginas em infinitas sensações reveladas. A revelar. Ainda.
Tão pouco de 1000 cabem no silêncio de pausa e na respiração suspensa quando as palavras ocupam em turbilhão a escolha do que dizer, o que rejeitar, na simplicidade de escrever sentir.
 
 

terça-feira, 5 de maio de 2015

999



Foi quando ía passar o texto que tinha escrito no caderno para este plano daqui que ao entrar nos bastidores o olhar derrapou para o número à esquerda que me apercebi de quanto a Árvore tinha crescido.
Talvez que os anos passados - embora contados e com o contar a relativização do tempo é isso mesmo, passaram e não tomamos crédito do seu pulo que dantes não corría tanto - nem tenham grande importância na prazeirosa tarefa de cuidar da Árvore, mas contar 999 folhas que foi esse o aglomerado dos três algarismos, levou-me a noites e a dias e a outra eu ainda de sapatilhas atadas e a descoberta de gentes profundamente maravilhosas e a outras profundamente vazias.
Nunca me impus a mim mesma, essa foi a regra principal, respeitar-me. Deixar o campo livre, regressar e desaparecer quando houvesse tempo, vontade de escrita e verbo que de alguma forma eu própria entendesse que pudesse ser lido por mim.
Até me dar prazer, sejam 1000 ou ficarem nas 999.
 
 

segunda-feira, 4 de maio de 2015

[a meio] As folhas



Levanto uma pontinha e espreito, tudo calmo. É esperado que a esta hora durmam, se alastrem quentes e felpudos misturando-se entre pregas de roupa amarfanhada por patas escondidas sob tufos a fazer de peitilho branco. Amoitados.
Sigo a minha vida.
Fecho o caderno, fecho os sons deste lado onde se negoceiam números, contratam-se compromissos para o ano seguinte e se analisam desvios, pouso o telefone, bato nas teclas sem som e o som dos dedos de todos nas teclas assemelha-se ao galope da cavalaria.
Ergo um cantinho e neste lado é contemplação. Enquanto mastigam e ajeitam bochechas, o olhar desprende-se do verde e segue o pássaro, a folha agitada pelo vento, uma mosca danada que veio pousar do lado de fora do vidro e zune junto ao caixilho da janela sobre a bancada. Afoito-me e quase espalmo a página, para tropeçar na cauda dele, comprida, que sentado ao lado da secretária em frente à outra janela vigia a rua com atento domínio. Rosna, treme-lhe o beiço, retoma a compostura.
Ao fechar o caderno ainda lhe consigo ouvir o ladrar furioso.
E rio-me. E levo-me até não ser preciso espreitar para o outro lado porque sei que estou a chegar a ele.

domingo, 3 de maio de 2015

A sombra da chuva



 
- Está a chover, não muito, parecem borrifos.
- A chover?
- Molha-tolos.
Não senti nada, não pressenti nada, não me deu o cheiro de nada. Já perdi as lágrimas agora isto. Não estava à espera, não a chuva, sempre a senti mesmo quando o engano diz que o céu mantém as comportas fechadas e nem um pingo se verte e a maioria se espanta na correria desanunciada. Aonde é que eu estava que não a senti, não a cheirei, nunca foi uma coisa de levantar os olhos ao alto e de observação e apreciado, comentar vai chover ou talvez vá chover ou contida, creio que é capaz de chover, não não. Foi sempre como os perdigueiros, de nariz a dilatar as asas e a engolir o ar que fica com o sabor especial da chuva e a dizer primeiro para mim e a sorrir para mim, vem aí, vem aí chuva.
Vou a janela e confirmo. Não porque duvide de ti.
-Ainda chove?
Não sou capaz de te responder.
Duvido do meu olfacto, do meu escutar-te, do meu estar desperta, deste Maio de searas maduras que se molham invisivelmente em borrifos que não senti, projecções de sombras às duas da tarde quando não há sol e de um cão que vagueia solitário à procura do caminho de casa.

sábado, 2 de maio de 2015

Nua (verdade)



 
Não é nem nunca foi falta de pudor, nunca foi, afinal uma sensação de leveza, despojo no sentido de nada esconder, ou simplicidade, uma pureza, não haver vergonha de corpo no sentir, o corpo dos sentidos como se estes se materializassem numa boca, lábios, língua, o tudo dizer. Depois o vazio, depois a sensação de plenitude ao saber que se conseguiu dizer. Finalmente a coragem. Sem interrupções. Chegar e falar, escrever, desatar a escrever como um louco sem importar o nexo do inicio dos parágrafos, a porcaria da pontuação certinha, apenas a oralidade da caneta nas folhas como um interlocutor que de quando em vez nos interroga nas reticências aproveitando a pausa para interpelar, sim isso mesmo, ou então voltar atrás para corrigir e aperfeiçoar o contexto, desatar a escrever sem parar e nem sequer importam as letras comidas na velocidade, ao final introduz-se o que falta e retiram-se os excessos do eito dos dedos trocados na dislexia, o cérebro fotografa truques e os olhos deixam-se ir na paródia.
Visto-me.
A pele das letras tem o condão de arrepiar depois de lida, a verdade é azul desenhada, fecho o caderno não vá alguém ter-me visto.
 
 

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Caravelas



Marinheiro de papéis de fantasia vincados em naus de memórias e outras estórias que não sei de onde vieram, similaridades com águas doces para quem me vê e acha no embrulho navegações de feição, fundo se olhassem nos meus olhos é à bolina que avanço, não por querer escapar a perigos ou atingir terras de cansaço ao mar, que este nada-me no horizonte na adivinhação do que invento como certo está o dia a seguir à noite e este a seguir ao dia, quem diz que assim não é?! mas para que a dor maior nunca se me pegue, não aquela das carnes que também aleija e faz gritar, nem a das injustiças que dilacera por dentro nas perguntas da vingança, mas a da saudade e da solidão que nunca vai embora e rói por dentro deixando tudo oco, uma tripulação invisível que afunda a caravela da alma.
Sinto o vento na cara, a linha da água corta-se como um fio transparente, é Maio e o meu coração acelera, desdobra-se o meu papel em asas e avisto uma montanha cá do alto.