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segunda-feira, 30 de abril de 2012

Vésperas

É a véspera de todos os Maios da minha vida, de todos os dias da minha véspera, de todas as interrogações que (ainda) me faço nas injustiças que me enrugam a testa e me condenam o coração espremido na dor de parecer ser só eu a ver, só eu a sentir, só eu a parar no cansaço de não querer andar ao ritmo da turbe, só eu na contramão, só eu a dizer já chega, só eu só.
Contaminações. Foi o que lhe disse na última vez que falámos, poucos dias antes da partida, depois foi-se. Assim. Sem avisos. Sem dar a sentir que podería estar para breve essa hora definitiva. Assim, de uma vez só e sem aceno. Assim. Ainda quente a voz no meu ouvido a sonhar as palavras publicadas no sonho que lhe balançou por anos no peito e num repente deixou-me em reticências. Não esperou por Abril, tão pouco por Maio, nem pelos meus eus vagabundos que descontroladamente se perderam à minha rédea.
É esta a minha véspera.
Compartilhar espaços de memória com mortos que não chegaram a nascer e se vingam de mim pelas mãos de palavras que ocupam linhas de vivos que me empurram para uma normalidade que me recuso a aceitar, apenas [ tão mais simples sería] para dormir descansada.
Chegam de véspera as dores de cabeça. Ou moram aqui todos aqueles que sofrem do mesmo mal que eu e juntos, gritam não! numa pateada que me atormenta no ruído brutal da claridade aquosa do sentimento a que não consigo escapar e doi, tanto que doi esta amorosa saudade do não se saber bem e tudo se saber num vai-vem lúcido como água de chuvas em manhãs de Primavera.
Desde ontem que me perguntaram pelo verbo, mas não sei do tempo, nem da conjugação, e a véspera terá sido sete anos atrás ou sete minutos antes de abrir o caderno, e desenhar as letras, e misturar espaços com tinta azul, adivinhando no canto da sala outros que me espiam à espera do momento certo para entrarem na luz do dia e dizerem Maio ou acusarem-me de ser eu a contaminar a minha própria escrita com medo da verdade do sonho.