Todos os textos são originais e propriedade exclusiva do autor, Gasolina (C.G.) in Árvore das Palavras. Não são permitidas cópias ou transcrições no todo ou/e em partes do seu conteúdo ou outras menções sem expressa autorização do proprietário.

domingo, 30 de dezembro de 2012

Sem limite



Frio. Continua a piar desgraçadamente no voo em círculo como se estivesse à procura de uma pista para aterrar, depois perco-a de vista mas o som ainda terrível belisca-me de novo o frio, o arrepio, o medo, a vontade de fechar os olhos e ouvir outros cantares. Não é noite nem é dia, é nevoeiro, é frio, é grito perdido. Os vasos de gerânios ostentam-se bizarros, amarelos, rosa-provoca-me, que eu aguento o Dezembro até ao fim e o mais que venha, só não entendo esta gaivota fora de mar, fora do rio, a clamar céu e terra entre prédios que se fatíam para orientar ruas e lugares dos quais nunca me lembro o nome, não lhes preciso, basta-me saber o caminho até casa, as cores dos gerânios ou o gato malhado vadio que foge quando o chamo. Gaivota vadia, se te piar igual virás ou regressas ao mar... não é o nevoeiro que te embacia o norte, é o frio que me abraça quando o medo dobra a esquina por farejar o esquecimento de voar, não quero saber de nomes, quero lembrar o cheiro do nome, o som do grito quando dizia o nome, a fome dos olhos na saudade da água do mar salgado. A arder, a arder, a arder quando se mergulha de olhos abertos na profundidade do nevoeiro e distintamente se acorda com os sentidos todos e planamos de asas abertas na vida que já usámos. Sem barreiras, sem perímetro marcado, voo, vagueio, vou, sonhei, alimento-me do que comi, volto, parto e retomo.
Está frio, gosto deste frio.
Desperta-me.

domingo, 16 de dezembro de 2012

Corpo de ser




Hipoteticamente estaría ocupada, distraída, esquecida quiçá aborrecida destas lides e satisfeito o gosto dos dedos, outro se tería arranjado para ocupação do tempo e das mãos, um tricot ou um guache ensaiado ou então nada disso, uma doença qualquer para aqueles que o lado trágico preenche a lacuna do teatro na vida pequenina, a morte, a morte ter-me ía chegado e a árvore, finalmente, sem rega nem poda, mais dia menos dia, catrapumba, caía de oca, que a substância esvaíra-se comigo para a cova.
Não. Ainda não, conforme palavras aqui, minhas, da Árvore.
Sem especulações: Há que parar.
Quando as palavras se tornam tão simples e tão claras e o mundo dos homens tão abstracto e cruel em que nada apetece, e até o sentido dos sentidos se reverte do que se faz no verbo, é tempo de acordar e espantar as metáforas que nos acolheram como leito macio, afundado, a sufocar a realidade.
Desejar estar no lado das palavras ao invés de lhes sentir o prazer é ter medo de ser.
Não quero perder-me num pingo de tinta solto, prefiro a loucura de uma frase numa noite de insónia, mas sabendo que eu ou os outros de mim a comandavamos.
Tóxico, o verbo.
Perecível, eu.