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sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Tríptico


O tempo anda baralhado, chove pela madrugada para logo lavar a cara das nuvens e aparecer o rei todo ufano de bochechas inchadas a bufar uma brisa suave e cálida que me transtorna os sentidos e me faz perder o tino pela promessa de Primavera esbatida em flores e zumbidos de abelhas que apenas querem do doce pão para a boca de sua majestade. Vejo florir árvores como neve rosada pousando rendilhada sobre galhos ainda secos e adormecidos, acelera-me a vontade de braços descobertos e colo nu, da noite para o dia, quanto tempo me adormeci neste Inverno que não dei conta da chamada e fiquei presa a lãs e lareiras, tintos de memórias de outros frios.
Reparto-me nas fatias de coração, alma e corpo.
Faminto-me aquada na vontade de me fazer chuva, expôr-me exibicionista nas lágrimas da saudade e no entanto, o coração carmim alegra-se no fio de sol até ao êxtase, ri, agita o corpo, balança-o galhofeiro e dança, dança todo o corpo no frenesim da liberdade, feitiços de mim mesma, saciedade de boca e de mãos e destas nas minhas e ainda o grito chamando o tempo certo nas estações certas.
Eu quero lá saber se chove no Verão ou neva agora, se o frio desapareceu de dentro de mim e o sol arde na minha pele como quando se ama e ao toque me entonteço louca porque de três partes que sou feita, de todas elas sou feliz.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Mentiras&Mentiras, Lda.

Nunca ninguém me disse que a vida era fácil ou tão pouco que as pessoas o são como as vemos: apenas a imagem e o julgamento da figura ou o encantamento das palavras escondendo um criminoso.
Mas estes avisos não fazem de mim o super-homem com visão RX ou um médium famoso que adivinha através das folhas de chá aquilo que se esconde na verdadeira essência dos que se cruzam connosco na vida, pois se até os amores de rubros passam a pardacentos e da saudade à inexistência.
Contudo, ensina a experiência e o calo de tanto fazer este caminho que muitos daqueles que se cruzam por atalhos não são de todo pessoas de ficar. Ficar para sempre na nossa recordação, na nossa vontade de as reencontrarmos, na nossa intenção de as beijarmos na face e até nos lábios para recolher dessa boca apenas verdades.
Porque existem pessoas cuja verdade é apenas a mentira, vivem dela, lubrificam-se nela e tanto de se debaterem nela acreditam-na como uma verdade. Um dia porém rançam. Ficam escassos de outros redores que não outros mentirosos e na falta do alimento predador junto aos verdadeiros, recolhem de escolhos as últimas lascas de convivência sã que ainda, quiçá, lhes podería lançar a corda até ao bote salva-vidas.
Não gosto de mentirosos. E ainda menos dos que acham que eu acreditei na mentira deles. Não têm sustentabilidade, espinha e sobretudo crueza suficientes para aguentar a pose. Como são tristes e pequenos.
Fazem-me sempre lembrar os que assinam textos que roubaram doutros, mesmo sendo esses outros perfeitos desconhecidos e na tolice ridicula acham que a coroa lhes encaixa.
...Tadinhos deles, tss, tss.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Contos Curtos quase Escuros - Azul Esmeralda

Desembrulhou o papel de seda negro e perante o seu olhar deslumbrado desvendou-se o casaco de cachemira, macio, fofo, o azul esmeralda a gritar pelo toque da mão. Ela não foi capaz de proferir um som que fosse, apenas lhe saltou para o pescoço, a perna alta e fina dobrou-se num tique elegante de alegria e agradecimento. Prendeu-lhe os lábios nos seus, era este não era, inquiriu ele, era sim meu querido, tanto que quería este casaco e tu ofereceste-mo, nunca o esquecerei e de cada vez que o vestir será como se tu me abraçasses!


Desembrulhou-lhe a noticia de forma negra e fria, directa no desamor e no encantamento por um outro, novo, azul e mágico que a levava ao céu. Então e as juras, as promessas, que queres que te diga, o coração não é propriedade, devolvo-te tudo o que me deste, não o quero, fi-lo por amor a ti. Ele partiu. Ela não encontrou significado maior nos presentes que havía recebido e distribuiu-os pelas amigas, longe da vista longe do coração.


A estação de metro estava apinhada, ele foi rompendo por entre a multidão conforme estes se afastavam numa massa cinzenta e uniforme e de repente aquela luz fantástica como um clarão que emanava de um casaco azul esmeralda. Aproximou-se, muita gente, mas dava para vê-la a rir, um outro também, cabeças juntas num segredo, num beijo, dois beijos. Não aguentou a dor, empurrou à bruta, deu cotoveladas, urrou e num ápice chegou junto dela e de braços esticados empurrou-a, ouvindo o chiar dos freios eléctricos a chegarem à plataforma.


Não teve tempo de desembrulhar o gesto e parar o tempo, quando ela na queda rodou sobre si não reconheceu a mulher, longe do coração longe da vista.

(in Contos Curtos Quase Escuros, C.G. -26-27/02/2008)

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Detalhes



Ao fim de tantos anos a atender gente sabía dela apenas de a mirar, sem falas, sem confissões.
Atentava-se no olhar, na sua força, na capacidade de o manter preso aos seus olhos castanhos. Aí avaliava um pouco do seu carácter, dumas vezes a frieza desprezível entre o balcão que dividía quem vendía e quem procurava, doutras a intenção de quem se sentía bem na sua pele e encarava os outros na frontalidade de se saber o que se quer.


Dar a chávena ao cliente e vê-lo pegar na sua pequenina asa escaldada permitía-lhe observar as unhas, os dedos, a pele que cobría como uma capa mãos tão delgadas como a porcelana; outras apertavam o objecto na sua mão como um ninho escondendo um pássaro a cuidar do ovo. Havíam aqueles que pousavam delicadamante no assento do pires sem ruído, uma quase desculpa pelo ir embora, um saír à francesa sem ninguém dar conta e os outros, ah! os outros que mostravam alguma satisfação no sonoro do eminente caco e até acenavam Obrigado, até à próxima!


Na terceira fase vía-lhes os lábios, bocadinhos de carne a mordiscar o branco da loiça ou o beiço que mal toca e foge ou aquele que parece que gagueja táctil e nunca mais se aventura ao liquido que receie o queime e lhe defeitue a virtuosa boca.


E por último o pagamento: esperar com a nota na mão sem a largar. Bater com as moedas e ouvi-las tilintar como dono daquele bocado. Pousar o dinheiro e fazê-lo deslizar até à mão dela, timidamente.


Sabía de todos. E no entanto, quem a visse apenas a julgava a empregada do café.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Presentes



Agarrava cada canto das páginas com uma força invisivel, tinha sempre medo que elas se escapassem com um sopro e as letras se baralhassem sem destino.


Aplicava-se, cada vez mais curvada sobre os textos, uma e outra vez, aproximava o nariz das linhas corridas e cheirava: quería sentir tudo, o cheiro da caneta, o do papel, se novo, se guardado. Apreciava quando lhe chegavam as folhas com algumas covas, marcas do peso do lápis, carregando no ponto ou na exactidão do travessão para o discurso directo.


Sabía-o desnecessário.


As palavras eram suas, tinham sido riscadas para si, só para si.

domingo, 24 de fevereiro de 2008

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Desafio - 12 Palavras



A PIN desafiou a Árvore a falar de 12 palavras importantes.


São-me todas. Umas chave é certo. Mas que sería de mim sem as palavras?


NADA.


É na DANÇA que encontro o meu grande AMOR. Mas o TEMPO não abranda e fez-me dançar outras valsas no VERBO, onde me sinto tão LIVRE e feliz como quando procuro a água da CHUVA ou deixo que os meus OLHOS se banhem deste MAR português, forte, amante traiçoeiro mas que tanta poesia tem... Talvez a sua VERDADE esteja na imensidão e que muito do seu sal seja o meu RISO, MÃOS de palavras o que tenho para vos DAR.


A todos os da minha lista de links, façam favor de se sentirem desafiados.


À PIN um beijo e Obrigado muito especiais.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Da chuva



Ainda bem que ela voltou, gotas de inicio para se alastrarem em bagas largas espessadas nas poças turvas de um caminho que lhe parece ver pela primeira vez. De outros Invernos apaga-lhe a memória tanta água fria como a deste dia, só hoje a vê como se debutante fosse e a surpresa exalta-lhe os sentidos mas magoa os olhos muito abertos.

A chuva regressou para lhe lavar as lágrimas escondidas na garganta à mistura com uma saliva que fez dele um reflexo condicionado pelo gosto e pela partida. Ele não volta e ela sabe-o tão bem como sabe que a chuva cai para baixo. Ou em cima dela. Ou por dentro dela. Ou a lavá-la de lamas e areias que na enxurrada arrastam pedaços de coração e não têm como escoar amontoando-se num dique que veda estanque até toda a água se evaporar e restar seco.

Da chuva embaciam-lhe as imagens e deturpa a realidade, não crê, no engano atira-se contra cortinas de água que deformam a ida e mistifica nos outros e nas coisas aquele que se foi num dia de sol.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Crónicas do Tejo (XII)



Entre margens não há fim. Troco hoje as águas pela dureza do asfalto, os olhos azuis do marinheiro que me alcança a mão pelos suspiros profundos do companheiro de viagem que se senta a meu lado.


Olho lá para baixo, o rio acinzenta-se pela minha traição e engole a faixa de sol que nasce no horizonte encarniçado atirando-me para a monotonia de uma estrada a direito sem sobressalto nem diversão.


Arrependo-me, desejo estar sobre ele deitada no marulhar embalado que desperta o meu dia, encaixar-me nas águas como um amante dedicado na vontade de fazer-me atingir o outro lado, que aqui escrevo sobre os joelhos e sei o que encontro no fim da linha.


Nem uma única gaivota a dar-me os bons dias, só o sossego empacotado do homem sentado a meu lado a tentar decifrar os meus garatujos.


Apetece-me perguntar-lhe se ele viu o meu amor, se sabe quem é o Tejo.


(in Crónicas do Tejo, C.G. 21/02/2008)

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Desafio

A MATESO AZUL desafiou a Árvore para contar de seis grupos que na minha adolescência me fizeram abanar o esqueleto.

Bom, foram mais de seis e em géneros tão opostos como aquilo que me transmitiram em emoções, desde dançar freneticamente até imobilizar-me e prender-me ao som de olhos fechados.
Destaco estes Senhores de farta cabeleira,


Pink Floyd



que me levavam até outro universo e ao desespero dos meus pais pela repetição.


Mas também Jethro Tull, Carlos Santana, a Jane Birkin a arfar como uma tísica, Cat Stevens e em português o Zeca Afonso de um sabor especialíssimo.

Em casa ouvíam-se The Beatles, The Doors, Janis Joplin, Edith Piaff e Léo Ferre e doses industriais de musica clássica, extremos que serviram para enriquecer a minha cultura musical.


Passo o desafio a todos os constantes da minha lista de links que queiram aceitar e "cantar" de sua justiça.


À Mateso o meu muito Obrigado por me desafiar mas também por me fazer recordar.




Um beijo

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Vénias

Já tive pés. Não me recordo quando, deve ter sido há muito, muito tempo mesmo que já nem sinto falta deles.
...Lembro-me que dançava. Bem. Muito bem.
Depois fiquei sem pés, cortaram-nos, amputaram-mos. Não quero recordar o porquê, não sinto falta dessa dor.
...Lembro-me que fiquei sem préstimo. Serventía nenhuma. Para nada.
Resolvi então ser árvore, habituada a estar de pé, segurar a figura.
Foi quando me cresceram muitos pés, fios de pés cheios de veias que se infiltraram na terra.
...Lembro-me que fiquei surpresa. Muito. E feliz.
Tenho vindo a ensaiar as vénias. Aos poucos, com muito esforço. Como fazía quando dançava.
Talvez venha a perder um dia estas raízes e me voltem a crescer os meus dois pés. Voltarei a dançar. Voltarei a dobrar-me para agradecer.
...Não me vou esquecer quando fui árvore.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

A par(es) e passo


Para se dançar a pares tem que se cuidar haver ligação entre as mãos que se unem numa só, nos pés que sabem o tablado de cor, no encosto do corpo que não viole o território do outro e tem principalmente de se saber olhar.
Dois óptimos dançarinos nunca farão um óptimo par se a quimica não existir: cada um deles tentará sobressaír do outro, desenvolver a melhor técnica e enlevar o publico anulando a parceria. As palmas podem estalar, a assistência levantar-se, mas o gosto da lembrança do espectáculo permanece apenas durante a actuação esquecendo-se rápido a evolução do enredo através da música na progressão até ao extase.
Assim também o é na vida.
Saltar passadas ou crispar as mãos na desconfiança do par aporta um desiquilibrio que depressa se nota. Empurram-se na contradança, pisam-se no desajeito do chão delimitado e como evitam o olhar nenhuma mensagem passa, nenhuma emoção exala de dois corpos que grosseiramente batem um contra o outro.

domingo, 17 de fevereiro de 2008

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Os meus segredos (oito)



Já passou.

Fechou a ferida e não dói mais.

Fica a memória como um retrato colorido, há-de exibir-se depois a preto e branco mas sempre nitida, os contornos bem definidos.

Por agora quero fechar os olhos e deixar-me levar pelo que me ficou dos aromas, dos relevos, de tudo aquilo que os meus cinco sentidos me possam enganar mas que eu creio como absoluto pois foi em mim que se decalcaram essas impressões como pele acrescentada à minha.

Enxertei-a cirurgicamente no coração, na alma e até na ponta dos dedos, ganhei outro ritmo, outro olhar e toco mais profundamente nas coisas abstractas que se formam como bolhas à minha volta.

Esta renovada sensação deixa-me embutidos de riqueza, experiências de talha dourada, afinal doeu-me a mim mas só a mim adornou, não a outrém.

Que até para esta coisa do doer é preciso estar alerta e vivo, muito vivo para sentir tudo desde o principio até à cicatriz, nada de esfoladelas, um mero raspão que não deixa lembrança e só incomoda. E eu prefiro sempre que sangre, muito, a descobrir que nem veias há.


(in Os meus segredos, C.G.-20/12/2005)

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Eu espero



Encontraram-se os dois e fizeram-se um, moldaram-se lenta e progressivamente, pedi para esperarem. Quis crescer e disseram-me que tinha tempo, que desse uma volta, que entretivesse a vista no passeio e que até podía colher umas flores pelo caminho mas que me abrigasse da chuva e das tempestades, que esperasse que elas havíam de desabar. Pedi para amar e o amor disse-me que esperasse. Lá chegou, partiu, regressou outro, esperei outros. Veio outro e deu-me a mão, agora esperamos juntos, que esperas tu de mim? Espero a vida, ela sufoca-me de tão cheia se fez esperar, espero não a desapontar, sigo caminho, esbarro-me noutros que esperam por mim e por outros que eu não espero e até corro desta surpresa. Já não espero tanto, a experiência ensinou-me que não se pode estar à espera de nada, há que procurar, batalhar, escolher. Aprendi a esperar serena, compreender que a espera é um movimento a dois tempos de ida e de aguardar. Um dia vou esperar que a espera se esqueça de mim, se atrase em levar-me, bem podes esperar que eu ainda faço o mesmo passeio e ainda gosto de ser apanhada de surpresa pela chuva e quem sabe até talvez seja eu, não sei quando, eu mesma a pedir, de braçados cheios de flores não me faças esperar mais.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Descobrimentos



Espreitaram-se, ainda na desconfiança da certeza e da interrogação se podería mesmo ser assim, se tudo o que se olhava era tão real que o belo e invulgar pudessem andar de mãos dadas sem máculas ou manchas respingadas no diluir da multidão.


Com o tempo o afoito levou-lhes os passos mais adiante, uma proximidade em que bastava esticar a mão e tocar, sentir de perto o inatingível, respirar do mesmo ar e até rir, rir em uníssono da vida como um cenário de papel que se vai pintando à medida da construção de um enredo, multiplas personagens, máscaras arrancadas pela fiabilidade da mentira, selecção, aliados e inimigos.


Mostram-se, exibem nus a alma vestida de dores e cicatrizes, mãos cheias de força a limpar caminho até se baterem de frente, baptizarem-se de nome singular na concordância que o caos embrulha na ordem que os homens não entendem, chamam-se, querem-se, precisam-se, lançam amparo na eminência da queda, mão no ombro, braço à cinta.


De cada provincia de si mesmos atribuíram-se reinos e trocaram território, dividiram colheitas e armas e mesmo que o tempo passe em nuvens apressadas os castelos mantém as pontes levadiças em istmo, um sempre aguardar pelo outro pois conhecem-se o passo sem ter guarda a demandar quem vem lá.


(Abóbora, não podías ter outro nome!)

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

100 Folhas na Árvore



Desponta a centésima folha. Nova, viçosa, cheia de nervuras e relevos, diferente das demais, nenhuma em nada semelhante às que já cá estão e ainda às outras que hão-de surgir, nunca repetidas na sua forma nem na sua forma de estar.

São 100 folhas repletas de palavras contadas numa árvore que se fortifica no alimento do verbo, carrega-se de frutos em cada gesto da escrita e prolonga-se nas raízes que engrossam à medida da intenção do texto.

Seja água da chuva, água de vossas mãos ou água de meus olhos, a sede da árvore satisfaz-se a cada gota de palavra acreditada na verdade e no amor que estas são o único fertilizante que aceita.

Por isso não murcha, não empalidece, não quebra, palavras de pé como as árvores.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Porquê? Não posso?!



Não me apetece. Hoje, não. Qualquer outra coisa menos isso. Isto. Esta coisa que me agarra mãos, coração e cabeça, dispõe de mim como um vicio, tira-me paz e silêncio, acorda-me a deshoras, penetra-me despudoradamente e até me alimenta de fome.


Já disse, hoje não, estou a tentar abrandar, largar um pouco, percebem? Eu é que sei como me sinto, como fico, antes e depois, para não falar sobre o acto em si, sabem lá, é um excesso, faz-me mal!


... Mas quando não o faço, ainda fico pior...


Não interessa! Deve ser o período de carência, como os alcoólicos, aquelas tremuras, os olhares gulosos para o copo ainda besuntado da verrugice tinta, os bichos a treparem paredes, credo! Chega! Hoje não, já disse, repito, grito se for preciso!


Já sei! Atem-me! Não me deixem fazê-lo! Façam desaparecer tudo o que me lembre, tudo!

Não!!! Não deitem fora, escondam só... sabe-se lá se amanhã...


Pois, mas só amanhã.

Hoje é não mesmo!


Já o disse, não é?


Ora então tomem nota: Hoje não escrevo!

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Viver ao segundo





Mordo as horas,


Mastigo-as até polme as desfazer.


Sugo o suco no sabor de saber silenciar cada segundo,


Cedem, à minha mercê.


Na minha mão,


Dum minuto gero um mar.


Bebo o sol no serpentear salgado de cada segundo,


Secam, à minha vontade.


No meu mundo,


Desfaço-me de tempos mortos.


Sorvo sedenta a seda dos sonhos, sorrisos e sândalos a cada segundo


Que escolhi viver.



(In Toda a Poesia Despida, C.G.-Dezembro/2007)

domingo, 10 de fevereiro de 2008

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Antes de ser

Achavas tu então que eras único, que chegavas, tomavas, partías e eu desfalecida na futura ausência me entregava ao condicional do que podería ter sido o que nunca foi para além do projecto do hei-de, uma mais valia esta coisa do existir apenas na nebulosa imensidão do que se deseja, assim se das três dimensões nada se provar nenhuma lágrima cai, só as do sonho de se querer que fosse.


Porque o risco, esse acontece depois de termos corrido o fio do muro, aí sim, já se abriu os braços no equilibrio, já se experimentou a adrenalina, mas até para domar a vertigem o truque é simples que basta olhar adiante e nunca para os pés.


Por isso te digo: cheguei perto e vi que tu eras um muro. Não foi da altura que me assustei, foi da frieza de eu sentir nas minhas costas esse encosto sem molde. Não me cabes, não me serves e cuida, olha que um dia destes de tanto te sentirem impenetrável deixas de o ser. Desmoronas.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

A última página

Olha... caíu a última folha. Sempre pensei que se aguentasse, que resistisse até ao fim. Até ao principio que daqui a pouco chega a Primavera e de pequenos troços, se farão botões enrolados e depois folhas verde-claro, muito tenras, frágeis apenas na aparência, engrossam com o balançar dos dias e alargam-se de diâmetros raiados a nervuras escuras. Fazem-me lembrar as linhas das palmas das mãos. Começamos por seguir um fio, um tracinho e acabamos a perder-nos num emaranhado de encruzilhadas que não dá para perceber onde começam ou terminam.


Pelo menos esta última folha sabe que terminou o ciclo dela. Tenho pena, tive muitas expectativas sobre esta coragem de se debater a ventos e chuvadas sózinha, apenas uma, singular hasteada num esqueleto. Um pedestal mortificado a erigir uma natureza de enfeite.


Devía sabê-lo mas quis deliberadamente pensar que esta folhinha se aguentaría. É que assim o sonho fica mais fácil e ao caír, tombada como esperada, basta apenas dizermos para nós proprios que era de esperar. Como as páginas de um livro, tão iguais, sabemos que um dia ao virar a folha havemos de encontrar a palavra fim. Até podemos demorar a lá chegar mas sabemos sempre, que o inevitável aí reside, por muito que não queiramos, por muito que arrastemos a leitura.


A última folha caíu. Desenhou circulos e até rodopiou sobre si mesma como uma hélice, talvez tentasse subir de novo à árvore e plantar-se numa ramada à espera das outras folhas verdes, destacando-se no seu dourado rijo, clamar pelo seu lugar. Ela não sabe mas daqui a uns meses estará de novo lá em cima, altiva e fresca e depois solitária e amarelecida.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

O canto do cisne



Estou bem. Bem comportada, bem vestida, bem perfumada, bem preparada para me fazer à estrada. Estou bem, já to disse, nada de repetições nas perguntas, sabes como isso me aborrece e não quero mais esse esforço de repuxar músculos do canto da boca até aos olhos, já me basta o que estes viram à custa de os rasgar na mágoa da realidade. Prefería que fizesses afirmações, declaradamente abrisses os braços ou até gritasses para embaraço meu saudades bradadas na singularidade de só a mim virem, de só nossas serem nossas, atropelares a minha fala enchendo-me de frases parvas e tontas, as que eu sempre esperei, as que tu sempre ouviste em primeiro lugar e depois aceitavas vaidoso ou concordavas porque era isso que eu esperava. Pergunto-me se as terás dito, se não terei sido eu a pôr-tas na boca e a pedir-te para mas dizeres.


Estou bem. Tão bem que até sorrio dos sorrisos que fiz quando te pensava, quando agradecida sentía os teus beijos salgados. A mim e a uma confraria, tudo dito de igual forma, aposto que no mesmo jeito de rosto cinéfilo a sussurrar minha querida, minha paixão, aquele silêncio quente que antecede a explosão de unir os lábios, sentir-lhe a polpa e achar-se única no mundo, no sol, na lua, no mar, ser tudo e parte de coisa nenhuma que tudo é demais para dois que se amam e nada chega para quem se quer, mas um amar e outro só achar é como dançar surdo à musica que se toca.


Estou bem, quero estar bem. Já sofri as acusações e até me defendi do que não fiz, já aceitei o teu silêncio e até compreendi as tuas evasões, entendi o teu ciúme, a tua crueldade, o teu egoísmo, as tuas verdades absolutas. E agora que me dizes que queres o melhor para mim estou bem, fico bem. Tu sabes e eu também.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Fantástico novo dia


Tira a máscara, põe a máscara, nas cinzas reaparece o que da folia restou e dos papelinhos lançados o papel sabido sem ponto nos caminhos e actos da vida, na fantasia de ser e voltar a ser.
Ensaio de Primavera, breve encontro no verde prometido afasta noites longas, prepara-se lavado de chuvas frias para uma claridade desenrolada dia a dia. Veste-se de novas vontades, quer-se de peito aberto no renascimento ciclico de casulo a mariposa, voa o sonho, experimenta o riso e o canto.
Varre folhas, espera as flores no botão aveludado e desperta do desencanto quando reaprende no olhar a esperança dos dias compridos, máscara em que pagão se ilude na novidade de outro existir.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Contos Curtos Quase Escuros - Liberdade



Shhh! Cala-te! Não vês que falo? Silêncio! - no início era assim. Mal ela começava a falar ele impulha-lhe o vazio das palavras, ela assustava-se e ainda perguntava porquê, mas a ordem repetía-se e ela quedava-se a meio do pensamento, do som, da boca semi-aberta a expelir o que achava.


Com o passar dos anos aprendeu-lhe a expressão e o adivinhar nos olhos muito abertos, engolía as frases e o mutismo selou-lhe a vontade de proferir fosse o que fosse, um arrepio da vergonha em público.


Falava para dentro, conversava consigo e com outros que fabricara dentro de si mas o tom da sua própria voz perdera a força, o viço e a frescura de quem a usa como ferramenta musical da alma, esqueceu-a, perdeu-lhe a cor da modulação e as cordas vocais mirraram num nó triste e abandonado.


Ele ría, ufano da sua prepotência, um açaime invisivel que lhe dava comando, gabava a sua mão na mulher obediente e muda, exibia-a como domada à sua condição de estátua viva e foi num dia desses, já tão repetido, em que a gargalhada lhe atirou a cabeça para trás, vermelho e inchado,a boca escancarada num despudor que ela lhe deitou a mão à lingua sapuda e de um só golpe decepou-lhe o pedaço da sua prisão.


Com o troféu na mão, ergueu os braços ao alto e imprimiu força às goelas mas som algum conseguiu expelir.


(in Contos Curtos Quase Escuros, C.G.-26/01/2008)

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Segunda-feira

Levantou-se num repente a sacudir o frio, enfiou os pés nos chinelos e rapilhou até à cozinha, aqueceu café, juntou-lhe leite e várias colheres de açúcar, mudou a água dos bebedouros dos pássaros e assobiou-lhes imitando o trinado. Os canários esvoaçaram, não cantaram.


Olhou a rua, o céu chumbo, escondeu as mãos nos sovacos quentes e esfregou as pernas uma na outra. Pensou no que tinha para fazer, não achou nada. Lembrou-se que tinha imaginado nesta segunda-feira ir passear, vestir-se bem, ver gente bonita. Lá fora, um e outro transeunte dobrava-se enrolado nos sobretudos, olhos semi-cerrados à chuva miudinha que começara a caír.

Arrepiou-se, vestiu o robe comprido e calçou umas meias.


Sentou-se, nada para fazer, suspirou, banho talvez, mas depois do banho fazer o quê, nada para fazer. Traçou a perna e baloiçou o pé, rodou-o, agitou-o mais ao alto, cada vez com mais força, saltou o chinelo, sorriu, lembrou o avô que lhe dava cavalinho na perna, as mãos miúdas nas grandes dele, uma confiança plena na cantilena do Rei, Capitão, Soldado, Ladrão, Menina...


Menina, já o fora há tanto tempo, muito lá para trás, o bibe, as tranças, a escola, o recreio. A chuva engrossou. Cai de lado, veio o vento, ninguém na rua, talvez tivessem imaginado ir passear e ver gente bonita nesta segunda-feira. Depois cortou o cabelo, depressa se empertigou nos saltos, conheceu namoros.


O vento assobía, muito melhor do que ela aos canários. Não se lembra das caras dos namorados, só alguns nomes, faz confusão com a cor do cabelo, volta trás, esforça-se por reconstruír vozes e palavras que lhe deram e até sitios onde esteve. Não passou tanto tempo que lhe tenha apagado quem foi ontem, que fez ontem, que comeu, terá chovido, não, a terra não se tornou lama ainda.


Esfrega as mãos no rosto, talvez assim se recorde melhor, não, não vem nada, só lá fora a chuva parou tão rápido como veio, passear e ver gente bonita, espreita, ninguém, vê-se reflectida na janela gotejada, as memórias saltaram-lhe todas nos sulcos da cara, uma terra que não empapou de água.


Ladrão, Menina bonita do meu coração.

domingo, 3 de fevereiro de 2008

sábado, 2 de fevereiro de 2008

Inspiração





Para qualquer lado onde vás eu vou contigo, vou estar sempre colada a ti, à tua lembrança, às tuas dores e ao teu riso.


Seja na areia da praia que restou incómoda nos teus bolsos ou no golpe que arde quando folheias aquelas sebentas já muito lambidas e vincadas de tanto procurares inspiração e ela ser-te gatuna de noites a fio a rolar nas letras sem achares a ponte que te leva a terra conhecida.


Pensas tu que podes sacudir-me, ridiculamente enganares a tua vontade apenas porque o desejas; mentira, o teu desejo e ambição é eu ser-me em ti, revelares de ti a parte que te sou, pele e invisivel, gosto e fome, um par perfeito como a mão esquerda precisa da direita.


Não te falto, sossega, temes que à força de me banires do teu mundo um dia qualquer de nevoeiro caía sobre a tua recordação e não consigas descobrir quem é quem. Vou estar contigo, talvez maldosamente te deixe gritar por mim só para te ver sofrer um pouco e sentir-me pedida, mas apareço, vagarosamente, languidamente, assustadoramente presente na interrogação que te incomoda onde estive, por onde andei.


Andei pela verdade.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Fevereiro



Mês dois.


Carrego aos ombros o peso da subida no ludibrio de achar que avanço. É um caminho de um só sentido, a novidade já foi, acabou-se aos primeiros dias quando achei que tudo sería diferente e por outro lado não fiz promessas, não me enganei na diferença, sabía-o de outros anos. Talvez me esqueça de quando em vez...


Mas agora que aqui cheguei repito-me nos passos da queda, da descida vertiginosa do tempo e da erosão: seguro-me, desfaço nas mãos um amparo que se esboroa mal o toco, degraus que rangem sob o peso da repetição, sei para onde vou não sei o que vou encontrar.


Melhor assim. Se o soubesse tentaría o recuo, ganharía impulso e saltaría ágil um ou outro mês, porém este é apenas o segundo, um patamar mal alumiado onde tacteio paredes rugosas e evito a todo o custo esfolar-me, o pé provando chão, tentando arranjar olhos quando cega piso.


Mês dois e tanto degrau para tropeçar.
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(in Calendários, C.G.-Fev/2008)