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sexta-feira, 15 de maio de 2015

Campo de Palavras (22)


Depois das primeiras carreiras de frases já o meu sentir se tinha formado e uma contrariedade em levar por diante a tarefa do ler prendía-se ao julgamento inicial de que era tudo mais do mesmo. Ainda assim, forcei-me, obriguei os olhos a cobrirem as páginas até ao fim. Lá estava, a palavra do mote, encaixada à força como um sapato que precisa de calçadeira para o pé se entrouxar nele, se era tema era palavra, então tinha que aparecer mesmo que o seu sentido não fosse para além do seu significado.
Senti-me seca, árida, cansada, um campo vasto de torrões sem cultivo, sementes largadas à toa na expectativa de que alguma vingasse por milagre nem que houvesse falta de arado, falta de água.
E a água aqui era só água. Não se escrevia água para além da de beber que outra parecia não se conhecer, nem a do mar e a dos rios, a da chuva, a que corre nas veias ao invés do sangue quente, a do olhar que verte pelo berro silencioso do não, a que não chega por já se ter oferecido à morte, a do baptismo em fés cristianas.
Os autores bebíam tinta, esquecíam texto, afogavam pontuação, eu fechei o livro.
Entre desconsolo, raiva, vergonha e tristeza, as minhas palavras foram cambiando até nenhuma. Há campos que estão destinados ao abandono.

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