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quarta-feira, 31 de julho de 2013

Do outro lado



 
Lembrava-se de ter ajeitado a almofada e ter pontapeado a roupa, afastado as pernas na procura de sitio fresco, apertar os olhos na busca do sono que não vinha e só chegava calor. Tanto calor. A ventoinha zunía e cheirava a óleo queimado, cansado, moído de tanta volta sem olear ar nem motor que aguentasse o ritmo do coração contrariado nos ponteiros do relógio ignóbil.
Tic fez a mobilia, tac fez a ventoinha e som algum pesou mais que o calor.
Suspirou, rodou, rolou. Bufou duas, três vezes, abriu os braços e os olhos.
E do tecto do quarto, meigamente, mansa e agradavelmente, pingou uma, duas, várias gotas de água, saborosa, não muito fria que arrepiasse mas como uma bruma suave que refresca e acalma.
Abriu a boca, esticou a lingua, engoliu aquela chuva doce, pingada, quase chorada, infantil e feliz.
Dormiu e sonhou que tinha chovido no seu quarto.
 
 

terça-feira, 30 de julho de 2013

Casablanca V



 
Noite, noitinha, um ar abraçado em cânticos veste palmeiras, o escuro, os edificios brancos, os leds azuis interiores da viatura estofada a pele verdadeira onde hesito reclinar por me perder num fundo onde não consiga recuperar o pé. O árabe arranha-me a imaginação e procuro infindavelmente a linha de cavalos e camelos com a silhueta esguia do turbante azulado, uma perseguição contínua até ao adeus no aeroporto, que nunca avistarei. Quero fixar tudo, comer tudo, engolir e guardar para no quarto sózinha, saborear devagar a memória do momento, mas o francês ao meu lado de cotovelo afiado tagarela-me como se fossemos os únicos a entender o idioma e os marroquinos perdem-se na beleza dos telemóveis, suponho, a falarem com as mulheres e a chamarem-nos de bestas por terem de nos aguentar. Eu lusa, grito. Por dentro. Tento lembrar-me de algum poema, alguma coisa que tenha escrito mas só me recordo de um programa de culinária que vi na noite anterior às duas da manhã hora de Portugal, em francês, com creme fraiche e poulet et sans porc, tenho saudades de porc e também du vin et de la bière, como se dirá cerveja em marroquino? Certamente, nem haverá palavra, talvez haja, os italianos têm bebido muita cerveja mas sem alcool.
Chegamos.
Na sua comum doçura, apontam-me o caminho, contam-me uma história.
O sitio?
Ergo a vista. Sorrio, lembro-me do mirante que se debruça sobre a minha margem do Tejo, um forte.
C'était, desligo, o resto é um manto que pousaram na minha testa e desliza no meu dorso.
Tão longe e venho encontrar o meu pedacinho aqui, um canhão, pedras minhas.
 
 

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Vacina




 
Necessito urgente de um verbo limpo, de aprender a dizer com desenhos de palavras juntas o que me atravessa aflita na garganta. Tantas vezes digo frases e soletro devagar para que a compaixão dos sentidos acorde mansamente sem o ímpeto da descoberta da verdade, e no entanto nada me chega, nada me satisfaz que descarregue este peso de me saber infectada sem que o perigo do seu veneno mais mal me perdure.
Insisto, como se soubesse fazer uso do que é a palavra.
 
 

domingo, 28 de julho de 2013

Alucinações de uma vida paralela (9)




Ter espreitado foi a minha condenação, embora nesse tempo não o adivinhasse. Outras fases da lua encobríam-me a luz e eu habituada ao mundo dos gatos não me incomodava com o que me aparecía. Divertia-me, trocava dois dedos de conversa, mandava-os embora quando aborrecida, ignorava se estava acompanhada. Escrevía-os. Numa claridade que me cegava pelos sentidos e velocidade, fulminada pela vontade de o ser, pela necessidade de os ter nas mãos como os pés que não paravam.
E arrumava tudo. Como se fossem meias lavadas que se dobram para vestir num dia em que os pés arrefecem.
Quando abri a porta e pela nesga deitei o olho, empurraram-me, bateram-me na cara. Estava frio, talvez nevasse. As fitas das sapatilhas estavam rasgadas.
 
 

sábado, 27 de julho de 2013

Chez La Solitude



Filas. Espera. Mais de vinte minutos encostada numa perna, depois na outra, anca pra lá, anca pra cá. Mesas cheias. De pratos findos, toalhas sujas, talheres gordurosos. Bocas cheias que ajeitam alimentos pra lá e pra cá, beberricam liquidos gaseificados e  disfarçam o arroto na bochecha dilatada e olho brilhante. Crianças que dizem não, mães que insistem que sim, pais que dedilham telemóveis. Travessas que chegam e tudo começa outra vez, dez minutos num pé, mãos nas algibeiras, não há algibeiras, traça-se os braços, amachuca-se a roupa. Ruído, zonzam barulhos desafinados que dormentam as orelhas. Fome. Um grito de uma criança baixa o volume ambiente mas rápido retoma o som de enxame enfurecido.
Ninguém se fala.
Não há mensagens de amor pelas pestanas baixas e iluminadas ou toques de um pé surpreendido no caminho pelo sapato atrapalhado e afoito. Não há mãos a segurarem o mesmo pedaço de pão. Não há lembranças para dizer Lembras-te. Não há vontade para ter prazer. Não há tempo para saber.
Ninguém se fala.
Espera-se. Aguarda-se que os alimentos saciem o estomago e calem a vontade da fome. O resto são lugares ocupados de uma solidão única e própria, cadeiras dispostas par a par como um cenário em que os figurantes aguardam pela sua vez, entram e ruidosamente fingem que estão vivos.
 
 


sexta-feira, 26 de julho de 2013

A tua saudade



 
Não falarei de mim na primeira pessoa, não hoje que encurtei o regresso por atalhos de penosos caminhos na memória da casa antiga e os olhos procuraram as janelas do segundo andar da rua onde moraste. Eu também.
Por isso não posso falar de mim, há que manter a distância, tudo se torna mais fácil quando se vive nas palavras de outros, uma certa decência é importante e não conseguiria acabar com o papel manchado de azul e água-sal sem entender o que escrevo. Depois, perder a cabeça por coisas sem remédio deixar-me-ía na ingrata posição de mim mesma e na de terceira pessoa, escolho a narrativa, contra a simpatia e empatia, opto pela vigilância.
A mesma azáfama de sempre, a qualquer altura parece que ele há-de assomar e o coração desassossegado, pisado na dúvida da verdade, a bater contra as paredes do peito, a pedir para vir cá para fora e correr, correr e ir à procura dele, os passos que não param e a janela a ficar para tráz, ela a olhar, a virar-se, quase a parar sem parar, depois a acelerar o movimento das pernas no receio de encontrar alguém que a conheça e lhe faça perguntas e não aguente e exploda nas saudades, nos comentários, na compaixão, nas perguntas pequeninas cheias de interrogações que correm tanto quanto o coração que não há meio de voltar para dentro.
Eu dou-lhe a mão e sossego-a, unimo-nos.
Juntamo-nos neste verbo. Tosco, arranhado, esfolado como o meu peito.


quinta-feira, 25 de julho de 2013

As conversas são como as cerejas, sobra o caroço (1)


 
 
No tempo em que não nos conhecíamos e que tudo era encantado, foste tu mesmo que mo disseste da segunda vez que nos encontrámos, em que escrevíamos coisas misteriosas um ao outro como se fossem partidas ou charadas, tu ganhavas sempre a melhor pois tens o dom do traço, os cavalos vinham sempre à conversa, sempre os partilhámos no gosto, disso estou certa que não se perdeu a magia, deles e das árvores. Das pessoas, não se dirá o mesmo, repito, ou refiro o que me disseste quando fomos à livraria, que agora que nos conhecemos, lá se foi a imaginação!
Claro que isto não é nada, comparado quando te telefono, pergunto como estás e me respondes:
- Olha, estou de cuecas!
 
 

quarta-feira, 24 de julho de 2013

A minha terra




A penúltima vez que caí foi na cidade grande. Um tombo à séria, de ficar de quatro sem me conseguir erguer de tão atordoada, a tremer, dorida, os pertences espalhados, as meias rotas. Era hora de ponta, logo pela manhã. Habitualmente, rio dos que caiem e rio de mim própria nessa mesma figura. É estupido e incontrolável. Mas nesse dia os joelhos a sangrarem e os pulsos a latejarem tiraram-me o pio e eu mordi a lingua para não berrar com a dor que sentia.
Quem passava olhava. E prosseguia.
Eu sei disso, porque por entre as melenas vi os sapatos a abrandarem junto a mim, outros nem tanto, mantiveram o seu ritmo acelerado, e claro, todos se desviaram do meu corpo.
Ninguém parou para me perguntar se necessitava de ajuda, se eu estava bem.
Provavelmente eu teria mentido e responderia que estava tudo bem, ao começar a colher as minhas coisas espalhadas..
Nessa manhã, agarrei as minhas coisas do chão e o coração também.
Hoje caí.
Nada de tão aparatoso nem com consequências dolorosas como alguns anos atrás. Era final de dia e eu vinha perdida no meu mundo, desci dois degraus e só vi um, ajoelhei, não perdi nada das mãos.
A surpresa da queda é igual ao estalido dos dedos que o hipnotizador usa para trazer as suas cobaias à realidade. Num repente, eu estava ali, tinha descido à terra (literalmente ao cimento) e um ror de gente feita mãos, feita bocas e vozes, feita narizes e olhos, tudo enorme para me trazer para um sitio seguro. E eu a perguntar para dentro de mim como é que tinha ido ali parar...
É a minha terra. Não nasci aqui. Na minha terra. Mas já amei, já chorei, já ri muito muito, já dancei e escrevi e o Rio que a molha a separar do outro lado, aquele de lá, o da cidade grande, tem esta coisa no peito das gentes. Deve ser por isso, que um dia, disseram que isto por aqui era um deserto.



terça-feira, 23 de julho de 2013

O bater do coração (dezassete)




A maldição das palavras, a consumição a que a elas me devoto, fervorosa, apaixonada, desligada, ligada, a forma como me comem por dentro e sinto e assisto e já tentei travar e até ignorar e transformar-me numa infeliz criatura, sempre rodeada de outras como moscas que me atormentavam e que se mantém, mas que não me torturam mais porque lhes permiti a liberdade concedendo-a a mim, é o meu retiro espiritual, a minha essência.
Depois de um dia árduo, pesado, sorridente quando apetece voltar costas e responder na mesmo moeda quando a educação ficou esquecida, por vezes nem o verbo escrito tem força bastante para aparecer.
Sem pedir licença, sem fazer perguntas eles aparecem. Os amigos de quatro patas estão sempre dispostos, felizes do meu regresso, incapazes de me julgar pelo aspecto, pelo meu comportamento, pelo meu tom, apenas vêm, tocam e o coração acelera.
Nada é tão simples como este amar.


 

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Posição facial invertida



 
Estou doente, decreto-me oficialmente doente, atingida de maleitas, tonturas, o meu fio de prumo interior incapaz de isolar a verticalidade, azias e refluxos, babam-se-me os eus entre comissuras como bolsados de recém-nascido, terei engolido algum estragado ou outro que se envenenou farto de pirraças e que resolveu morrer dentro de mim, que estou doente nestas linhas como mulheres que parem com saias enroladas nos dentes mordidos em dores contidas ou serão corações disparados na bala vazia da saudade chutada quando a noite não vence, mesmo no escuro é sempre dia, é tudo claro, e cá por dentro é tudo ao contrário do que se dizia?
 
Não estou doente, faço o pino, escorro o que sinto, vejo as minhas mãos onde calcam a terra e não lhes acho grande diferença.

 

domingo, 21 de julho de 2013

Domingo só



Rápido chega a sensação de desconsolo, uma pastilha mascada que depressa esgota o açucarado e da qual só resta uma borracha que cansa os maxilares à medida do vício de continuadamente se apertar entre dentes o que já nada contém. Sinto-me só aos Domingos, desamparada, como se houvesse promessa de coisa boa, grande expectativa e depois, toma lá, dão-me com a Segunda! E este grande remate, após uma tarde de preparação para a fase depressiva, antecipação do que será a hora do lobo, taciturna e melancólica, cinzenta e silenciosa.
Não quero perturbações, mais do que as turbulências que já ocorrem por dentro, sinto-me só, mas quero-me assim, não sou boa companhia, zanzo pela casa em tarefas invisiveis, não há saídas, não acho graça na comunidade familiar que se desloca ao café em alegre e ruidoso bloco, desconfio-os...
[No Domingo havía festa no coreto do jardim, e lá ao longe a gente ouvía a tuba do Serafim] Canto para mim o que o meu pai e a minha mãe cantavam para mim e que depois eu cantei para o meu irmão e que depois todos cantavamos para nos divertirmos.
Mas este Domingo dói-me, levou-me as notas desta música como o açúcar se foi das chicletes mastigadas e apenas o lobo ficou para me recordar a sua hora.

sábado, 20 de julho de 2013

Cansaços




Silêncio. Um pouco de silêncio por favor, mais um par de horas no silêncio, deixai também os fantasmas descansar e os móveis mudos desses estalos que me sacodem e erguem na ponta dos pés sem sono algum. Mas por agora não, ainda não, preciso desta horizontalidade mortal e embalada do cansaço, em que os ossos pesam na moleza morna da lembrança do feto aconchegado à concha materna, protegido do chamamento do nome e da hora e do toque de levantar.
Quero dormir, preciso dormir, não me acordem, que fadiga esta que se apoia de cotovelos sobre o peito e carrega, empurra, faz força e me tira o ar, preciso de descansar, não me acordem, tragam-me o silêncio para eu beber por uma hora que seja, uma só então, perco sempre este negócio e arrematam-no nos minutos descontados na ladaínha do custo, a meu custo franzo os olhos que não quero de todo acordar, nem pesadelos de explodir o coração me farão mover a memória dos movimentos de me destapar, vivo, foi um mau sonho, já acordei.
Só silêncio, peço.
Para que hoje seja diferente.
 
 

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Casablanca IV




Velho mercado. Casa (Cásá), como amorosamente lhe referem o nome numa intimidade que só aos próprios pertence, acentuada pelo branco esboroado das frentes que não se sabem datar, intercaladas com seculares erguidas ou remendos arquitectónicos dependentes da imaginação do seu criador.
O vai-vem constante é igual ao movimento das abelhas, que as há, atraídas pelos suculentos doces de mel, amêndoa, sementes de papoila e os inumeros turistas que se cruzam com a comum dona de casa que faz as suas compras aguardando silenciosa a melhor luz, o melhor ângulo para a fotografia que hão-de levar para recordar aquela terra de bárbaros.
Eu não sou de cá, não sou turista, vim a trabalho mas também não posso ser considerada emigrante, serei então o quê?
Sinto-me como estas construções, feita de tempos porém, inacabada, faltava-me Casa, branca de bocados de outros brancos, dilacerada de olhos que não me veem para além do que está exposto.
Parece que entendo melhor estas mulheres que caminham cobertas, apenas o olhar como uma luz, fulminante. Calhou ao passarem por mim, deitarem-me aquele lume nos meus olhos e senti que me dizíam que eu não entendia nada, descaradamente nos meus olhos, diziam que tudo era mais branco do que eu via.



quinta-feira, 18 de julho de 2013

Original



 
Se ontem amargurava a dúvida de que a que lia poderia não mais ser a que agora escreve, hoje há a plena certeza de que a que outrora dançou e gemeu na dor das pontas é e sempre será a que sente o sabor do cuspo a mais que incontidamente seca e desagua sabe-se lá onde. A bexiga cheia. Aflita. O suor gélido na cova do pescoço como um sopro de um monstro invisivel que a qualquer momento irá ferrar e paralisar os movimentos, a lembrança ida. Toda. Tudo branco ou tudo negro ou tudo cego. Ou todos os cheiros e sons aumentados numa lupa gigantesca que incomodam e maravilham.
A antecedência do palco, o sobrado quente e macio. Traiçoeiro. Cada nó de madeira afagado que se sabe de olhos fechados na longura da distância, nos sonhos, nos pesadelos em que se cai ou se rompe o tendão, ou nos anos que afastam o som dos acordes do velho piano martelado e as palavras ritmadas da contagem da coreografia.
O vinco calejado das fitas, as unhas falhadas, os dedos partidos. Os adesivos, as perneiras de lã, a coxa elástica, a cânfora, o cheiro de suor acre que não arreda.
Desta pele mais ninguém tem uso, esse egoismo veste-me a mim. Por dentro e por fora. Viva e no escuro.
 

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Sem pestanejar é tudo parado




Descobrir o que já foi descoberto não é novidade e não é reinventar, mas pode ter o sabor da primeira vez por causa dos truques da memória. Os da dor da memória, da saudade magoada principalmente, porque a lembrada no sorriso das lágrimas que dão caimbras de tanta felicidade muitas vezes se regurgitam ao dia e limpam as nuvens cinzentas quando se pede mar calmo por dentro.
 
Não sei que me deu para atirar a flecha para coisas antigas, um tiro de azar foi decerto, pois que se tanto já escrevi e por aqui, poderia ter acertado numa gargalhada, numa provocação quiçá, mas não, tinha logo que atingir o que especialmente foi directo ao coração. Parece que procuro a ferida e escarafuncho, gosto, necessito dessa dor insuportável e sem desviar os olhos enterro ainda mais a caneta e busco, escavo o rasto do que era eu nesse tempo, as conversas, o diálogo entre verbo de mim e eus e comentários sorridentes que não estão mais aqui.
 
Releio.
Se houvesse a certeza da existência do verbo na matéria dos homens... eu seria?
Fico muito quieta a pensar nas tuas palavras, nas minhas, em tudo o que se escreveu nesse então, neste presente em que sou um eu que já era e no entanto... que resposta haveria agora para o que agora sou?
 
Sinto dor de lembrar o que ri, não me reinvento, não é nova esta saudade porém é só tua, para ti que fui a que passou. Se calhar morri lá atrás, fiquei entre palavras, apertada no meio de alguma pontuação mal marcada. E agora tudo o que basta é parar, abrir muito os olhos, parar e não pestanejar, esquecer-me de lá e a dor pára.

terça-feira, 16 de julho de 2013

Os e As




Ficou-me.
Talvez nem seja um vicio pois, que estes adquirem-se e do que me cola como pele é quase carácter, uma mania que se aponta como sinal de nascença distintivo, o bicho sempre a tricotar incansável, laborioso, persistente no ir e voltar do som de retorno, a história sem fim de escutar os demais e pô-los a falar na sua mutez pardacenta, e depois, depois é sempre ilogicamente lógico e profundo em que todo o sentido parece arrematar como um laço perfeito o que sempre parecera desconexo, Os e As são os eleitos, os mais-que-perfeitos, os mor, as imagens projectadas da inquietação de sermos um só.
 
(Não. Sim, somos. Não, de todo, ele não sou eu e eu já sou outro mais quando assim o penso)
 
 

segunda-feira, 15 de julho de 2013

O livro negro dos homens (três)



Como convivem bem os que engenhosamente envolvem a lingua à volta do pescoço de outrém e apertam, apertam docemente lambendo, amaciando-lhes o tino na esperança da conquista. De tarefa despachada, limpam as mãos, despojam-se do vestigio da mentira, sacodem as migalhas traidoras e apontam o dedo ao outro.

E vão sucedendo nesta casta sedução, uns e outros, à vez, aos pares, aos trios e na perfeição a solo, apoiando-se conforme a fome, comendo-se consoante a gula, sempre de olhos alegres e dispostos, de quatro se a isso lhes pedirem, a pé-coxinho se só houver um sapato a servir.
 
 
Eu sou a besta.
O animal que morde, o que dá patadas, e da lingua só lhe dou uso para a deitar de fora.
 
 
 
(Lx,20-01-2010)

domingo, 14 de julho de 2013

O som da saudade


 
 
Tanto calor do lado de fora e um frio no peito sem aconchego que lhe avivasse o Verão. Tanto tempo  passado desde que juntos havíam passeado nos jardins, ele a repousar a cabeça nas pernas dela, os braços a ocultarem o sol que magoava os olhos, ela a cantarolar, ele a dizer que ela ía espantar os pássaros, ela a dar-lhe beliscões, ele um beijo.
Ela entrou no museu, os saltos repicavam a sua solidão entre as salas vazias e as esculturas debruçavam os seus metros exigindo silêncio.
Não viu o guarda nem o guia por isso avançou, avançou sempre sem parar, sem nunca se incomodar com os quadros que a vigiavam a mudar de sala, a rodar a mão direita nas esquinas que dobrava, a balançar a pequenina bolsa de mão como um brinquedo, a esquecer a postura rigida, os ombros caídos.
Ouvia-se distintamente.
A acústica permitia até um ligeiro ecoar que progredía através das salas como um replicar que se faz com algum atraso do som original.
Cantava.
Melhor, cantarolava, alguns pedaços de música parecíam ser engolidos como um ar que se traga e depois de novo para fora, mais audível.
- Que música é essa?
Ela ficou paralisada. Olhou em redor. De novo a pergunta e ela sem se mexer. De uma tela saltou um homem em tronco nú, estendeu-lhe a mão, mexeu os lábios mas nada se escutou. Ela não teve medo, não quis fugir, apontou o quadro vazio, viu um jardim. O homem tomou-a nos braços e entrou de novo pela moldura carregando-a.
- Tenho estado à tua espera, da tua voz, do teu cantar, nunca mais vinhas...
Ela quería chorar mas não saíam lágrimas e então sorriu, quis dizer-lhe das saudades mas não conseguiu falar e então cantou. Mas por mais que se esforçasse nenhum som se ouvía.
Ele deu-lhe um beijo, ela recostou-se nele e pensou no Verão.
 
 
 
(in Telas, 2009)
 
 

sábado, 13 de julho de 2013

Coisas de nada




Chegar perto e observar, procurar o defeito e o belo, o contorno e o matizado, a linha certa e a tremura, a ânsia, preliminares alongados e depois uma pressa, a inspiração que não se drena contendo a raiva ou a alegria e que escorrendo alaga planaltos em que só o próprio se afoga debatendo-se quer a sucumbir quer a tentar salvar-se na dicotomia do detalhe.
Exaustão que não se quer abusiva, pois o explícito retira-lhe o encanto do mistério necessário à dose do imaginado e a fronteira entre o genial e o tédio é curta.
Afastar, recuar um pouco depois, e deslumbrar com o todo numa nova glória, uma amálgama de pormenores que de per si sobrevivem, aparentemente, independentes e sem abrigo do oxigénio dos demais, do seu invólucro total.
 

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Para onde foi a Primavera?



 
Consumidos pelo calor, pelo governo, pela troika, pela penúria, pela despedida, pelas portas fechadas, pelo desemprego, pela cunha, pela caristia, pela hipocrisia, pelo esquecimento, pela correría, pelo cansaço, pelo lugar ocupado, pelo despertador que não toca, pela publicidade enganosa, pela casa roubada, pela dívida ao fisco, pela traição do amante que regressou à casa roubada por não ter dinheiro para suportar o divórcio. Consumidos até à morte.
E neste salto vagaroso em que a vida se faz, vamos esquecendo o verde que vinha do chão em pequenos brotos e que tanta esperança alcançava no horizonte, mordia o sorriso no rosto, deliciava os olhos e amornava os dias pequenos que trazíamos às costas.
 
 

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Ociosidades




Queixo-me muito do tempo, da falta deste e o que me consome pelos dias fora sem me retribuír numa réstia de nada fazer que me permita dedicar uma nesga que seja à minha pessoa, sendo certo que se  acontecesse, não sabería o que pensar, pela simples razão que tal nunca sucedeu. E se a ocasião surgisse, o mais certo era inventar qualquer coisa para me ocupar ou afligir-me por ter deixado em falta coisa nenhuma. Assim, conclui-se que reclamo do que não posso. Ou que não sei ou desconheço para estar a falar com propriedade. Também. Mas não vem ao caso.
O que interessa mesmo, é que num fim de tarde em deambulações por Lisboa, tira fotografia aqui, rabisca acolá, anota cores, registos no caderno, as pernas já a começar a acusarem as subidas e descidas por causa de tanto calor, a boca seca e a água já foi, dei comigo a lembrar um homem que morava por ali, no alto da colina e que tinha uma janela enorme que se rasgava sobre o Tejo.
Mas por mais exercicios de memória que fizesse não conseguía atinar com a rua ou a porta, um nome ou até mesmo uma referência perto que me indicasse que não estava longe do sitio. Só a janela me vinha à memória.
Depois, também não havía ninguém pelas ruas serpenteadas, tudo deserto, como se eu fosse o único ser vivo por ali... talvez fosse do calor, mas comecei a duvidar se não tería sido alguma das minhas histórias e eu estivesse a reviver a ficção.
Desci, murcha, a tralha a tiracolo, os pés a escaldar.
No fim da rua, um café com algumas moscas a zumbirem e uma arca de gelados à porta convidou-me a entrar. Pedi uma garrafa de água. Encostado ao balcão estava o homem que eu procurava. Comecei a rir, dois beijos, a janela perguntei, o sobrolho dele arqueado, saímos, subimos a rua, algumas mulheres a varrerem, onde é que esta gente estava?
Perdi a noção das horas, ficámos a conversar pela noite fora, a aragem do rio chapinhava-me os sentidos, estava-se tão bem na casa dele, na janela dele, na nossa conversa, no silêncio, no meu nada fazer.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Surpreendentemente





Esta noite não tem sossego.
Escorrem-me em compassos ritmados uma chuva fina e teimosa que me leva a espreitar o minuto passado e no entanto, não há cansaço, não há frio neste Inverno que me lembre Julho e onde me levará a memória impressa como as dedadas de um aperto de mão franco ou os abraços de um amigo, que repetidamente dizemos o nome tão alto para que ninguém o esqueça?
Esta noite aparenta um dia.
Aquele dia em que na véspera nada dormi, um desassossego no corpo, uma inquietude na alma, mil recados dados e eu verde, como todos somos quando nos apaixonamos e distraídos pelo laço, caímos pelos pés sem termos cuidado onde os pusemos. Mas não é esse o fascinio? O absurdo do descontrole, a tremideira das borboletas apesar de o pré-aviso?
Esta noite estou de amores, viajo a galope disparado com o cheiro do medo a bater-me na cara, pois sei que tudo o que me enche neste quarto já me tocou na vida, já lhe dei o fim, já lhe escrevi as falas, já lhe senti o doce, já engoli o fel, já disfarcei o sal das lágrimas e nem mesmo neste papel antecipado, tola que sou, escolho outro, escolho outra história, outra noite, peço outro dia imitado de noite, que os anseios que me dão abrem-me a porta a vidas de outros que não quero aqui.
Esta noite é igual à de ontem.
Ontem não foi igual a nenhuma e por isso todos as noites são noites de dias em que acho que sei o fim das noites. Mas não é verdade. São palavras que escolho como pequenos Invernos que refresco nos meus pesadelos, ou águas com que dessedento a minha montaria e arrefeço o Estio. Eu verde, sempre crua do que me chega, ávida das palavras que me arribam sem chamamento do seu nome.

terça-feira, 9 de julho de 2013

Olhar com vista sobre o Rio (27)




Sei-te grande, vejo-o, essas manifestações são tão desnecessárias quanto a tua majestosa imponência, para quê tanta espuma de raiva na agitação das águas e turbulência de desvios se não te inquieto mais do que sempre e até as gaivotas hoje se pardam ao invés do branco-peito, temerosas que nenhum cardume lhes ofereças, para quê tudo isso, maus humores em dias de sol, logo tu pimpão do cacilheiro a açoitá-lo como se fora uma chata vulgar e fraudulenta do teu nome, não te sei assim Tejo, veio-te uma réstia espanhola ainda arremelada à corrente nascente?
 
Logo adiante não estão para te aturar vou-te avisando, que dessas iras e balanços só eu aguento porque te amo e me enfeitiças, mas hoje um bocadinho menos que a agonia que me deste já me encheu até ao fim do dia.  
 
Tu vê lá não me amofines ou passo-te por cima.
 
Deixo-te sózinho.
 
Entende-te com o mar.
 
 
(in Olhar com vista sobre o Rio, 2012)

segunda-feira, 8 de julho de 2013

O bater do coração (dezasseis)



Dos que acham que morri, ou melhor ainda, que estarei moribunda nesta árvore, arrependam essa lingua, contenho o tempo de aqui o regresso achar o lugar próprio em pêndular data, pois a vontade tem outras venetas e o rascunho tem paladares muito saborosos.
O coração agita-se na mesma frequência de outrora, eus que me acompanham em mantos mais ou menos pesados e nem sempre de transparência pretendida, porém outros desafios a par com este a degladiar a minha atenção infligem-me a imposição de juíz e no final, prefiro escolher o sacrificio do ausente ao publicado por publicado.
Se respiro é porque a palavra ainda me anima, porque o verbo ainda me dança na lembrança das dores dos pés e das vertebras construídas no contexto da emoção do dizer, poder dizer, ainda conseguir contar o que me anima o coração. Tão dificil conter quem quer falar do meu coração.

domingo, 7 de julho de 2013

Sem ensaio



Ninguém há-de saber, nem precisam, haverão de pensar o que sempre pensaram, que somos bonitos e felizes porque os que são bonitos são sempre muito felizes e até ricos embora isso não seja para aqui chamado e das riquezas havería muito para falar, das de dois tipos para começo de conversa mas não é dessa que queres falar pois não? pois, como te dizía, ninguém vai ligar a nada, porque só olham o que os olhos veem de frente, o que a boca engana, nos cantos para baixo quando os sorrisos dos olhos já não acompanham a comissura é que é mais dificil e poucos o notam, por isso deixa estar, ninguém há-de saber e nem precisam, e lágrimas nem pensar, não te ponhas com ar de piedade depois de teres dito o que disseste, não vai bem, percebes? é como um bom fato com sapatos por engraxar, ou uma fatia de queijo acompanhada por um copo de água, nem embeleza nem alimenta convenientemente e isto passa tudo pela conveniência, não é? somos bonitos, não podemos, ninguém o vai saber, agora já disseste, vai à tua vida e não demores e principalmente não olhes para trás, aí sim, podíam desconfiar, beija-me o rosto, um beijo só, perdido entre o cabelo e a face, nada na testa, é o melhor, olha para mim e sorri agora, ninguém vai perceber, as despedidas são mesmo assim, mas já sabías, não é? ou achavas que me dizías adeus e eu chorava? somos bonitos, quem é bonito não chora, ou somos ricos e quem é rico não chora? ajuda-me, já não sei como é, dá-me a tua mão, o beijo e vai-te embora, ninguém há-de saber.
 

sábado, 6 de julho de 2013

Treinos & Sedução



A modernidade do agora e o conforto das teclas quase eliminaram a deformidade do calo do meu dedo médio da mão direita provocada pelo uso da caneta, tempos em que o trabalho manual desta ferramenta e o papel eram indispensáveis ao registo dos meus devaneios, coisa que actualmente, basta ter o telemóvel à mão quando não carrego o portátil para lhes dar vazão.
Confessadamente, não me livrei do caderno. O peso de o saber na carteira ao ombro consola-me a alma quando o apetite não está virado para as máquinas, e basta-me pensá-lo e lembrar o seu cheiro para que todas as palavras se fixem dentro de mim sem precisar da tinta azul para o desenho. É uma espécie de muleta da memória, um avivador do verbo, um treinador dos sentidos. Marcá-lo com uma palavra significa desembrulhar uma prenda, uma lembrança de horas pretéritas que trago ao presente corrente, desafiando-me as emoções ou mais complicadamente, cedendo o lugar a outros emprestando-lhes as minhas mãos, o meu ainda resistente calo.
 

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Quo vadis




Deitar, aconchegar os sentidos ao silêncio da noite e pedir sono, pedir sonhos, puxar as horas ao pescoço rente ao cansaço da correria do [teu] corpo paralelo, respiração coordenada, um monte, o abismo, uma montanha, desse lado nasce o sol, acordar, [saber] andar, desenhar filas e carreiros, imitar e copiar, decalcar e não fugir, acertar passos, a-cer-tar pa-ssos, alinhar, apressar, nitidez do som que grita o dia do meio passado na claridade do pico que tombou os ponteiros nas costas dobradas, pernas que se movem ao contrário e olhos que se colam no dorso, há a [nossa] fome que perfura o umbigo atarrachado na bateria das palavras esquecidas nas horas passadas, comer, comer com as mãos os sentidos do silêncio da noite e pedir mais um dia, deitar, aconchegar em cruz, fechar.
Escuro.
 

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Casablanca III






Casablanca é um véu que não se descobre. Quase transparente, tem o mistério de deixar adivinhar o contorno, porém mistifica a forma pura fomentando imaginários à mercê do visitante desprevenido da realidade, tal como eu, inventora, que lhe fabriquei as realidades de turista de livro das mil e uma noites no deserto estrelado.
Não lhe vi uma única estrela, a poluição tem níveis compatíveis com os oito milhões que circulam dia e noite sem dó do ruído constante, uma cortina baça que de dia tomei por calor insuportável que se aproximava como um gigante, e de noite tomba com o peso da humidade densa ofuscando os semáforos que enfeitam cruzamentos caóticos que entontecem os sentidos.
Ao aterrar esperei por areia e tive relva digna de um green. Achei que tudo tería o odor de caril, pimentas, açafrão ou cheirasse muito mal, mas o que o meu nariz sentiu foi o doce aroma do mel quente, amêndoas, menta, flores. Quando me apresentaram a tajine, torci o nariz e pensei que se tratava de osso buco e nada mais, mas a surpresa do paladar na macieza da carne de cabra no leito das frutas, o gosto do tempero e a narrativa da serra em que o pastor deixava a sua comida na fogueira naquela chaminé de barro enquanto apascentava, alimentaram-me tanto quanto a melodia da voz de Moustapha, ciciada, que aguardou que eu comesse para só depois dar inicio ele à sua refeição, à mão, desfiando laboriosamente a sua galinha. Preparada de antemão para esconder o meu género, surpreendi-me pela gentileza com que as mulheres são atendidas neste lugar. Seja de burka, de rosto coberto, de lenço sobre o cabelo ou à europeia como eu livremente vivi, há uma afeição pura e desligada da intenção maldosa, uma quase veneração.




Em Casablanca o que parece não é, o véu envolve e fecha os olhos no momento do mágico fazer o truque, revelando apenas a dose do que deve ser mostrado, um prazer contado a tempo certo mas igualmente contido, sem extravazar a explosões, sorrisos ao invés de gargalhadas sonoras, olhos que se tocam silenciosos e se baixam, baixinho, para que ninguém se assuste com a tempestade do deserto. Véu branco, como todas as casas.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Casablanca II






Sinto saudades de casa, do cheiro do cão, das minhas coisas, do pêlo dos gatos vociferadamente colado pela roupa antes de saír, do Tejo, aqui ainda não vi água, dizem-me que a há bela, la mer e isso só me lembra uma canção.
O fado na alma, olho-me ao espelho quando me visto com duas horas de antecedência para o dia de trabalho, não acerto o tempo como não acerto os botões com as casas da blusa, demasiado açúcar nos bolinhos de sementes de papoila que pelo dia fora se beliscam para enganar o cansaço de tanta hora de olhos cravados em relatórios que parecem ser sempre iguais, a frescura do chá de menta que apesar de avisada, escalda a lingua, emprestam-me outras, francesas, italianas, árabes mas eu só tenho saudade em lusitano pudor, daquele que se cansa pelos olhos.
O meu quarto de hotel cheira a mim mas não cheira a mim.
Cheira ao meu perfume, aos meus cigarros, à minha voz a dizer boa-noite já falta menos, mas não cheira ao meu riso, ao afago das mãos nas mãos de quem se quer, à poesia dos cadernos substituídos pelos mapas e relatórios, não cheira às invenções de estórias nas noites brancas, não cheira aos pesadelos, só conta que passou por aqui uma outra igual a tantas que também sentiu saudades de casa.
 

terça-feira, 2 de julho de 2013

Vestir-me dos teus passos





Já não sou eu, sou tu, sou as tuas pernas que andam numa marcha vigorosa a queimar ruas à procura de coisa nenhuma, um passo aberto e certeiro a atingir pedra e terra, distâncias na horizontal que se enterram na vertical até ao centro do inferno, sentir a dor no músculo, sentir as dores dos tendões que se encolhem pelo tamanho de tantas esquinas dobradas sem achar créditos na correria suada da busca de mais uma papoila vermelha, não quero ser tu, não te quero sentir nas minhas pernas e ver-te nas minhas pernas, não quero que nos confundam nos passos de costas e digam que somos iguais, porque não sou, porque quando corro por estas ruas fora mesmo sabendo que já não estás é por ti que procuro ao não te achar, e embora o calem no segredo não acredito que foste embora.
 
(Ao meu irmão)

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Campo de palavras (9)





É assim a vida, uma bela frase batida para começar fácil fácil um texto da treta, mas a verdade é que a falta de tempo ou a falta de organização deste ou ainda o tempo que resta, mastigo-o em nada, cansada de tanto e aproveito-o em nada, um fruto mascado até à sucção total do sumo, uma palha que se cospe por entupir a saliva e desagrado depois de tanto prazer no refresco doce das papilas, ai o tempo, ai eu, ai nada, que quando se quer diz-se não e ultimamente muito caroço de fruta tenho engolido.
Tenho assim as palavras calcadas num fundo, pisam-se, esmago-as, remoemo-nos, embaraço-me entre letras e germinações do que tenho atirado cá para dentro, tudo enleado numa profusão de vozes que clamam socorro pela luz do dia. E o seu oxigénio - o meu oxigénio neste assim é a vida - é ir sussurrando as palavras para que não as esqueça, para que lhes mantenha o sabor do suco, a importância vital do sumo.