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terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Dias (sem medo)

 
Se por medo se por preguiça, encostei a vontade, deixei que a luta dos dias me amparasse sem a necessidade da escolha e o adiamento do confronto tranquilizou-me, deu a ideia de um comando sem precisar de ordem directa. Inquirida enderecei a resposta para tarefas inadiáveis, uma escassez de horas para o tanto a cumprir. Na verdade - e agora dona de mim e do meu tempo - adiei o inevitável, um regresso ao vício, à ausência dos dormires, o retorno à noite quando a luz se faz dia e nem mesmo neste a paz me aconchegou na dobra do lençol repuxado.
 
Chegavam não mansamente mas numa zoada de atenção exigida.
Todos ao mesmo tempo, cada voz mais nítida que a outra, todos reconhecidos e lembrados na angustia da minha pequenez, sobras de dias que lhes dedicava, nem um apaziguado.
Faziam relatos de coisas belas.
E mesmo conhecendo essas palavras porque havia sido eu a dizê-las primeiro, estranhava.
Uma dor funda empurrava-me o peito até o ar faltar, pedia mais, e agradada neste infortúnio aliviava, o oxigénio fluía de novo, pedia mais e mais, tomavam nos braços a minha vontade.
 
As linhas da escrita não me trouxeram calo. Faço-o com a intensidade do primeiro amor, mas sempre aprendiz, carrasco do que desenho e ligo em frases que parecem ser pouco para tanto dizer. Ou ver. Ou ser o que sinto, num medo da minha fragilidade se estilhaçar e romper as páginas de papel em que a mentira da falta de tempo se aguça em lâmina. Adiamentos ao espelho.
 
Como a árvore, estava morta ou estava viva.
E essa divisão clara e pura em que se foi ou sou, alinhava a nitidez dos que me chegavam.
Sem desculpas perdoei-me.
Olhei os medos e nada em mim me assustou.
Sou esse pouco de tudo.
 
Às vezes escrevo.