É por estas alturas que tenho desejos estranhos. Não de comeres ou beberes, veneta de mulher prenhe ou vontade do condenado. Mas aspiro a ser árvore sem palavras - pelo menos as minhas- toda enfeitada de bolas brilhantes e fios coloridos que faíscam às luzes intermitentes que habitualmente se fundem ao cabo de dez utilizações. Gostava de ser pinheiro, vulgo árvore de Natal. Concentrar-me em ter os braços abertos e suportar o peso leve dos penduricalhos. Aguentar-me. Sem som. Ou apenas o roçar das agulhas secas a chorarem no soalho.
Aguentar tudo, as noites de festa, a amizade da época, os votos embrulhados no papéis dos presentes que vão directo para o lixo após a desilusão de um novo par de meias quentinhas e tão semelhantes às do Natal passado.
Aguentaría também as reuniões com todos aqueles que mal suportamos ao longo do ano e que alegremente ombreamos no jantar da empresa. Com garbo. Mesmo que o conviva que nos calhou de frente seja o nosso superior e lamba o gume da faca.
Aguentaría os cartões, os amigos secretos, as mensagens de telemóvel, a repetição dos mails passados e repassados, as fotografias de grupo, os carapuços vermelhos que causam alergia e até mesmo as hastes de rena que destroiem o penteado que nos prendeu por mais de duas horas no cabeleireiro.
Ser árvore de Natal é ser maior. É ter a boa vontade de ouvir, ver e calar. Que de todas as boas-vontades não encontro paralelo nesta estoica tarefa a que assiste no desfilar de um corredor de hipocrisias, disfarces, mentiras e transformações. Haja vontade para se dizer bem, para se dizer mal quando se é e quando está.
Eu disse que tinha desejos estranhos. Gostava de ter palavras à séria, sem cartões com música ou bonecos que saltam. Só palavras a dizer o quanto se gosta de alguém. Acho lindo presentes feitos de palavras, enfeites feitos de palavras de boa vontade.