Todos os textos são originais e propriedade exclusiva do autor, Gasolina (C.G.) in Árvore das Palavras. Não são permitidas cópias ou transcrições no todo ou/e em partes do seu conteúdo ou outras menções sem expressa autorização do proprietário.

terça-feira, 30 de junho de 2009

Prémio Lemniscata




Da Mateso Azul, do blog aArtmus a Árvore recebe orgulhosa e agradecida esta distinção,


LEMNISCATA


“O selo deste prémio foi criado a pensar nos blogs que demonstram talento, seja nas artes, nas letras, nas ciências, na poesia ou em qualquer outra área e que, com isso, enriquecem a blogosfera e a vida dos seus leitores."


Sobre o seu significado: Curva geométrica com forma semelhante à de um 8; lugar geométrico dos pontos tais que o produto das distâncias a dois pontos fixos é constante. Lemniscato: ornado de fitas; Do grego Lemniskos, do latim, Lemniscu: fita que pendia das coroas de louro destinadas aos vencedores (Fonte, Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora).


Acrescenta Mateso, que o símbolo do infinito é um 8 deitado, em tudo semelhante a esta fita, que não tem interior nem exterior, tal como no anel de Möbius, que se percorre infinitamente.(Texto da editora de Pérola da Cultura).


Junto-lhe eu, que o meu número favorito é o 8, sem principio nem fim.


Por isso, aproveitando-lhe as curvas, contorno as regras e atribuo a 8 blogs este ornamento de fitas:


Obrigado Querida Azul. Sempre presente. Beijo a ti.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Morrer de paixão

As primeiras baixas da escrita vão para a paixão, o encantamento, o impulso, a convulsão tremenda que atira o nexo e a cogitação para o esquecimento. Resguarda-se a Poesia como arma secreta, o ultimo sopro, a ansiada mas vã cartada.
Faz-se sangrar nas reticências o bater do coração.
Tudo se torna enorme.
Na mão do escritor a mariposa dança, a espada desfecha a golpes certeiros e abertos o fluír de uma corrente quente despejada de um sentir electrizado que o consome e alimenta. Deseja a dor da lágrima, a dor da saudade, a dor da dor, uma seiva contínua que floresce a cada desenho, cada rabiscado engelhando folhas, emoções, sentidos.
Sente-se satisfeito na insatisfação: falta-lhe o ar, sobeja-lhe a inspiração.
Enquanto escrever a morrer de paixão o verbo lhe valerá.



(in AM'art, eu como Sant'Ana, Set/2007)

domingo, 28 de junho de 2009

Ouvir as nuvens

Peço às cigarras o silêncio, da lua não quero nada.
Espero que chova, talvez chores, talvez pressintas, talvez adivinhes, talvez distante me toques.
Peço ao céu uma mudança, do amanhã quero nada.
Espero sorrir, um afago, roçagar de rosa branca, talvez um dia empalideça na tua memória e tu perdido em ti me sonhes.
Peço ao tempo que se quede, dos deuses não quero nada.
Espero rara e difusa o fio da lembrança, o contorno da voz, o sopro da presença.
Não busques mundo fora, vem ouvir as nuvens.





(in Versos Ainda Mais Doidos, C.G -27/08/2007)

sábado, 27 de junho de 2009

Uma casa na árvore





O texto de hoje é-me particularmente dificil.


Porque fui a mentora e assumo todas as responsabilidades na minha pessoa da ruína que a Casa da Árvore se tornou.


Ou melhor direi se a chamar Casa assombrada, já que as visitas se desenrolaram dentro do mesmo ritmo ao longo dos seis meses desde o seu nascimento e para quem gosta de números e de estatisticas, refira-se que a média foi de 110 visitas/semana. Claro que o que está à vista é o óbvio ou não faría sentido este texto.


Da intenção de participar ficou-se por isso mesmo. Do comentar os trabalhos que os Autores amavelmente quiseram emprestar para o crescimento e embelezamento da Casa, como diría outro de má memória, é fazer as contas.


Não vou especular razões, já assumi o fiasco em que o projecto colectivo se tornou e por isso nada resta para além da dignidade com que o fiz.



Assim, serve o presente para comunicar o encerramento definitivo com a eliminação do blog onde residiu a Casa da Árvore.


Permanecerá como era hábito, aberto até ao dia 30 do corrente, permitindo a quem nele participou poder retirar os seus trabalhos se não o fizeram.



Obrigado a todos os que acreditaram e tiveram vontade.






Este mesmo post está reproduzido na Casa da Árvore.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Outras palavras

Chamava-lhe krida ou amore, saíam-lhe assim sem ser por mal, mas também sem ser por bem, eram desta maneira a forma de lhe substituír o nome que já esquecera pois quando pensava nela ou tinha de a chamar o automático ligava-se e disparava as duas palavras comidas ou acrescentadas, um caldo de dias refrigerado ou de água somado para tapar o buraco. Ela respondía, era para ela, era o que ele lhe baptizara no inicio de juntos e assim ficara porque há coisas que não se percebem mas também não se questionam e no final de tanto tempo aqueles carinhos davam sainete para fora que os elogiavam como casal tão chegado. Na troca do krido ela dava-lhe o filhu e aperfilhara de bom costume o amore para tudo servindo, fosse para chamar para o almoço fosse para o gozo de cama.


A verdade, é que essas duas palavras eram das poucas que oferecíam. Ou pouco mais. Complementavam-se na acção com o apontar do dedo, o aceno de cabeça e mais um termo que servía para designação geral: o coiso.


Levaram a vida na dimensão vocabular da sua felicidade. Nunca questionaram o uso de outras palavras ou o jogo mágico do alfabeto, era tudo uma questão de amore. Coisas do pequeno mundo do coiso.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Gente vulgar

O que ficou por olhar, tocar, murmurar foi afinal o mais raro.
As palavras que foram ditas e os sorrisos que delas se acenderam foram a coisa comum e directa da vida numa relação de causa-efeito. Ruelas numa via principal. Sem nome. Que a pardacidade da gente vulgar encolhe a vontade do risco, arrepia caminho às adivinhas, prefere o recuo malandro ao desbravar, exonera-se no destino e volta para tráz seguindo o caminho das pedras.
O que ficou por sentir tem o encanto sebastiânico e cesarino do que podería ter sido, a memória do que não chegou a restar, areia presa entre mãos que tão pouco têm estas poder e arte para segurar o coração ou cercear o voo do querer.
Sempre entenderão o mundo como dia e noite, quatro estações, nascer, respirar e partir.
O que ficou por dar e mostrar foram os sonhos, jardins de poesia que despontam frescos mas perfumados de venenos que viciam.





C.G., Set/2007

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Máscaras

Em tudo eu há dois,
Carvão e ardor
Morte e desejo.
Em tudo mim se desdobra
De si,
A meio,
A quarto
Crescente...
Uivo na cheia,
Nado na noite a fugir,
A correr dos dois
Eu
E eu.
A cada dois,
Sou-me, invento-me, eu a mim!
Eu a eu.
E mais fogo e mais chuva e mais não e eu
Também!
Teimoso o eu do eu!
O do meio,
O que separa dois,
O que fatia,
Fatia a talhada.
São dois.
São eus,
São gémeos de mim.





(C.G.-Março 1989)

terça-feira, 23 de junho de 2009

O coração

Ei-lo.
Apoiado no cotovelo, espalmando-se contra o balcão frio de um qualquer bar, escuro e fumarento, lugar de solitários que se acompanham como a matilha, em grupo e cada um por si.
Lá está ele, de tão profundo vermelho cambia no negro, como uma pisadura de tantas dores que sofreu, ergue-se e afunda-se em carrocéis de sem-fim, desalentado agora, ansiando logo mais que uma gota de luz o avive, faça saltar, quiçá pular e perder-se no mundo afora.
Escondido, amachucado, pequenino que precisa de colo, uma só palavra fá-lo sorrir, um só olhar atira-o para um poço fundo e lodoso.
Ali sorridente, maravilhado como os tontos ficam, cego à fealdade, alimenta-se parca e violentamente de colheradas mal trituradas achando-se rei no manjar.
Observem-no: não o acham comum, patético naquela tristeza primária de abandono?
E no entanto vêmo-lo altivo, comandante, audaz e herói...





(C.G.-03/05/2006)

segunda-feira, 22 de junho de 2009

(Surdos) Silêncios

De repente um silêncio tremendo, uma invisibilidade que quase desconfio me há-de rebentar. Calados dentro de mim, sem baterem com os punhos sob a minha pele, sem exigirem o seu pedaço de atenção, a dormirem na mesma hora que eu.


Na verdade ouço-os mas faço de conta que não é importante.

Sei que por um destes dias vou pagar as favas e nada os fará travar na incontinência verbal com que costumam aparecer triunfantes.
Pena que me sinta tão cansada que nem darei a luta que merecem. E mais acabada estarei depois, quando eles entenderem que já disseram incontrolavelmente tudo.
Confessadamente, por estes tempos acho que não sou de ninguém ou serei um bocadinho de todos ou não serei nada disto, apenas o formigueiro que recomeça num silêncio surdo.


Volta tudo. Assisto-me e critico-me, eles aplaudem, acusam, fecho-me no armário. Um deles acende a luz. Queres ser responsável pela minha morte? Não. Então sai daí e atira-te à folha, cobarde!


Dói a mão mas já não é a mão, é todo o corpo num autismo das horas.


Sentam-me ao colo, afagam-me o cabelo enrolado nos dedos, brincam no lóbulo, dizem segredos enquanto me massajam as costas hirtas do hábito vertical, risco ao meio, metade eu, metade eles.


Eu toda escrevo. Vos.

domingo, 21 de junho de 2009

Risco a risco

Se aqui foram tantas as vezes que te lembrei também pode servir de lugar de esquecer.


Agora... Só preciso de saber como é que isso se faz pois por mais exercicios que arranje para te tirar dos meus dias mais eles ficam ocupados contigo e todos os pequenos pormenores que eu julgava não terem acontecido cospem-me a direito.


Achei que se escrevesse sobre recordar e apagar e depois riscasse com força por cima todas as palavras já escritas este mal estar ía-se. Entranha-se. Por cada palavra o equivalente a uma moeda que se enfia numa ranhura e debita um som ou um boneco ou um petisco e lá sais tu a sorrir, a cantarolar ou a falar com a ajuda das mãos num emaranhado de fios invisiveis.


Chega o meu café, o meu sumo, tudo igual ao café e ao sumo que tomámos juntos, porém outros suaram para arrancar as bagas e estas laranjas são de outro sol. Marco a chávena e o copo com as impressões labiais, talvez as tenhas levado também marcadas em ti e quem sabe no próximo café, no gole do sumo te lembres. Mas só nesse gesto porque já terás esquecido.


Não escrevo nem risco mais.


O empregado recebe o meu dinheiro, agarra na caneta e desenha um grande sorriso ao lado dos riscos. Deixo as folhas na mesa.



(in Eu na Versailles, escritos improváveis, C.G.- Nov/2005)

sábado, 20 de junho de 2009

Contra as horas

Madrugada, noite funda.
É a esta hora a eleição das letras, do bater rápido mas mal tocado nas teclas que distribuo por frases, combóios delas. Parece que a pouca da noite dormida se encheu e o caudal agora sem retenção possível alaga páginas de um virtual onde o silêncio, o gato dormindo sobre a secretária à minha esquerda no aquecer da lampada e o café esquecido na chávena da sorte são ninho bastante para me acomodar e fazer leito desta água que desafogo por aqui.
Vem o sono, o bocejo, os pensamentos por este, aquele, lugares, sons.
O eu de mim sacudido pelos eus. Seguram-me a mão, ajudam-me a marcar letras. Abro os olhos e as palavras já cá estão. Fui eu? Não, fui eu.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Memória sabática (2-Os sons)

Por volta das cinco da manhã levantava-me, fechava a porta da cozinha, tentava que o barulho da velha máquina de escrever não acordasse o resto da casa.
Trazía folhas soltas escritas dos dois lados, sem continuação do parágrafo solto aqui e ali, depois noutro lado, depois em lado nenhum, que a verdade é que nunca fui muito de tomar apontamentos ou até mesmo agarrar-me aos livros como uma menina estudiosa; passava tudo pelo ouvir, pelos sons das palavras que me chegavam e eu agarrava na lembrança, era muito como o cantar de cor.
O inicio demorava, a folha encabeçada pelo título ficava especada a olhar-me. E num repente, em ondas imparáveis chegavam palavras, frases inteiras, uma velocidade dificil de acompanhar, desenvolvía-se o trabalho quase por si mesmo. De quando em vez a objectividade escapava-se por entre linhas mais ou menos poéticas, a ficção aparecía, fugía do meu rumo inicial, aquele não era um texto de faz-de-conta, as teclas a baterem no papel e a tingirem-no, uma e outra letra que teimosamente se prendía entre os ganchos das outras, retrocesso, engano, radex, tablador, roda o cilindo, muda a linha.
Pelas seis e meia o sono aparecía, a Mãe também, o sermão, por fazer os trabalhos em cima do acontecimento, o barulho a incomodar os que queríam sossegar, a nota que decerto, sem preparação prévia nem estudo aplicado rondaría não mais do que o suficiente... Arrumava tudo, acertava as folhas cheias, recolhía-me e finalmente dormía num sono profundo, cansado mas sossegado depois de remoer uma insónia antes de despejar o que tinha dentro da cabeça.
Nunca tirei notas inferiores a 15, 16 valores. E hoje acordei com o som da máquina de escrever, a voz da minha Mãe a ralhar-me, um tempo que eu achava dificil, mas só porque não conhecía os de agora. Agora não me dão notas de 15 ou mais valores, mas continuo a ser avaliada e nem sequer me dizem quanto merece o meu trabalho.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Entrançando

Ao fim de pouco mais de três anos voltou a entrançar o cabelo. Uma trança grossa, com todas as recordações que o cabelo comprido e a cabeça rapada lhe trazíam. Dois extremos de uma só. Duas metades de uma moeda como imagem de marca. Nada de meios termos, coisas ao de leve. Ou sim ou não, ou branco ou negro. Num infindável colorido.
Mas entrançar o cabelo teve a mística de recuar. De avivar tempos em que amigos, amores e inimigos estavam, em que o tempo parecía maior para cuidar de todos eles.
E o que lhe parecía é que o tempo que passara havía sido sempre melhor do que o presente. Embora na verdade não o tivesse sido, ou pelo menos fora tão mau e tão bom quanto o que agora lhe corría.
Talvez por isso tenha entrançado o cabelo, entrançado o tempo entre mãos na vã ilusão de que há poder bastante para se ser a mão sobre o mundo e o destino uma palavra inventada por um poeta.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Jogos (virtuais)

Eu - e até os outros de mim - já apreendemos que daqui há um número de regras para jogar este jogo. Mas as regras mudam sem aviso prévio e o que era permitido passa a ser o caminho directo para a prisão sem passar pela casa partida e sem receber dois contos.


A questão não é tanto a mudança de regras mas a previsibilidade com que esta se opera. Um jogador atento rápido se apercebe quando a maré é de pouca sorte e deve retirar a mão antes de lançar a cartada que o tornará o borrego sacrificado.

No fundo, a transparência regular com que este mundo se desenrola permite estar preparado para os passos seguintes e se hoje a coisa correu menos bem basta esperar (não muito) que logo volta a ser o senhor dos dados.


Agora... e se alguém furar este ciclo?
Pois é, é coisa inesperada, mas muito divertida de se jogar...

terça-feira, 16 de junho de 2009

Perfil do tempo

O tempo escorre-me. Eu derrapo.


Voltou de novo a despistar-se numa curva qualquer que ainda não descobri.


...Talvez sim e apenas me acuse.

Talvez sim porque a fertilidade das palavras encharcou-me de novo e nada faría pressagiar esta vaga imensa que me deitou os joelhos por terra. Vergo-me.


Talvez não, talvez tenha baralhado as prioridades de quem me chama e tudo isto no final se trate tão só de uma escolha.


Nem sempre o urgente é o importante. Resta apurar se a urgência dos eus é o mais importante para a felicidade do mim. Se do tempo dependo se de mim espartilhada culpo os outros na responsabilidade da escolha.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Dizer com árvores



Hão-de ser tela onde se roça o verbo depois embrulho outonal de castanhas e a seguir chapéu de louco ou nau catrineta.


Até lá são prumos de abraços, desejos de bem aventurança, dedos que crescem da terra e apontam o caminho, são lembranças da minha terra, da tua, de quem sabe o fado no assobio salgado do mar que ficou para trás, milhas do gostar, dão nome ao tamanho do silêncio raro do ar alto.


Dizes faias, antigas de um século que se perdeu.

Digo faias, um século de estima que não se ensinou. Rompeu como árvores.




Obrigado Pézinhos, abraço-te.




Foto de faias selvagens do séc.XVIII, parque de Düsseldorf, de Marina H.F.

domingo, 14 de junho de 2009

Fala-me do que vês

Naqueles dias falavas-me de pedras, davas voz ao que elas te sussurravam erguidas no casario que dava cobertura a histórias que todos conhecíam mas ninguém tinha a arte de as falar como tu, eu perdía-me no som e passei a considerar que as pedras eram tão vivas quanto uma rosa apanhada pela manhã para acompanhar o pequeno-almoço ou os lençóis depois da engelha dos corpos naufragados no indecifrável do sono, singularidades da vida, singularidades das pedras de que tiravas sustento, mais a mim é verdade, que te tinha mais perto do que nunca, tu satisfazías o teu prazer no toque, no apontar, no hipnotismo da boca aberta à espera da próxima colherada, davas-me pedras e montanhas e castelos no pico dessas montanhas e eu crédula, punha-me nas ameias e aguardava os dias da estória.

sábado, 13 de junho de 2009

Parabéns

É mentira.

Digam o que disserem não acredito, não há a menor possibilidade de ter acontecido. Como podería? Falo com ele todos os dias, por vezes mais do que uma vez, escuto-lhe os receios, os anseios e quando não é ele que chega, um outro vem e se reflecte no vidro da janela a falar com o meu reflexo.

Cavaqueamos.

Admiramo-nos inconfessadamente. Recatadamente como uma admiração que se tem pelo outro mas não se quer dar a entender por parecermos tolos em permitirmo-nos sentir essa alegria única. Escrevemo-nos assiduamente, mesmo falando todos os dias, encontrámos a sublimação em repartir esta espécie de amor através das letras, assim parece que não nos viciámos e não estamos dependentes um do outro. Cobardemente.

Mas que interessa?

Se este é o nosso mundo, a nossa aldeia, o nosso Rio a chorar por nós. Não nos podemos condescender nas lágrimas próprias, deixamos a epifania para os outros. Eu nada lhe digo e ele cumpre igualmente a parte do acordo: Insatisfação, felizmente.

Por isso, repito, é mentira que tenha partido. Encontro-o em mim nos segundos que respiro a fingir que sou eu, ou ele, ou todos nós nos multiplos orgãos que pulsam, que desejam, que envelhecem precocemente a esgotar um raciocinio que tantas vezes condenamos, castigamos e absolvemos.


Pronto, só quería dizer Parabéns Fernando Pessoa.











Bibliografia: De luto por existir, O ano da morte de Ricardo Reis, O Guardador de rebanhos, O livro do desassossego.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Lutas

Mais uma.

Mais um episódio de embates frontais em que os eus gritam a sua supremacia de braço erguido e esperam que eu proclame o vencedor. E o derrotado.
Sinto que esperam de mim essa atitude, aguardam-me vitoriosos ao esmagar o outro, do eu sobre o outro, o eu sobre o eu, um choque frontal de vencedores, cada um a seu modo e a seu tempo. Eu - sem tempo e sem modo de na omnipresença declarar na intemporalidade e simultaneidade quem leva o troféu.
Eu - um despojo de guerra.
Tentam repartir-me mas o orgulho impede-lhes de me levar aos bocados. Ou tudo ou nada.
E nisso somos (eu+eus) iguais.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Machado

Se se esgotasse, sem aviso, sem maleita a comer devagar, tudo a ir-se por um cano que escoasse este liquido imenso que me queima todos as manhãs sem nome nem número marcado que faría eu do resto de mim, das minhas mãos, de toda a pele e veias e também os olhos que primeiro recolhem as letras adicionando-as numa carruagem desenfreada de verbos, que sería eu, já morta e a feder sem a vida que não consigo explicar neste oxigénio que me dá brisa e me sufoca, sem mim própria a combater?


Se tal acontecer cortem a árvore. Por favor.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Dormir, acordar, dormir

O absurdo desperdício do sono, xaile invisível que asfixia a tinta das mensagens esvanecendo os pequenos nadas que se coleccionam, é a vida, quero contar das vidas mas pereço aquecida no abraço que dá colo, leva, nina, passa as franjas suaves no rosto, sossego por fora, se queres aventura trago monstros e mares e inunda-se o papel branco como um túnel onde a luz cega percorrido no cansaço de contrariar o pouco do corpo, alerta, não te firas na caneta também adormecida, as letras deitadas e juntas perdidas da mão que se fecha no hábito dos dedos que contam era uma vez, do caos parado pelas mortes fingidas e precisas para reerguer e nascer e fazer dos dias um tudo novo.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Dimensão

As palavras não têm retrocesso. Depois de ditas, cantadas, cuspidas, escritas não se pode voltar atrás. Mesmo que no pedido da desculpa o perdão seja uma lança a enterrá-las, sempre haverá a mancha adocicada ou a nódoa que para todo o sempre reavivará ao menor sinal de dúvida.
É que as palavras são feitas de carne. Podem acariciar como uma mão nas costas ou magoar como um soco no estômago.
As palavras são alma. Desenfreiam tempestades e revelam a luz da confissão.
As palavras são homens, são mulheres.
Usá-las levianamente é o mesmo que emitir ruídos. Silenciá-las no tempo certo é a eloquência maior. Proferi-las é dar de si. Escrevê-las é entrar na 5ª dimensão.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Chuva de Junho

Chove, água de Junho, vem fresca à terra enrugada aliviar-me as saudades até ao tempo certo dela, tempo demasiado para voltar a senti-la molhar-me na cara a bonomia infante, os sons dos avisos, foge das poças, as lágrimas dos esfolões no joelho mal sarado da última queda.
Fico aqui. Muito parada a olhar o tecto do quarto enquanto as pingas cantam no metal do varandim e engrossam estaladas nas folhas das árvores ajoujadas de flores. Se não me mexer a chuva não vai embora. Nem o guarda-chuva vermelho que servía de equilibrio ou como medida da fundura dos lagos ovalados no passeio incerto. Fico aqui e afundo-me nas mãos junto ao peito a ouvir-me perguntar se me irei lembrar da chuva quando for grande. E porque me lembro e gosto (mais) ainda sou pequenina, ainda não sinto saudades.

domingo, 7 de junho de 2009

Meme

A Mateso Azul do aArtmus convidou-me para este meme que eu aceito com o maior prazer.



Responder a cada uma das questões pela boca de poetas.


És homem ou mulher?

Não sou nada.

Nunca serei nada.

Não posso querer ser nada.

À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo. Álvaro de Campos

Descreve-te:

Faço por confundir a minha sombra comigo:

estou sempre às portas da vida,

sempre lá, sempre às portas de mim! Almada Negreiros

O que os outros acham de ti:

Tanto de meu estado me acho incerto,

Que em vivo ardor tremendo estou de frio;

Sem causa, juntamente choro e rio;

O mundo todo abarco e nada aperto.

É tudo quanto sinto um desconcerto;

Da alma um fogo me sai, da vista um rio;

Agora espero, agora desconfio,

Agora desvario, agora acerto. Luís de Camões

Como descreves o teu último relacionamento?

A praia abandonada recomeça

logo que o mar se vai, a desejá-lo:

é como o nosso amor, somente embalo

enquanto não é mais que uma promessa... David Mourão-Ferreira

Descreve o momento actual de tua relação:

Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo

Mal de te amar neste lugar de imperfeição

Onde tudo nos quebra e emudece

Onde tudo nos mente e nos separa. Sophia de Mello Breyner

Onde querias estar agora?

Qualquer caminho leva a toda a parte

Qualquer caminho

Em qualquer ponto seu em dois se parte

E um leva a onde indica a estrada

Outro é sozinho. Fernando Pessoa

O que pensas a respeito do amor?

Ó Céus! Que sinto n'alma! Que tormento!

Que repentino frenesi me anseia!

Que veneno a ferver de veia em veia

Me gasta a vida, me desfaz o alento! Bocage

O que é a tua vida?

Porque é que este sonho absurdo

a que chamam realidade

não me obedece como os outros que trago na cabeça?

Eis a grande raiva!

Misturem-na com rosas

e chamem-lhe vida. José Gomes Ferreira


O que pedirias se tivesses um só desejo?

Há palavras que nos beijam

Como se tivessem boca,

Palavras de amor, de esperança,

De imenso amor, de esperança louca. Alexandre O'Neill




Para todos os que quiserem participar.




À Mateso, muito obrigado, um beijo.

sábado, 6 de junho de 2009

Distinção Junho 2009






Há blogs que pela sua qualidade me merecem destaque.


Seja pelas palavras ou pela imagem, pela constância do nível e empenho do seu autor, pela inovação dos temas, pela simplicidade com que me fazem viajar. Pelo tanto que me dão.


Assim, resolvi publicamente nomeá-los, sendo certo que a regra única é o meu gosto pessoal pelo blog.
Não é um prémio nem um meme.Não é uma corrente e logo não é transmissível a mais ninguém pelo que só a Árvore das Palavras tem o direito sobre o registo de os indicar e o indicado não o pode oferecer.


Todos os meses, aos primeiros dias, revelarei a minha escolha. Publicarei aqui o selo Distinção Árvore das Palavras com a identificação do meu seleccionado de cada mês e gostaría que o blog distinguido também o exibisse. Mas isso já fica por decisão do visado.




Junho, já com calor, é mês de falar do que vai no peito, insuflar, colorir as emoções e fazer delas o palco da vida.








Escutem o ritmo cardíaco deste verbar.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Aos poucos, mais uma

Mais verdades.

Eu disse que havería de dizê-las.

E posso falar delas porque me custaram do corpo, da alma, das palavras que me levaram arrancadas em madrugadas que não me lembro, pois não fui eu que as fiz e desfiz, sentei-me de lado à espera que as escrevessem, de vez em quando a permissão para olhar e ler.


Aqui foram-se num leito de águas. Por vezes salgadas dos meus olhos. Ou então não foram lágrimas, foi do esforço de as sentir para fora de mim.


Eu disse que havería de dizê-las. Cartas ao mar. Porque a vida é mesmo assim.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Corpo de mensagem

Mensagem sem título.

Se demorar alguns minutos o texto que não escrevi fica salvo. Está tudo branco e luminoso, fere os olhos, imperdoável, obriga a virar a cabeça como duas mãos que amparam o rosto e o fixam num objectivo.

O dedo mindinho apoia-se na tecla das maiúsculas, ficou este tique de um tempo em que as máquinas de escrever davam cabo do verniz e era preciso certeza para saber de cor onde se punham os dedos, o bom era não olhar as letras mas isso também vale agora e poupa-se imenso tempo.

Claro que isto é produtivo para quem não tem o meu problema de dislexia. Mas também é verdade que assim que salto, troco, engulo as sílabas, as palavras, por vezes quase toda uma frase que só escrevo na folha mental e se escapa ao tinto do desenho alguma coisa me diz que falhei.

Talvez o melhor fosse parar por aqui.

Ainda há tempo para não dizer nada sobre o que é escrever, escrever-me por dentro e por fora.

Nada escrever. Mensagem sem título e sem corpo de mensagem. Uma folha branca sem mancha.

Guardar agora. Publicar.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Isto é uma árvore

Aqui não é um diário. Aqui não falo de mim e do que gosto. Aqui não confesso coisas inconfessáveis à sombra de uma árvore que me pode dar protecção à minha verdadeira identidade sem o incómodo de parecer ridicula ou ficar falada. Aqui não procuro companhia nem popularidade nem justiça nem simpatia às minhas causas. Aqui não choro nem me lamento, não me firo e não me chateio.

Aqui escrevo, estou imune.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Fabular(es) -7ºEnsaio

- Então?
- Confirma-se.
- Quer dizer...
- Isso mesmo.
- E agora?
- Parar. Só isso. No absoluto.
- Nem um bocadinho de...
- Nada. Stop.
- Eu não consigo viver assim, não sou eu...
- Imagina que não tens pernas. É fácil. Só isso.
- Não imagino, não sou eu.
- As árvores não têm pernas.
- Têm raízes.
- E não deixam de dançar. Ao vento, sob o sol e a chuva... Brancas com a neve, encantadas...
- Não há neve aqui. Não habitualmente.
- Imagina que há. Não és tu que vais a tantos sitios e consegues ser tantos?
- Mas isto não é a mesma coisa, não isto...
- Prova a ti mesma que consegues dar mais este salto.
- Sem pernas?
- Usa as raízes. Expande-te.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Dia um, decisões

Devía tomar uma decisão e entrar de férias, mandar o corpo às urtigas e ignorar-lhe a mortalidade, aproveitar para queimar tudo até ao fim e aqui sim, a parte boa e suculenta dos neurónios, se é que algum ainda se aproveita dos consecutivos sobreaquecimentos. Isto é máquina sem refrigeração incluída, é usar até explodir e como não há mostradores nem leds que emitam sons e piscos luminosos a indicar o perigo é tudo na base da sensibilidade, olha deve estar na altura de parar e dar-lhe algum descanso, deixar arrefecer antes que derreta. Depois siga, volta tudo ao mesmo.

O primeiro dia do mês é um dia bom para grandes decisões.

Podía mandar a cabeça de férias e a escrita às urtigas, nem precisava de me lembrar da mortalidade do corpo.