Todos os textos são originais e propriedade exclusiva do autor, Gasolina (C.G.) in Árvore das Palavras. Não são permitidas cópias ou transcrições no todo ou/e em partes do seu conteúdo ou outras menções sem expressa autorização do proprietário.

terça-feira, 29 de abril de 2008

O sacrificio


Há palavras que expõem, descascam, desmantelam e até despem de rasgão. Não quer dizer que aleijem ou que levam o projéctil como recado, apenas sacrificam a beleza do caminho pela mensagem. Já fui cravejada por várias e nem por isso ajoelhei no tremor da rendição, verdade que me tocaram no peito e esgravataram a alma e até procurei apoio onde me encostar vacilante mas aguentei o embate e aprendi a dominá-las no gosto acre da devolução da munição quando bem abastecida.
Há palavras dolorosas que nos ensinam a gostar delas e a saber do momento em que as devemos calar e soltar, simples, isoladas, dispensando a exclamativa sinalética, exigindo o ponto final.
Mas todas são palavras boas, necessárias, vitais para a construção dos sentidos e do eu, de-mim-para-ti, sem-ti-nada, paredes esboroadas de um edificio de emoções que não perde a sua dignidade pela ruína que parece frágil pelo tal amparo do nosso corpo.
Não se cai, rompem-se janelas.
.
(Imagem oferecida pelo fotógrafo Eduardo Jorge. Obrigado)

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Desafio

Fui desafiada pela F@ para responder aos items abaixo.

E a Árvore das Palavras diz...



Qualidades: Sinceridade

Defeitos: Teimosia

Gostos: Dança, Escrita, Gastronomia

Não passarei sem: O rio, o mar e a chuva, dançar e escrever

Detesto: Mentiras

Pessoa: Fernando

Família: A minha de 4 patas

Homem: D. Afonso Henriques

Mulher: Frida Khalo

Sorriso: Nas palavras

Perfume: Chanel nº 5

Carro: O que me leve ao destino

Paixão: Em tudo

Amor: Que me incendeie

Olhos: Os que olham os meus

Sal: Da vida

Chuva: Sempre, sempre

Mar: Liberdade

Livro: Do Desassossego

Filmes: Todos do Bertollucci

Músicas: As que me fazem cantar e dançar

Dinheiro: Dá uma jeiteira!

Silêncio: O de um olhar

Solidão: Quando quero

Flor: Jarros, Orquídeas e rosas



Dos meus link's sintam-se desafiados aqueles que acharem por bem.



À F@, obrigado, um beijo

Presentes X 2


A PATTI fez desta bela bicicleta um presente.
Porquê?
Porque sim.
Há razões para oferecer presentes?
Claro que sim!!!


GOSTAR!




A F@ também presenteou a Árvore com a bicicleta!
Porquê?
Porque sim!
Há razões para 2 bikes?
Claro que sim!!!


GOSTAR!


Obrigado à Patti - Autora - pela idéia, pelo conceito e por ter presenteado a Árvore das Palavras.

À F@ - recente visita - por ter dobrado essa oferta, muito obrigado também.


E eu passo o gosto de pedalar a todos (exclusivamente) os que constam na minha lista de link's e à Marisa dos Pézinhos de Lã.

Bons passeios!


Crónicas do Tejo (XIV)


Adeus margem, até mais. Volto-me de costas às colinas e vejo-te acenar no incêndio do dia, é para mim que sorris, que te alumías recortada na mulher que sempre acho lânguida nas formas de lado, uma perna travessa, pé no Tejo.
Volto mais logo e de olhos postos nos teus, talvez já durmas e peças ao Mestre o sino choroso que leva o barco até casa, terra firme dos meus sonhos, nuvens das minhas âncoras.
Mais logo margem, eu chego, eu chego e dou-te um beijo, faço de conta que sou a mulher que se deita em ti.
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(in Crónicas do Tejo, C.G.-28/09/2007)

domingo, 27 de abril de 2008

Distância para tudo ver



Calma, clara, coerente, constante, C.. De G. Volto na volta de mim mesmo, erguida do meu interior analisado ao microscópio e com a imperiosa e satisfeita necessidade de me ter distanciado deste mundo para o abarcar em todo o seu cenário, aperceber-me da corrosão ferrugenta que alguns pedaços apresentam e da fragilidade de florescências no decrépito achar da sua eternidade.


Ao longe topam-se, enquadram-se os de primeiro, segundo e nenhum plano que dado o destino a que foram feitos são sombras de outros, rebocam-se na projecção do sol às duas da tarde inclinando-se sempre para o mesmo lado, sem suspense, sem surpresa, já se sabe o que se vê, o que se lê.

Recortam-se os da simplicidade na exibição da pura cor: o que se obtém é o que é, seja no fulminante nu seja na diluição no horizonte, rx's de si mesmos que atiram para o escárnio fotogramas manipulados no composto fugaz da ausência de alicerces.

À distância come-se todo o palco e satisfaz-se o gosto do sabor panorâmico na acção dos que sabem o papel de cor e entregam ao ponto os estudantes cábulas que amanharam no encosto a salva que aguardam.

Por vezes sabe bem estar entre o publico, bater palmas e vaiar.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Mimo



Sim. Não. De um dia para o outro, noite. De uma perna passa-se o peso e os problemas e as desgraças e até a marreca invejosa da vizinha para a outra, atrofiada, poliomelitica, tússica, que das camélias faz-se dama em período lunar e no salto columbino serve a duas metades.
Racha! Separa! Fatia o que de peça só se afasta nos extremos. Ri, vá faz rir mesmo que no choro se ache a brejeirice do pino mal equilibrado que das lágrimas se acham fios de gargalhada agarrados às barrigas cheias de um nada de vida feitas, consome-os num sim e também no não, mostra que do engano nas cem verdades uma única se atirou em duas e mais tantas que dos golpes feitos à força de língua tudo se passa para o outro lado.
De uma perna para a outra. Do actor para o senhor. Do rosto para a máscara.
E dormem todos juntos.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Hoje e Sempre



Quem me brota, refresca, renasce a todo o momento e me dá vida. Quem me encanta e emociona até ao choro mudo das coisas maiores e que não se contam. Quem me ilumina a cada relâmpago num olhar único. Quem me baptiza na chuva fria ou tão só gotas de sinal. Quem me aguarda no regresso ao ventre materno.

Hoje é o dia da Terra.

Hoje não escrevo, só a imagino.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Contos Curtos Quase Escuros-Influenza

Depois das dores nas costas tão iguais a manter uma travessa de uma cadeira a vincar o dorso, surgiu a apatia, a dobra sobre si mesmo, os olhos flamejantes, o calor e o frio alternando-se na disputa das febres cada vez mais elevadas.
Em três dias sentiu que a morte lhe chegava e o invadía levando a melhor.
Ao quarto abandonou o serviço a meio da manhã e regressou a casa onde tudo lhe parecía enevoado. A colega ligou-lhe querendo saber da sua condição. Mal. Troçou dele, comparou-o a um mariquinhas como todos os homens que sentem à menor disposição a alma a encomendar-se ao criador, indicou-lhe abafos e leite quente com mel.
Deixou-se entregue aos delirios até empapar a roupa de cama num suor envinagrado mas do cheiro nem senti-lo. Tudo se lhe tinha ido, sobretudo as forças para vencer o que o acometía.
Pela noite dentro acordou gelado, tiritante. Arrastou-se à cozinha e aqueceu o leite lembrando a chacota da colega, perdendo-se na fervura que subiu e toldou o lume.
Banhou o fundo da caneca no mel de eucalipto, despejou-lhe o leite escaldante por cima e enfiou-se na cama aos sorvos na beberagem.
Com o dia a romper achou-se leve, fraco mas bastante melhor apesar da expectoração que o entupía e a ausência de faro. Acendeu a luz do pequeno candeeiro de cabeceira.
Deve ter sido o derradeiro pensamento que teve antes da explosão, senão tería sentido o forte cheiro a gás que tomara a casa.

domingo, 20 de abril de 2008

Uns sapatos italianos (Última Parte)


O Director mandou-a vestir-se. As mãos dela tremiam tanto que não conseguia encontrar o direito das roupas amachucadas e então ele, sem proferir mais palavra arrancou-lhe tudo da mão.
Ficou ela em frente a ele, nua e de sapatos italianos, oferecendo naquela luz, um contorno esguio e misterioso como a cobra estilizada da jóia.
Foi atónita que o viu pegar na minúscula tanga cor de chumbo e começar a vesti-la aos poucos: levantou a perna e enfiou-a na abertura que ele mantinha segura nas mãos e depois repetir o mesmo gesto para o outro lado, subindo devagar até a peça estar ajustada ao corpo. Beijou-lhe o umbigo subiu até aos seios e colocou-lhe o soutien rodando-a de costas para si para o apertar. Ela assustada, pensou que ele lhe iria apertar o pescoço ou fazer-lhe mal de algum modo e de repente viu toda a sua ascensão até ser a sua Secretária particular a ir por agua abaixo e muito provavelmente a ser despedida…achou miserável a forma como aquele chefe se tinha escapulido quando se vira em perigo e desejou também ela desaparecer em fumo.
Mas não. Ele apenas lhe mordiscou os ombros, o pescoço, enfiou os dedos naquelas covas dos trapézios, deslizou as palmas até à cintura fina e desenhou as ancas como se se tratasse de uma viola nas mãos de um musico. Vestiu-lhe a blusa e o casaco e depois voltou-a de novo para si.
Achou-a bonita e nunca lhe tinha descoberto tais atributos físicos por baixo daqueles conjuntos de cores frias e tristes.
Até sensual com aqueles óculos e despida da cintura para baixo.
Arriscaría mesmo erótica quando lhe olhou para os pés e reparou na beleza de uns sapatos italianos de cetim preto onde reluzia uma jóia com forma de cobra que parecia enfeitar um decote.
Vestiu-lhe a saia, pôs-lhe a mala ao ombro entregou-lhe um saco que ao espreitar o fez sorrir…Como ele conhecia aqueles sapatos sensaborões!
-“ Eu posso explicar…”-começou ela a tentar arranjar forças para dizer não sabia bem o quê.
Ele puxou-a pela mão e fizeram o caminho inverso àquele que ela tinha efectuado antes do encontro com o chefe cobarde.
Sem dizer palavra, entraram no gabinete dele que ela tão bem conhecia e sentou-se onde habitualmente ficava para tomar notas sobre as reuniões.
Ele sentou-se na sua cadeira de Director e de uma vez só com um arrastar poderoso de braço limpou tudo o que tinha em cima da sua secretária. Depois bateu ao de leve no tampo da mesa de cerejeira e fez-lhe sinal para ela subir.
Ela ficou hesitante.
-“ Nunca vi sapatos mais bonitos…”-sussurrou ele.
E aquela frase pareceu ligar nela um botão especial, pois de imediato pulou para a mesa e com um fundo musical imaginário fez-lhe um strip de invejar uma profissional.
Então, ele tomou-a meigamente mas com poder, segurando-a pelas nádegas e nas ancas para que o encaixe fosse perfeito.
Ela viu os seus sapatos de uma perspectiva que nunca tinha visto e para tudo lhe saber melhor prendeu os saltos agulha de 9cms no tampo da venerável secretária.
No fim, ele sorriu-lhe e limpou-lhe a testa, tirou-lhe os óculos de massa castanha e olhou-lhe para os pés. Segurou majesticamente aqueles sapatos italianos e ela perante o perigo de ele os tentar tirar abriu a boca e…ele beijou-a de novo sentindo o céu da boca dela, os dentes, a língua, a mistura de saliva…
Depois, de mansinho disse-lhe ao ouvido:
-“ Que tal irmos a Itália comprar uns sapatos novos?”.

sábado, 19 de abril de 2008

Devaneios


Escrever cinco horas seguidas, café, café mais café, o dia ainda dorme, do grito da madrugada só o galo em frente à janela lembra que mais do que ele há a terra a escrever, de vários que se aninham hospedeiros em si, vomita-os à vez sem a razão da escolha, sabem quando devem falar e ele não os manda suster o verbo, avalia-os, admira-os de per si, ordenados como se tivessem um ticket numerado à espera do seu tempo de respirar, recolhem-se na consumação do acto dão a vez ao próximo, à próxima, ao novo, ao velho, engolem na mão dorida do esforço a escapatória de ser ele a dizer agora eu.
Quando chegar o meu tempo o dia nasceu, estou cansada, uma hora de sono.
É a minha vez.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Editorial


Fiquei indecisa no título. Porque se o texto que agora escrevo - em directo - se chamasse Edital também sería acertado. Edital como aqueles decretos que estão expostos em vitrinas baças às entradas das Juntas e das Câmaras, em que se declaram penhorados velhos prédios ou se publicam os banhos dos nubentes.
Edital porque proclamo, Editorial porque é de meu lume tudo o que escrevi e editei por aqui.
A Árvore pode parecer ter perdido alguma folhagem mas como todos os processos de renovação aprendeu que até o desbaste recupera o vigor e a força, dando lugar a novas folhas preparadas para o calor que em breve há-de apertar.
Significa isto que não pensarei duas vezes em livrar-me do que impede a Árvore de crescer, seja de folhas velhas que empatem o florescimento, seja de alguma praga que se tente colar ao tronco.
E dos frutos... dos frutos nada a dizer: são sãos, são aqueles que conhecem as minhas palavras.
São vocês.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Não Merece

Prefería mil vezes não me tivesses dito o teu nome.
Assim não sabería como chamar-te.
Como dar nome à estima.
O que dói é saber-te assim...
Tão igual a outrém.
Tão igual como um decalque.
Tão banal como um telhado de vidro.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Âncoras

Em dias de esquecimento costumava desaguar a vista num longe que ninguém vía: uma parede, um lençol estendido num varal, as mãos mortas pousadas sobre o regaço abandonado na própria insustentabilidade da vida.

Não suspirava nem de lamentos lhe ouvíam o som, apenas queda e imóvel como uma estátua plantada num jardim. Achavam-na perdida, tombada lá para dentro do seu interior, uma coisa funda que devería ser negra e tão semelhante do padecimento dos loucos que antes da fúria avançar, melhor deixá-la ali a ver o nada.

Quando a levaram não esbracejou. Não esticou os braços na salvação das palavras que sabía e no entanto engoliu-as, afundou-as no mesmo ponto ao longe que fixava e que a mantinha viva.

Respirava. Desaguava o olhar em vales e mares.

Só os outros não os víam.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Velhas Palavras Novas


De rabiscos e rascunhos já feitos, os deitados em capas duras e amarrados nos tempos lembro de frases e sensações. Em mim e nos outros: a cara da professora primária, o pai, a mãe, os amigos, depois o namorado.
Não sería nunca capaz de lhes negar a autoria, mesmo sabendo da sua indefesa compleição na tenrura dos anos e na utopia desenhada em mundos fabricados a lápis caran d'ache, enfeites que não dispensava a emoldurar pequeninos parágrafos de uma simplicidade tão crua como só as crianças sabem ter nas mãos. Desconhecía-lhes o poder.
Ao revê-las, algumas na contra-luz do papel pelo efeito violento da borracha que abriu um furo, lembro-me sempre de velhas fotografias.
Quanto mais antigas mais novos éramos.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Uns sapatos Italianos (Parte Dois)

continuação




Ele sentado ao volante, rodou a cabeça e sorriu. A luz de presença do carro esmoreceu e a vontade dele, ao verificar aquelas pernas que agora se tinham elevado até poisar no encosto de cabeça dele, aumentou.
Poisou as suas mãos nos tornozelos dela sentindo a pela macia das canelas, subindo até aos joelhos bem definidos, entrando pela saia dentro primeiro numa carícia suave depois apertando os músculos das coxas tomando na mão aquela firmeza que tanto gostava.
Ela convidou-o para tomar lugar junto a ela e sem mais rogos ele de forma ágil pulou para o banco de trás.
E num frenesim apertaram-se, sentiram-se e suspiraram.
Ela pediu-lhe num sussurro que a despisse e com desejo e volúpia ajeitou-se para que ele, entre toques e beijos lhe fosse retirando peça a peça.
Nua e de sapatos italianos empurrou-o pelo tronco para o sentido contrário ao dela.
Ele primeiro admirado depois rindo baixinho agarrou-lhe um pé e com a concha da mão puxou o calcanhar daquele scarpio.
- “ Os sapatos, NÃO!!!”- gritou ela zangada.
Ele perplexo afastou as mãos dela e ficou suspenso naquela atitude inesperada.
Mas quando a viu virar-se e ficar de joelhos como um atleta em posição de partida para a corrida de 100mts não pensou mais e de imediato pôs-se a caminho naquele frenesim de ser o primeiro a cortar a meta.
Ela agitava-se pela força da passada e de sapatos ao alto para não danificar as biqueiras sentia a força dele empurrando-a.
Olhou para trás e o relance da jóia em forma de cobra foi o momento mágico para a catapultar e apanhá-lo na parte final.
E na loucura da vitória não se aperceberam que alguém do lado de fora do carro batia com os nós dos dedos no vidro da porta direita de trás.
Ele agachou-se como pôde nas traseiras dela e ela de quatro a arfar pelo esforço pedido esbugalhou os olhos para o irreal.
-“ O meu director…”-murmurou.
E as pancadinhas no vidro cada vez mais insistência.
Apanhados como dois adolescentes e na confusão de se estar na semi-claridade não conseguiam nem raciocinar nem ela encontrar a roupa espalhada. Ele que permanecera vestido apenas puxou o zipp com rapidez e exigiu-lhe que ela saísse do carro imediatamente.
E quase a empurrou para fora, amarfanhando a roupa contra o peito e tentando cobrir aquele sexo ainda quente do uso.
O carro arrancou de luzes apagadas deixando um guincho a zunir no ar.
.
(continua)

sábado, 12 de abril de 2008

O retrato


Em tempos havíam-na chamado bela.
Da figura, da voz e dos modos. Não era para ser tocada, apertada, beijada, amada. Tudo na distância lhe trazía o glamour que os mitos bordejam quando nada sabemos deles, angulosamente permitidos os olhares pincelados na imaginação à pergunta de quem é ela e dela nada se sabía e desse oculto promovía a lenda.
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Noutros tempos chamaram-lhe interessante.
Todo o estudado lhe saía natural e reverente na irreverência do saber estar e savoir dire, aceitava apertos de mão longos e tocados no pulso, citava Yourcenar entre o faíscar dos brilhantes e das cigarrilhas cubanas, arenas restritas na identificação da capa de si.
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Vieram os tempos em que a afirmavam inteligente.
Falava pouco, acertava muito, contava de tempos de salão em que o baile se paralizava na sua presença deslizante e ría de si própria na confissão de nada ter para além do satin que a cobría.
Lía muito, escrevía muito, não o mostrava a ninguém, procurava abraços no silêncio do aperto e despedía-se rude sem olhar para trás.
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Já se foi há tanto tempo.
O óleo fala de uma mulher bela.
Ninguém sabe quem é.
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quinta-feira, 10 de abril de 2008

Fabular(es)



- Estamos a ficar velhotes...

- Mas rijos!

- Velhos...

- Rijos! E sábios. Sabichões, já não vamos em conversas, em histórias da carochinha em que tudo acaba bem!

- Velhinhos...

- Requintados! Raffiné mon cher! Com a nossa idade fica sempre bem uma ilustração estrangeirada!

- Vintage, então...

- Vitoriosos! Não chegámos aqui?! E tanto que aprendemos! Sabemos como evitar o frio e aproveitar o sol a espelhar-se na água, reflexo que nos ilumina. Como um bom projector a apontar à figura principal de uma peça de teatro. Não te sentes assim?

- Acho que o fosso me chama...

- Ora! Até na queda há que ter elegância! E depois este atractivo da experiência, o saber estar, saír, retirarmo-nos enquanto a capa que nos cobre ainda brilha no negro do cetim e sem bainhas remendadas! Percebes o que te digo?

- Um leve cheiro a naftalina...

- Um forte odor a lembrança!

- Lembrar, só resta lembrar, velhotes...

- Viver! Reviver! Agora na dose certa do saber evitar, dar o passo atrás antes do abismo surgir aos olhos, dizer Não! Não quero! Eu sei escolher!

- E que escolhas farías, meu Velho?

- Ser novo outra vez...





(silêncio)





(suspiro)



(outro suspiro)



- Sabes?

- Sei.

- Então chega-te mais a mim. Está frio.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Uns sapatos italianos (Parte Um)



Era noite quando desligou o computador e verificou as gavetas e portas fechadas.
Acenou ao segurança que fazia a ronda dizendo-lhe que ía.
Carregou no botão de chamada do elevador e confirmou que havia trazido as chaves do carro, a bolsa e o saco que sempre transportava.
Entrou no elevador e após ter passado os dois primeiros andares no sentido descendente, apressou-se a tirar os sapatos e a abrir o saco que prendia com força na mão esquerda. Descalça, retirou daí uma caixa de cartão forte atada com uma fita de cetim negro e com os olhos brilhantes e um sorriso malicioso, fez luz sobre uns sapatos pretos de assinatura italiana.
Calçou-os e a sua expressão alterou-se completamente.
Por detrás dos óculos de massa castanha havia um fogo que lhe repuxava os olhos, o cabelo sempre penteado da mesma forma recta parecia ter ganho movimento e o tailleur de um triste cinzento sem qualquer adorno tinha-se transformado em tom de prata.
Guardou os sapatos que usava todos os dias, todas as semanas.
Mirou no espelho a sua imagem e passou as mãos devagar desde os tornozelos até às coxas e sentiu-se a dona do mundo.
Irresistível e fatal.
É que aqueles que agora a elevavam com num pedestal não eram um par de sapatos comum: eram em cetim com uma pequena jóia em forma de cobra do lado exterior deixando antever o recorte dos dedos dos pés como um decote generoso.
E o salto rematava em agulha de aço acrescentando à sua altura mais uns 9 cms.
Olhou o painel do elevador e preparou-se para a saída na terceira e ultima cave.
Beliscou as maçãs do rosto e apertou os lábios um no outro trazendo à face um carmim natural.
As portas do elevador fecharam atrás de si com um estalo metálico e antes de avançar rodou a cabeça para um lado e outro certificando-se da sua solidão naquela luz pardacenta. Depois avançou calmamente e após ter passado alguns pilares correu em passinhos pequeninos e apressados martelando o cimento do chão com um som semelhante a um código morse. Viu uns sinais de luzes a piscarem rápido na penumbra e para aí se dirigiu. A porta de trás do lado direito desse carro fantasma abriu-se e ela esgueirou-se para o seu interior.
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(Continua)

terça-feira, 8 de abril de 2008

C.G.

Cosi as feridas, tratei da úlcera, derrubei obstáculos, revi o que era importante.
Tempo de voltar.
Tempo de escrever.
Aos poucos regressarei a vós, aos que sempre aqui estiveram junto à Árvore.
As minhas palavras para vocês.

Um beijo,

C.G.

Ligações




Quando a vontade se escandaliza perante o olhar esmorece-se.

Perguntamo-nos se vale a pena. Se os outros nos merecem na força e no querer e até no ir lá, estar presente, dar a mão.

Depois do primeiro impacto em que se sente que o sangue foge e se escoa numa terra que dá piso a outros, passa-se para o segundo estádio, o da revolta, armar defesas e ferir na mesma grandeza, espera-se vingança e preferencialmente um sabor requintado que nos eleve num pódium de um único lugar.

Com o tempo a passar transformam-se as prioridades, valerá o esforço e a equação sobre merecimento passa muito simplesmente à desistência do existir do outro, ignorá-lo, fazê-lo desaparecer do nosso desenho de vida, eliminá-lo.

Vira-se o mundo, caminhamos em posição facial invertida, arqueamos sentidos e na permanente desconfiança da dor ensinada avançamos de pés sabendo que o calo nos ensinou a não voltar a caír.

Certo é, que de hábitos todos tiramos a experiência do repetir e do evitar mas na ligação do sentir todos os compêndios se revelam inúteis e no próximo virar da esquina tudo recomeça.


Basta encontrar a pessoa certa. Ou errada.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Animália


Já de outras vezes sentira aquilo, um formigueiro, uma sofreguidão, um grito mudo que a incendiava na pele, fazía-lhe até correr algum muco do nariz, transpirar as mãos.
Sabía que se corresse campo fora, muito, muito, até à exaustão das pernas e do tórax a arfar aquela coisa esquista abrandaría, acabaría por acalmar dentro de si um perigo que parecía cheirar sempre mas nunca lhe vira a forma ou a cor.
Não se atemorizava com os demais, até os peitava no desafio de uma contenda de grito e punho, quería-se aleijada para deixar de sentir aquela dor que a incomodava e lhe dava prazer, quase igual ao que sacudia quando passava as mãos entre coxas e como uma janela escancarada à ventania tomava o alivio da canícula.
Quando os viu invejou-os, soube de si como se fosse deles e tivesse sido arrancada para esconder o principio. Berrou, longamente, até se ouvir no eco prolongado do que não acaba e ensurdece como um invólucro, o fio de sangue devolveu-lhe a liberdade e de quatro deixou que o lusitano a tomasse.
Esquecida de mulher partiu em desfilada.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Abril



Não gosto de regras, não gosto de rotinas, não gosto de obrigações.

Só para contrariar e porque nestes trinta tanto pode ser Inverno como Verão remo uma vez mais na força de braços contra a corrente que me puxa.

Talvez deva aproveitar o 1º dia e como todas as coisas deveras importantes que se iniciam no principio do mês ou numa segunda-feira, hoje diga verdades.
E faça delas mentiras, jocosas, daquelas saborosas que de tão verdadeiras e desconcertantes se acham mentiras em que ninguém - alguém? - acredita.
Depois é só deixar crescer, o mercúrio sobe, o dia aumenta, a verdade dilata e lá para meados rebenta como uma borbulha purulenta, cheira mal, afasta-se, é mentira.

Este Abril brinca aos enigmas, aos disfarces de Estio no coração e por instantes a esperança de o ver instalado ofusca-nos da realidade do que falta para lá chegar.

E até lá a mentira. A fazer de verdade.


(in Calendários, C.G. -01/04/2008)