Todos os textos são originais e propriedade exclusiva do autor, Gasolina (C.G.) in Árvore das Palavras. Não são permitidas cópias ou transcrições no todo ou/e em partes do seu conteúdo ou outras menções sem expressa autorização do proprietário.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Regresso à sala de espelhos

Entrou e dirigiu-se ao canto da sala, pousou a pequena toalha, os cd's, a joelheira e o pé elástico, dobrando-se pendente o torso pela cintura com os anéis vertebrais a estenderem-se por etapas, pernas hirtas, pés afastados à largura dos ombros.
Chegou a tempo, chegou adiantada, ainda não há cheiro de gente nem de música nem de dores de cansaço nem se multiplicam as imagens nas gotas de suor dos espelhos, só ela adiantada, só ela a comer o chão medindo o perímetro a passos largos nas nádegas apertadas e nas mãos cravadas na bacia, olhos baixos, o respeito obriga-a a não encarar a figura de cello que mantém ao longo dos corredores que vai desenhando cada vez mais veloz no labirinto das lembranças.
E depois lá: Ela atirada à imagem de negro, voile de saia que mexe depois de estática no combate do rosto, da linha dos braços compridos, do branco da pele do pescoço cavado no V do fato apertado nas costelas, nos mamilos e no esventrado das costas pontilhados de sinais. São marcos, são pelourinhos, são ferros que a queimaram de outras nascenças em que morreu por cada vez que se arrepiou, não são sinais, não são.
O reflexo grita atreve-te e ela abre os braços, as pernas de compasso desafiam a gravidade do instante, piruette, dupla, renversée, a tontura, o enjoo, a imagem, as imagens fragmentadas em muitos eus, muitos ela, ácidos venenosos, mancha de regresso, a imagem engole o figurino e o grito sai para dentro! Bem vinda, como demoraste a voltar.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

AVISO

AVISO À NAVEGAÇÃO:






SE RECEBEREM UM CONVITE PARA CRIAR UM AVATAR EM 3D DA IMVU


EM NOME DA GASOLINA


SAIBAM QUE NÃO FUI EU QUE O ENDERECEI.







ALGUÉM QUE GOSTARÍA DE TER O MEU NICK (OU SER EU?) ACHOU SER ESTA A OPORTUNIDADE IDEAL.







MAS SÓ ISSO, NÃO DÁ PARA MAIS.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Aguarelanja

Os calcanhares íam batendo a ritmo incerto no muro alto, era bom sentir a aragem nos tornozelos e na curva das pernas, os joelhos quentes do Sol que baixava devagar, até os olhos se feríam menos na claridade rosada e dos sons a passarada ensurdecía pelo regresso aos ninhos nas árvores.
Depois, eles os dois.
Sem conversa.
A boca estava ocupada a cravar-se na casca das laranjas e a ponta da lingua a esfuracar no miolo doce e sumarento enchía-lhes a mente sem pensarem noutra coisa. Depois disputaram a lonjura a que conseguíam cuspir as cascas e isso tornou-se o mais importante. Quando já não havía cascas lançaram seixos.
O Sol escondeu-se, pularam para chão firme, meteram as mãos aos bolsos, apalparam o tamanho do sexo pequeno e um deles a fisga, o outro o canivete de cabo de osso.
Ao longe veio um grito de mulher que trazía um nome, a passarada esvoaçou das árvores.
Correram em caminhos opostos.
Ele nunca soube explicar porque pintara o muro a branco-cal nem tão pouco a importância de cortar a aguarela a meio entre pássaros parados no céu e cascas de laranja junto ao limite da folha.





(in Telas, C.G. - Março/2005)

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

La mer (1) Parce que je me sent comme ça

La mer
Qu'on voit danser le long des golfes clairs
A des reflets d'argent
La mer
Des reflets changeants
Sous la pluie


La mer
Au ciel d'été confond
Ses blancs moutons
Avec les anges si purs
La mer
Bergère d'azur
Infinie


Près des étangs
Ces grands roseaux mouillés
Voyez
Ces oiseaux blancs
Et ces maisons rouillées


La mer
Les a bercés
Le long des golfes clairs
Et d'une chanson d'amour
La mer
A bercé mon cœur pour la vie




(1)-Charles Trenet




A embalar aqui pela batuta do Fernando Vasconcelos

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Janela para dentro de mim

Assim estou eu, de olhos rasgados, sem filtros, sem peneira que separe o bom do lixo.
Que venha tudo, que venha mais, eu aguento. Sempre aguentei, porque não agora?!
Dias de memória, os que chegam... Ainda assim, sento-vos à minha mesa, tiro-vos do coração e sento-vos à minha mesa, com tudo, com criticas e gargalhadas, com muito barulho e muita canção. E vocês hão-de voltar cá para dentro satisfeitos comigo, hão-de ser noites boas, com os nossos paladares, os nossos aromas.
Depois não se esqueçam de fechar a porta. Quero-vos todos de volta, cá dentro de mim, preciso-vos para voltar a estar completa.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Número desconhecido, 21H36m

Semaninha diabólica. Se eu acreditasse no chifrudo, que quando me dá posso até ser mais demo do que o pintam. E claro que os dias a girar são alimento de letras, voraz a mão que se empertiga na caimbra do movimento e até faz desenhos onde não deveríam riscar mas o corpo é assim, pouco, pouquissimo e tanto muitíssimo o que juntei de palavras que sufoco se não as choro.
Mas não hoje. Guardarei para amanhã. Há tempo. Há lugar.
Esta noite e em directo empenho-me em arranjar uma tonalidade anil que se assemelhe à da tua voz, ao teu ar soprado no arrasto do cansaço dos olhos inchados e nas mãos presas no redondo do volante que te guia o filme a passar ao contrário sem entenderes onde entras, onde sais, uma corda batida ritmada em que as pernas se enleiam e o chão se aproxima esfolado na distância mais curta entre dois pontos.
Eu digo-te, as rectas não são caminhos curtos pelo menos para ti, para mim, para os risos e para os amigos e para a entrada a pé direito sob as pancadas soadas a compasso do coração e essa barulheira toda que de repente se silenciou, aviso-te, é igual ao ruído do enxame quando se afasta para regressar mais forte.
- Estou... Quem fala?
- Sou eu.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Aos poucos

Aqui há uns tempos disse que havería de contar verdades, revelar verdades que respiram e têm pele própria, independentes no carácter e forma de estar, género, gostares, convicções.


Não me interessa que gostem ou desaprovem. O gesto é meu. O eu de mim é meu. Mas não me procurem por lá porque não me vão achar, fui pequena ferramenta nas mãos de quem se intitulou no direito de gritar eu existo, eu sou.


Apresento-vos o Quarto do Crescente.


Hão-de perguntar por que raio faço eu este convite, esta revelação... Na altura devida compreenderão, nem tudo é entendível como objectivo e concreto, muito menos imediato.


Hoje não escrevo. Deixo esse trabalho para outro de mim que já o fez.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Sobrevivente ao romantismo

Não, não é uma tradução livre do I Will Survive da Gloria Gaynor. Tão pouco uma adaptação d'O Último dos Mohicanos de James F. Cooper.


É o selo que demonstra que a Árvore é uma resistente, uma romântica Árvore que se mantém de pé apesar de ventos e modas.


E quem assim nos acha é a Pin do Blog Pin Gente.






Desconheço regras. Mas também se as soubesse não as cumpriría... Não levem a mal esta pobre Árvore, romântica, é certo! Mais Voilá! Dada ao sabor das transgressões!


Aceitem-no a quem se achar um sobrevivente.


À Pin o nosso afectuoso agradecimento,


um beijo.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Contos Curtos Quase Escuros - Os malefícios do amor

Apaixonara-se por ele, sem se dar conta, uma progressão lenta que acabou num disparo no dia em que descobriu que o incómodo, os suores, as insónias, a boca semi-aberta, as lágrimas e os risos nervosos eram a revelação do seu enamoramento.

De inicio ele era diminuto, nada acrescentava à sua existência nem lhe retirava causa aos problemas, mais um que engordava o número dos que já conhecía, apático na alteração da sua vida e tão pouco lhe achava graça ou quimica que a levasse a perder tempo a anlisá-lo e encaixá-lo nalgum grupo fisico, um homem, banal, se estalasse os dedos não se lembraría mais dele, tería que pedir várias vezes a sua descrição para conseguir moldar a imagem.

Não se deu conta, repita-se, foi um leite que num ápice levantou fervura e entornou-lhe por dentro a serenidade, a respiração controlada, as falas pensadas mas aos poucos ele surgiu um bocadinho ali outro acolá, uma piada elegante, um gesto delicado, um silêncio revelador e encantou-se, passou a dispôr dos seus olhos para o ver melhor e já em lobo nasceu o macho que a arrebatou numa luz azulada de cobalto enquanto lhe puxava os cabelos docemente.

Deu-se. Entregou-se. Permitiu-se todas as palavras, todos os sentires, todo o obsceno privado.

E quando se deu conta estava apaixonada pelo personagem que criara para a sua estória entregue à editora já fora de prazo.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

AI!

Corro.




Corro muito, tanto, talvez ainda vos apanhe aqui... ESPEREM!





(Ainda hoje é segunda e o tempo já me ganhou...)





É que venho carregada, trago um abecedário inteiro às costas mas preciso de espaço para o dispôr, para brincar com ele, para vos mostrar o que tenho aprendido e de cada vez que o faço sou catapultada para outra dimensão e não chego a horas aqui!

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Óleo à espera de ti

Deram alguns passos atrás, vía-se melhor, depois aproximaram o rosto nos cantos, a rugosidade do óleo deixava aperceber a mão do artista, Espatulado? Parece-me. Queres sentar? Sentemo-nos. Ombro a ombro, o olhar a fazer o quadrado da moldura, Que achas que ele estava a sentir quando pintou isto? Não sei, mas tristeza decerto... Porquê? Repara nas cores, nos tons fechados muito próximo da terra, talvez uma saudade, saudade imensa acho, não se vê uma erva, uma flor, não há árvores, É um descampado, é normal não ter nada, Com um nú? Significa o despojamento! Pode ser só dramatismo... Também, há lá coisa mais dramática que a solidão? A falta de amor, de amar... Mas isso ele teve, repara nos braços traçados... É como se guardasse dentro do peito o que se foi. Ou o que não deixa entrar! Fechado ao amor, à vida!
Ele pousou a mão sobre a dela, ela olhou-o. Por alguns segundos deixaram o tempo suspenso no que poderíam ter dito, na confissão do mesmo. Mas levantaram-se e seguiram pelos corredores do Museu sem se deterem pela análise de mais quadro algum. No banco restou uma pouca de terra.



(in Telas, C.G. - Janeiro/2007)

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Distinção Fevereiro 2009



Há blogs que pela sua qualidade me merecem destaque.

Seja pelas palavras ou pela imagem, pela constância do nível e empenho do seu autor, pela inovação dos temas, pela simplicidade com que me fazem viajar. Pelo tanto que me dão.

Assim, resolvi publicamente nomeá-los, sendo certo que a regra única é o meu gosto pessoal pelo blog.

Não é um prémio nem um meme.

Não é uma corrente e logo não é transmissível a mais ninguém pelo que só a Árvore das Palavras tem o direito sobre o registo de os indicar e o indicado não o pode oferecer.
Todos os meses, aos primeiros dias, revelarei a minha escolha. Publicarei aqui o selo Distinção Árvore das Palavras com a identificação do meu seleccionado de cada mês e gostaría que o blog distinguido também o exibisse. Mas isso já fica por decisão do visado.


Ao Triliti Star cabe a distinção de Fevereiro.


Pelo Quarto de Dormir onde se contaram tantas histórias de encantar, pela Alcova dos Pesadelos onde o sobressalto da surpresa faz disparar a emoção, pelas imagens, pelos micro-textos que embaraçam o comentário.


Para quem gosta de experimentar o fio, o clandestino, o outro lado da rua. Eu vou.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Memória sabática

Cinco da tarde, quase lá. Escuro, não deixa de ser escuro lá porque os candeeiros se armam em altivos e cospem uma luz amarelada sobre os mortais, cá em baixo, à espera, friorentos, sebentas e cadernos entalados no sovaco ou espalmando seios tesos de meninas que usam saias de xadrez com salto alto. À espera, ainda com as cinco a enforcar-se no ponteiro e o badalo da Igreja de NªSrª de Fátima a fazer disputa com o Berna, quente e escuro, bom para os olhos e para as mãos que apalpam veredas nos seios tesos e nas imagens do La Luna.

À espera dele.

Ele vem e se não vier por si há-de vir de braço dado, sempre a sorrir, no meio dos dois que já se fartaram de esperar e o foram buscar.

O resto que se fartou de esperar recolhe-se à sala que antes fora estábulo do quartel e que deste mesmo ao lado, resistem os que vieram dar o nome e os que de farda verde engomada fazem pedidos obscenos pelas grades que separa as duas forças: a militar e a do saber.

Já se foram das cinco, já se abalaram os dois a trazê-lo, o que sobrar declama-se. Alencar talvez ou Mia.

Do Paco traz o gosto da cerveja gelada e da conversa que trocou como moeda, não interessa a quem, o que importa é que falou e ouviu falado.

Sentam-no mal na cadeira de professor, é um homem grande, enorme, maior que o corpo, está bebedo de poética.

Comece-se então a aula de hoje.

Das seis e metade fazem-se cinco em ponto.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

O perfil do verbo

De onde vieram estas há mais. Guardadas aqui, acolá, espalhadas como papoilas que sangram e também muito bem arrumadas em gavetas que não se misturam no conteúdo, não porque tenham mais importância mas porque se cultivam na intimidade de se mostrarem desviadas do que se espera e na dúvida razoável, pergunta-se a mutez, isto é mesmo assim?
É.
Fiável. Tão crível que parece mentira, tão diametralmente consagradas nos géneros que se encaixa na metódica (dúvida, sublinho) e finalmente um som, fraquinho, ciciado, isto existe?
É.
Habitável. Da hostilidade parte-se para a mutação e dispõem-se os adjectivos como degraus graniticamente escavados atirando loas, suspeições, clonagens e gestos de mão menor para o lugar de enfeites que se tiram e colocam a bel-prazer, surge a tonalidade no sujeito, quem és tu?
É.
É aquilo que tu quiseres que eu hoje seja.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Rastos

Nunca sei quando vem. Mas vem sempre, a maior parte das vezes embrulhado num silêncio que apenas me deixa pressentir que por aqui passou, cheiro-o, sinto-o, adivinho-o calmo como as noites que chegam vagarosamente arrastando o manto e se cobrem da chuva que canta na terra.
Algumas vezes avisa-me.
Talvez porque receie que eu não o adivinho. Arranca uma folha da árvore e deixa-a pousada perto do tronco. Tenho essas folhas guardadas mas ele não sabe, talvez o adivinhe.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

O homem ao lado

Só café, duplo, hoje só café e nada mais à boca que já me basta o que mastigo para mim numa pergunta-resposta do que podería ter dito, não disse tudo, nunca se diz tudo, fica sempre um resto depositado entre a língua e o céu da boca e a esperança que do outro lado haja lingua e céu da boca capazes bastante de saber as mesmas palavras.


Na mesa ao lado um homem de óculos pousados na cabeça vai comendo letras ao jornal, esquece o café, a colher dentro da chávena branca. Não lê, aproveita o biombo das páginas impressas para me observar, sinto-o, sei que me olha cheio de interrogações, que será que escrevo eu, enchendo folhas de um lado e de outro, de relance largo caneta e miro-o, sacode o jornal, esconde-se, entre a lingua e o céu da boca fala, há uma mulher na mesa ao lado da minha que tenta desesperadamente aguentar as lágrimas e escreve, muito, gostava de saber o que escreve, a quem escreve.


Não escrevo a ninguém, alivio-me de palavras que ficaram por desenhar, não disse adeus.


O café frio é igual ao café duplo sem açucar, são esquecimentos, são bocas que se fecham, são o adeus não dito, e assim sendo posso oferecer à saída a folha que tanto escrevi. O homem na mesa ao lado recebe-a e finalmente lê.



(in Eu na Versailles, escritos improváveis, C.G.- Novembro/2005)