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segunda-feira, 10 de maio de 2010

O bater do coração (dez)

Chovia. Telefonou-me. Disse que não quería ser ele, quería ser a nostalgia de ter sido o que sempre desejara ser e já não podía. Falei-lhe de mim. Roubei-lhe a nostalgia. Ele não me ouviu. Falou da saudade de menino e das contrariedades da vida, não ía a tempo, perdera tempo, o tempo era o demo e ajoelhou-se. Ajoelhei. Obriguei-o a erguer-se e a achar a ínfima particula de pó de oiro no sonho vivo. Não se encantou. A realidade vergou-o. Dei comigo a apanhar restos. Não sei se dele se meus. Chovía. Chamaram-me para eu saír de tanta água.

domingo, 9 de maio de 2010

O bater do coração (nove)

Ao começar qualquer texto por SE condiciono (à minha vontade) aquele que me ler. Não propriamente no objectivo do que escrevo mas na função interactiva das sensações. Não descobri nada de novo, reponho uma fórmula comprovada como os cães de Pavlov. Mas se eu começar qualquer ensaio por SE é porque também eu me condiciono e espartilho no que podería ter dito, ou no (quase) tudo que (não) revelo, tornando-me assim... a mentirosa de mim mesma. Ou a omissão das convulsões que me atacam a cada palavra digitada na rapidez do sentir em que a boca murmura frases que os dedos (intelectos) não acompanham à razão da luz. SE eu pensar que sinto deixo de sentir? Acaso o meu coração pára se tudo o que escrevo não é mais meu e logo, não me pode fazer mal? Ou porque (in)suportavelmente as mentiras se tornam duplas estórias daquilo que verdadeiramente sinto quando escrevo sobre outros?


Então, serei eu, outro.


E o outro um SE.

sábado, 8 de maio de 2010

O bater do coração (oito)

Chamou-me lá do fundo, sem ruído, com os olhos, continuei os passos com o olhar recusando qualquer aproximação, não vou, vem cá tu se me queres dizer alguma coisa, mas alguma coisa diferente, nova por diferente, desculpas não ou argumentos rebuscados de outra forma não vou, prefiro sempre os olhos às palavras gastas e ensaiadas, ouço-o e tenho vontade de correr, talvez em movimento lento como se vê nos filmes e com uma banda sonora com trompetes de vara, percussão suave no contraste, um solo de jazz gemido, chorado e espremido por vontade contrariada, sopro, encho as bochechas de palavras que se tornam ar. Chamas e eu não respondo.


No dia que falarmos esvai-se tudo.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

O bater do coração (sete)

Deitei a mão ao pote de vidro e li a etiqueta: Doce de medronho, doce de abóbora com nozes, doce de amoras. Um de cada. Não me interessa como são feitos, se levam açúcar ou aspartame, se têm muitas calorias, se sabem bem, quero-os pelos rótulos pintados a aguarela num infantil traço que me lembra os meus de criança e me leva à cozinha perfumada de ébrios travos em que a marmelada era mexida sempre em 8 pela firmeza do braço da Mãe, acidulado na boca, sinto saliva a mais, quero dizer coisas mas ainda não sei como fazê-lo por isso vejo atenta o que ela faz e guardo para mim, um dia vou saber o que tudo isto quer dizer. Os potes estão abertos a fumegar no parapeito da janela, acompanham-me abelhas riscadas que afastam o indicador curioso da prova. Depois as rodelas de papel vegetal, ainda as abelhas teimosas no doce que babou, o parapeito dá-me pela altura da testa, encavalito-me no bico dos pés. Hoje faço um desenho da compota, da geleia, das abelhas, da Mãe e da filha. Talvez nunca coma estes potes que comprei. Amo-te Mãe, já sei dizer o que sentía.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

O bater do coração (seis)

Forte-forte, descompassado, não me curo desta arritmia dos sentidos, sentires, portas da emoção que num frémito me deixam lágrimas no céu da boca e gargalhadas nos olhos. Não há uma combinação certa para abrir este cofre forte-forte, é um som, um gesto, um cão que pára quando o chamo, o gato que me desvenda os olhos esmeralda como prenúncio de sol para amanhã, o chamariz árabe do amolador em dias de cama preguiçosa, quantas vezes já te ouvi? aqui, em Coimbra, nas terras dos sonhos em que plano como o açor a busca de caça. O meu alimento é o mundo, a chuva o meu beber e porque quero que assim seja, há-de o Tejo ser eu desfeita no choro da saudade.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

O bater do coração (cinco)

Não está lá ninguém, já não está lá ninguém e ainda assim não consigo deixar de abrandar os passos que ainda à coisa de segundos eram meus escravos e obedecíam à razão. Perco a razão todas as vezes que sinto o cheiro do caminho que passa perto daquela porta que foi batida tantas vezes por mim, não está lá ninguém, tento ver a janela, a cortina a apertar-se na mão forte e grande dele, ou os vidros a encandearem o Sol já baixo e por isso não posso ter a certeza que de não esteja lá ninguém. Mas não está, é o peito que mo diz na falta de ar. Não está lá ninguém e prossigo devagar, tem de estar, não está certo que não esteja ninguém comigo tão perto, basta bater à porta, assobiar e esperar que assome à janela, ele, ele à janela a dizer que eu suba. Apuro o ouvido, tão pouco me chega o meu nome, não há voz, não há silêncio que me permita escutá-lo, não há ninguém. Há cinco anos que espero avistá-lo cada vez que por ali passo e que sei que não está ninguém.

terça-feira, 4 de maio de 2010

O bater do coração (quatro)

À medida que vou andando ao contrário do Sol apercebo-me da minha cegueira. Há tanto a descobrir nas coisas que ficaram para trás, consigo agora a esta distância entender-me lá onde fiquei, no pátio a andar de bicicleta e de joelhos esfolados ou a mão na barra, trémula de varadas nas pernas hirtas sob o olhar negro de Madame ou o choro imparável pelo silêncio que a morte varre quando me levou quem eu amo.


À medida que caminho e penduro o Sol nas costas apercebo-me de novas cores mesmo de olhos fechados, o cheiro intenso de um Tejo baixo, o sabor de uma voz que se destaca no ruído daqueles que ombreiam anos a fio sem lhes sabermos do gostar, do desgostar. Ando pesada de tanta recolha que tenho feito, não desperdiço nada, tenho receio de me esquecer de tudo, de nada, de como era e agora ando.


À medida que o Sol baixa estudo a lição, encavalito a noite no amanhã e um dia, espero, havemos de bater de frente.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

O bater do coração (três)

Não creio de uma forma poética em histórias de amor mal resolvidas, se fossem resolvidas eram passagens na vida das pessoas, bocados esquecidos que não vêm ao caso de tão pouco que tiraram o sono ou nem mesmo voltaram a fazer pensar em beijos, aquele beijo, dito de uma forma marcada entre sílabas para que se entenda que era proveniente daquela boca que se quería e se quería articulada em palavras simples, gosto, quero, Adeus.

domingo, 2 de maio de 2010

O bater do coração (dois)

Há quem pense - e se calhar deseje - (ou talvez não, talvez até o oposto) que eu parei com esta coisa das escrevinhações. Pensam mal. Errado. Não só não parei como aumentei a produção para quase o dobro. Simplesmente, o papel fascina-me e entre escolher o frio do vidro que me fere a vista, prefiro cerrar os olhos de prazer ao toque macio das folhas.


Mantenho a mesma paixão por esta Árvore e sem relógio a ditar-me horários muitas vezes aqui chego em tempos de dormir e sossego, quando no cansaço das vozes escritas abraço o tronco rugoso e lhe murmuro segredos pequeninos, quasi sem importância, meras coisas que trago do dia e carinhosamente ela me pede estórias.


Às vezes não o são, sou só eu, sou eu e as minhas invenções e as minhas falas, o meu mundo da Lua ou a desatenção de menina que me leva a outros lados, eu sentada a escrever, nunca saí daqui e no entanto...


O meu coração bate do outro lado do mundo. Também. Mas não sei explicar onde é esse lugar.

sábado, 1 de maio de 2010

O bater do coração (3 anos)

A 1 de Maio de 2007 entrei como Gasolina e apresentei o Flor da Palavra. Fi-lo a meu gosto, ao gosto do que me sai em letras, ri, zanguei-me, tornei-me próxima de uns quantos o quanto o virtual afasta e aconchega, o sonho no imaginado desse terreno e os pés sempre assentes em solo firme vivendo a vida real conforme ela me deixava e eu melhor sabía.


Porquê Gasolina e não um desses pseudónimos encantatórios de fazer sorrir sem se sentir ou tão misteriosos que não se consegue decifrar nada? A explicação é tão simples que aborrece e assim, prefiro que quem me lê lhe ache os predicados e defeitos que melhor o satisfizer.


Já da Flor, a da Palavra, essa quero esclarecer: foi tudo bruto e natural, sem preparações, sem correcções, a rama visceral do que me sobe pelas goelas e se verte em composições a que se combinou chamar texto. Talvez hoje rebaptizasse a Flor e lhe chamasse Raíz da Palavra, uma coisa funda que não se vê mas sabe-se, tem de estar para existir a Palavra.


E é nessa fundação sólida que encontro a Árvore, não com uma mas com todas as palavras que conheço e mais as que descobrindo me surpreendem e ainda as que se revelam numa novidade de sentires e emoções e traduções do querer dizer!


Mas a Árvore foi também a semente, uma geração de identidades distintas, autonomas, géneros estranhos que não pertencem aos dois grupos e ainda assim o são, aperfeiçoados pela pena ou defeituosos de tão comuns que me obrigam a cuspir-lhes na cara pelo nojo de lhes ser.


Tenho coração acelerado. Não sei se o meu se o de outrém... Mas antes assim, que preciso de tantas vidas quantos os que sou e já que o tempo é canalha ao menos que morra de coração cansado de tanto bater.