Sempre a subir quem vem de costas para o rio, um rápido e furtivo olhar para os degraus da pensão que alojou Ricardo Reis e é deitar as mãos aos joelhos como um ciclista e arranjar força para galgar a calçada que se verticaliza ilusória e ingrata no escorraçar dos sapatos deslizantes, encerada pelos séculos competindo com o eléctrico a bufar na eminência gasta do poder do mais forte.
Com o coração a latejar nas cordas vocais e na testa atinge-se o planalto do Camões.
Como se se tratasse de uma larga travessa de comida que se oferece a um faminto. Que tem de seguir viagem. Que tem de escolher caminho entre caminhos, ora serpenteando entre estreitos de ruas iguais num Bairro Alto onde o rosto é açoitado por lençóis que ondulam em vara-paus e prostitutas de Salazar se identificam para uma tropa apontada a vergonhas ora persignando-se para queimar pecados e logo adiante, purificando ao atirar-se nos olhos sobre Lisboa-colina do Jardim de S.Pedro de Alcântara.
Mas sempre a subir como um céu que se conquista, uma curva sinuosa que lembra o ângulo de um cotovelo quando ampara a cintura numa dança.
Ao fim de uns passos lentos, a respiração entrecortada pelo ar diferente e o ritmo do colorido negro-branco da calçada como disparos de luz que abrem e fecham as pupilas, sentem-se os tímpanos a enganarem-nos, julgamo-nos iludidos pelo cansaço, o fogo nas pernas consome o discernimento da realidade.
Há música, instrumentos que desafinam, vozes que afinam e quanto mais se caminha no custo mais se aproximam os sons de uma realidade maravilhosamente perigosa, é o Conservatório.
Estamos no Princípe Real.
Procuro a porta vermelha lacada.
Entro.
Deixo queimar o meu abssinto até me perder no que penso.
Quando saír e fizer a descida a correr até aos Cais do Sodré para agarrar o último cacilheiro que me embala até casa tudo voltará a ter cor e será 2013 novamente. Por agora é só o tempo que eu desejo que seja, é só tempo dos caminhos que escrevo como os conheci nas linhas da mão ou do caderno ou dos dias e noites em que subi e desci ou até como mos contaram, que importa... é um abssinto, que arda e que reste um pouco de açúcar para provar que é verdade.