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quarta-feira, 22 de julho de 2009

Tejo (O Regresso)

De novo ele e eu, confronta-me chumbo não sei se dos humores do céu se hoje lhe deu para me mostrar a sua força e a saudade era tanta que eu dou permissão para a canalhice fadista tomar prumo e uso-o como tala para me endireitar.
Sou eu sim, lá porque disse que não te escrevía mais não quer dizer que a água secou na saliva com que te penso e monopolizo na distância de duas margens que do outro lado também és meu tão mais do que a boca te fala.
És tu sim, sempre foste perdição das minhas linhas e o fim é um número feito de três letras que se deixa sentir ter importância mas não vale nada se ao bastante para se viver se doa o respirar.
De novo nós, Rio, tão novo como da última vez.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Evasões

[ Agora não estavas cá...]
Recostada ou hirta na parede por construír deixo chegarem as balas que trazem o meu destino, se quiser agarro-as à mão, pulverizo-as na chave fechada do punho, antes as quero onde só eu as vejo [estás a pensar em quê?], basta que estique o braço e alongue a vontade no vão dos espaços que mais ninguém vê, ensurdece-me o silvo [estás a ouvir? estás onde, que não me ouves?], esqueço-o em chilreios das madrugadas quando as aves são felizes ao morder os lábios e do gosto do sangue ganho a dor necessária para a abstracção do concreto [que tens?], este é todo o meu lado perfurado de claridades que me cegam e alumiam, um dia caio de vez, as balas hão-de chegar sózinhas e eu rio [estou aqui] porque nesse dia desejo-as de metal [por vezes afastas-te e não sei onde estás].
Nem eu.

domingo, 19 de julho de 2009

(Re)encontrei(-me)

Corri. Muito, muito, tanto até deixar lá atrás a pele e os ossos, depois o invisivel das memórias dos cheiros e dos sons e dos olhares, deixei o espaço nas costas que já não eram dorso e desfiz-me em perguntas até sobrar terra.
Só depois me lembrei que era uma árvore e não podía fugir.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

AMO-TE NINA




(25-04-1988 / 10-07-2009)

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Cartas ao Mar

Não há crianças na minha rua. Não se vêem, não se ouvem, nem um lamento, um pedido insistente à mãe, o choro do castigo. Não há jogos desenhados na calçada nem uma bola esquecida à hora do lanche.
No prédio ouço passos que querem parecer ausentes, só a escada velha os trai, pequenos rangeres de degraus comidos pelo bicho da madeira e pelo tempo desgastado em manterem escondidos todos os habitantes.
Ouve-se o silêncio.
Respira-se o silêncio.
Perco-me no silêncio que me estala como as escadas. Talvez esteja só, a envelhecer como elas, como a parede de tijolos que avisto da pequena janela do saguão. Talvez já tenham existido crianças e cresceram e envelheceram desde que deixei o meu mar e agora ocupam-se como os outros moradores a permanecerem solitários nos seus gritos abafados de dor por terem perdido a meninice no tempo em que muda a maré.
Tão pouco a Lua tem força para se descobrir e alumiar caminhos, caras, tamanhos de gente grande e gente miúda que me faríam renascer a esperança, clarear este quarto velho de velhas passagens, tantas solidões parelha de mim.
Talvez tivessem largado o mar como eu, o veneno de se perder os olhos para além do que se vê e se cobiça como uma criança perante um doce.
Mar doce, mar doce...
Aqui não há crianças e há menos uma mulher.




(in Cartas ao mar - Agosto/2008)

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Do homem

Nas horas do homem o raciocinio lógico adopta-me. Penso que estarei na proporção da dor que me fazes sentir intimamente ligado ao valor da tua atenção.
Sentes prazer pois, em magoar-me, em saber que és a senhora da situação, controlas a minha vida, desdenhas da minha dependência. Eu sei-o, mas apenas nos momentos em que a besta dorme saciada do sangue que cheirou, encolhida a um canto à espera das tuas ordens, pronta para o ataque se assim te apetecer.
Nos momentos de homem rio-me desse animal, troço de mim, prometo-me dignidade e acho-me indiferente aos encantos da tua luz e dos teus aromas a rosas molhadas, espero o tempo a passar como ajuda para te esquecer e fazer valer o que sei não hei-de cumprir.
Tristemente lúcido.







(in Quarto do crescente, Junho/2008)

terça-feira, 7 de julho de 2009

Esboço(S)

Pela quarta vez disse-lhe, desta feita em braço regendo a ordem, os olhos abertos e as palavras articuladas no exagero, porém no tom baixo de quem se controla para não perder a compostura.

Retomou o lápis entre dedos e fixou o plano branco, é tudo um engodo, de nívea só os outros vêem e a ela só ele alcança por dentro as cores que misturou quando a viu pela primeira vez, o impacto da paleta contra o estomago, é sempre aí que sente, uma fome dolorosa e corrosiva misturada no ácido da imaginação.

Quando acabou o esboço ela tinha-se aborrecido. Queda. Ausente.

Ele chamou-a para ver, ela perguntou-lhe quem era.

Tu.

A incredibilidade. A duvida da loucura.

Sentou-se e compôs a posição que ele pedira, agora havería de manter-se imóvel para ele a desenhar como ela era.



(in Telas, C.G.-Set/2005)

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Se eu mandasse

Se eu mandasse ordenava ao amor que se sentasse. Dizía-lhe para ficar quieto, calado, não tentando convencer-me das suas boas intenções e de como me faría feliz se eu lhe permitisse chegar perto e abraçarmo-nos.
Se eu mandasse ele obedecería.
E caso me tentasse enganar com os seus truques de magia eu havería de me transformar num casulo, toda envolta em fios de seda muito finos e resistentes, surda sem o poder escutar a chamar pelo meu nome.
Deixava-me ficar assim, protegida, incólume, até ele se quedar e se esquecer de mim.
Se eu mandasse, mandava-me esquecer desta falta que o amor me dá.




(in A dificil arte de não amar - Julho/2008)

domingo, 5 de julho de 2009

Distinção Julho 2009







Há blogs que pela sua qualidade me merecem destaque.

Seja pelas palavras ou pela imagem, pela constância do nível e empenho do seu autor, pela inovação dos temas, pela simplicidade com que me fazem viajar. Pelo tanto que me dão.

Assim, resolvi publicamente nomeá-los, sendo certo que a regra única é o meu gosto pessoal pelo blog.Não é um prémio nem um meme.Não é uma corrente e logo não é transmissível a mais ninguém pelo que só a Árvore das Palavras tem o direito sobre o registo de os indicar e o indicado não o pode oferecer.

Todos os meses, aos primeiros dias, revelarei a minha escolha. Publicarei aqui o selo Distinção Árvore das Palavras com a identificação do meu seleccionado de cada mês e gostaría que o blog distinguido também o exibisse. Mas isso já fica por decisão do visado.



Julho é um mês despreocupado. É assim que leio a escrita de RB, Pensamentos SGPS.



Num primeiro tempo. Porque após o deglutir das palavras, o incómodo. E depois a surpresa: A cada dobrar de parágrafo embate-se na gente comum, traços dos que conhecemos, dos que iludimos na ignorância da cidade grande que devora identidades.




Não se creia que o que se usufrui é o produto de um trabalho fácil, a fluidez de tal verbo deve-se ao facto da manipulação partir de quem sabe manejá-lo com mestria.



RB conhece-os, revira anonimatos e oferece jóias a cada texto que se sorve avidamente.

sábado, 4 de julho de 2009

O que diz o mar

Alojaram-se num hotel com vista para a baía de Cascais. Maria da Luz ocupava o seu tempo entre bordados e o peitoril da varanda. Embevecía-se com o pôr-do-sol e deixava a imaginação fluír e arrastar-se como o astro, até se esconder na linha do horizonte e entrar na noite. Era quando ouvía Alberto chamá-la para dentro. Achava então, que despertava de um sonho lindo e que a sua realidade de esposa e mãe eram tão pouco perante a grandiosidade do mar a receber o final do dia.
Suspirava.
Enquanto se preparava para descerem para o restaurante, em frente ao espelho compondo o cabelo que ondulara pela aragem maritima, recordava o seu caderno e quanto fora leviana ao dispensar os seus versos simples, e até mesmo o seu diário.
Sentía saudades de casa, da segurança do seu quarto, dos seus cigarros enrolados em mão trémula quando o pensamento lhe escapava para outras latitudes.
Agora entendía-se.
Percebía em si o gosto da partida e o quanto desejava conhecer mundo. Imaginava-se de mão dada com Rosmaninho a bordo de um grande navio, o chapéu de abas largas com fita a condizer com o vestido vermelho de bolinhas brancas. Tudo a esvoaçar como uma imagem que de si mesma assistisse. Interrogava-se porque não vía os gémeos e o marido a seu lado nessa viagem.
Entristecía-se.
A vida que parecía invejável aos olhos dos outros era uma âncora na sua.
- Não fiques assim triste Maria da Luz. Daqui a nada voltaremos a AM'art e verás como está linda!
Mas Alberto não a sossegava, só ouvía as ondas do mar.




(in A casa de AM'art, eu como Sant'Ana - Abril/2008)

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Repete

O rastilho comeu-se rápido numa chama pequenina avançando até ao ponto a destruír. Quando chegou lá cumpriu o seu destino. O estrago que causou foi tamanho que nem a dor das lágrimas foram suportáveis e o que podía escoar-se no alivio desse sal ficou-se a entupir pela garganta, pelos olhos, pelo peito, até pelo ventre e genitais.


Deitou-se de lado no desespero de ser dia, os joelhos a pressionarem o coração como um garrote que impede a hemorragia, a boca semi-aberta para respirar sem fazer ruído e acordar os outros sentidos. Acabou por adormecer.


Estava descalça. Viu-a pelo reflexo do espelho e chamou-a com um dedo. Depois abriu os braços, pendeu a cabeça, abraçou-se, tombou, rolou, fechou-se de joelhos junto ao peito. Repetiram juntas, abriram os braços, penderam as cabeças, abraçaram-se, tombaram, rolaram e ficaram a par de joelhos junto ao peito. Repetiram vezes sem conta e quanto mais o cansaço se fortalecía mais leve era o contacto dos pés descalços no soalho. Parecía um sonho.


Quando acordou a noite já escorría pelas paredes e os fantasmas fazíam a sua rotina. Rolou para o outro lado da cama, ergueu-se, abraçou-se a si mesma, olhou o tecto, abriu os braços e chorou.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Do escuro da vida

Visto-me de branco. Uma folha branca que os outros de mim cobrem pela cabeça, se prolonga até aos pés nús.
Tapo o segredo por dentro.
Há lutos que não passam.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Komm, tanz mit mir




Vago.
Passo as mãos pelos braços, os braços pelos braços, os braços pelo rosto e tiro mãos e braços e outras faces que me dançam por dentro em passo nús de gente que vagueia pela minha vida.
Vagamente.
Passo a correr, a caír, a erguer braços com mãos e mãos com rosto que encostam linhas nas rugas da face.
Vagarosamente.
Passo em passos que tombam da água de rostos que pensam que choram mas só vivem e exibem rugas nas mãos como destinos cortados à faca.
Vagas.
São ondas. São mares.
Fui-me num deles.
Estende devagar os braços e com as mãos segura o rosto enquanto a maré muda e eu volto.