Todos os textos são originais e propriedade exclusiva do autor, Gasolina (C.G.) in Árvore das Palavras. Não são permitidas cópias ou transcrições no todo ou/e em partes do seu conteúdo ou outras menções sem expressa autorização do proprietário.

quarta-feira, 13 de maio de 2015

O céu da boca (Palavras Reencontradas) 9



[...]
 
Como se entendessem no meu soltar de ombros um cansaço ou até o desespero da explicação sem fé no crime não cometido, iluminava-se-lhes a vista e exclamavam, entendidos finalmente, terem percebido tudo, tudo. Também eu. Mas rapidamente me achava de volta ao primeiro lugar porque nada se havia mudado e todos estávamos no mesmo sitio: Eles a baterem insistentemente num vidro e eu do outro lado a avisá-los da barreira.
Personagens, dizíam. Criações da minha imaginação, vivências, que até a escrita por muito volta que se arranje tem sempre o cunho pessoal e há nele a cota da experiência da carne e do sentimento sentido, da revolta, da tristeza, da lembrança boa e má, e esse todo era o que emprestava para valorizar aqui e ali os meus heróis, as minhas heroínas.
Quem?
Não os conheço, nem com eles privo, a nossa diferença é tão grande quanto a dos meus antepassados ou a dos netos que ainda não tenho.
Vidro. Vêem-me apenas a mim, formam diálogos como se projectassem imagens duplicadas da minha pessoa com frases que saiem da boca dos meus personagens postas pela minha mão, colo uma frase aqui, uma outra ali, fica bem assim, digo não agora, aqui digo está bem... Refiro que para diálogo tem que pelo menos haver dois, há personagens e há outros, há outros com personagens e há outros que não têm personagem algum que sei que apenas falam deles mesmos.
Olham-me. Estranhamente.
E embora tenha a boca cheia de palavras não acho nenhuma que me apeteça, só me vejo a mim mesma reflectida nesta barreira invisível.
 
 
 
(in O céu da boca (Palavras Reencontradas), Maio 2014)

Sem comentários: