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domingo, 14 de julho de 2013

O som da saudade


 
 
Tanto calor do lado de fora e um frio no peito sem aconchego que lhe avivasse o Verão. Tanto tempo  passado desde que juntos havíam passeado nos jardins, ele a repousar a cabeça nas pernas dela, os braços a ocultarem o sol que magoava os olhos, ela a cantarolar, ele a dizer que ela ía espantar os pássaros, ela a dar-lhe beliscões, ele um beijo.
Ela entrou no museu, os saltos repicavam a sua solidão entre as salas vazias e as esculturas debruçavam os seus metros exigindo silêncio.
Não viu o guarda nem o guia por isso avançou, avançou sempre sem parar, sem nunca se incomodar com os quadros que a vigiavam a mudar de sala, a rodar a mão direita nas esquinas que dobrava, a balançar a pequenina bolsa de mão como um brinquedo, a esquecer a postura rigida, os ombros caídos.
Ouvia-se distintamente.
A acústica permitia até um ligeiro ecoar que progredía através das salas como um replicar que se faz com algum atraso do som original.
Cantava.
Melhor, cantarolava, alguns pedaços de música parecíam ser engolidos como um ar que se traga e depois de novo para fora, mais audível.
- Que música é essa?
Ela ficou paralisada. Olhou em redor. De novo a pergunta e ela sem se mexer. De uma tela saltou um homem em tronco nú, estendeu-lhe a mão, mexeu os lábios mas nada se escutou. Ela não teve medo, não quis fugir, apontou o quadro vazio, viu um jardim. O homem tomou-a nos braços e entrou de novo pela moldura carregando-a.
- Tenho estado à tua espera, da tua voz, do teu cantar, nunca mais vinhas...
Ela quería chorar mas não saíam lágrimas e então sorriu, quis dizer-lhe das saudades mas não conseguiu falar e então cantou. Mas por mais que se esforçasse nenhum som se ouvía.
Ele deu-lhe um beijo, ela recostou-se nele e pensou no Verão.
 
 
 
(in Telas, 2009)
 
 

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