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quinta-feira, 4 de julho de 2013

Casablanca III






Casablanca é um véu que não se descobre. Quase transparente, tem o mistério de deixar adivinhar o contorno, porém mistifica a forma pura fomentando imaginários à mercê do visitante desprevenido da realidade, tal como eu, inventora, que lhe fabriquei as realidades de turista de livro das mil e uma noites no deserto estrelado.
Não lhe vi uma única estrela, a poluição tem níveis compatíveis com os oito milhões que circulam dia e noite sem dó do ruído constante, uma cortina baça que de dia tomei por calor insuportável que se aproximava como um gigante, e de noite tomba com o peso da humidade densa ofuscando os semáforos que enfeitam cruzamentos caóticos que entontecem os sentidos.
Ao aterrar esperei por areia e tive relva digna de um green. Achei que tudo tería o odor de caril, pimentas, açafrão ou cheirasse muito mal, mas o que o meu nariz sentiu foi o doce aroma do mel quente, amêndoas, menta, flores. Quando me apresentaram a tajine, torci o nariz e pensei que se tratava de osso buco e nada mais, mas a surpresa do paladar na macieza da carne de cabra no leito das frutas, o gosto do tempero e a narrativa da serra em que o pastor deixava a sua comida na fogueira naquela chaminé de barro enquanto apascentava, alimentaram-me tanto quanto a melodia da voz de Moustapha, ciciada, que aguardou que eu comesse para só depois dar inicio ele à sua refeição, à mão, desfiando laboriosamente a sua galinha. Preparada de antemão para esconder o meu género, surpreendi-me pela gentileza com que as mulheres são atendidas neste lugar. Seja de burka, de rosto coberto, de lenço sobre o cabelo ou à europeia como eu livremente vivi, há uma afeição pura e desligada da intenção maldosa, uma quase veneração.




Em Casablanca o que parece não é, o véu envolve e fecha os olhos no momento do mágico fazer o truque, revelando apenas a dose do que deve ser mostrado, um prazer contado a tempo certo mas igualmente contido, sem extravazar a explosões, sorrisos ao invés de gargalhadas sonoras, olhos que se tocam silenciosos e se baixam, baixinho, para que ninguém se assuste com a tempestade do deserto. Véu branco, como todas as casas.

2 comentários:

marisa disse...

Que bonito relato!
marisa

Gasolina disse...

Obrigado Marisa, pena que as palavras não tragam os aromas, os sons e as cores.

Um beijo deste canto da árvore