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sábado, 7 de maio de 2016

Instantâneo - Episódio dezassete


 
Pediu educadamente um café, uma fatia de bolo caseiro, apontou na campânula de vidro cinzelado a escolha entre o mármore e o laranja, quería o primeiro, a ondulação dos dois tons gema de ovo-chocolate era-lhe apelativa. Esperou. Voltou a chamar e repetiu o pedido. Aguardou. Olharam-no e vieram perguntar se estava atendido, pela terceira vez disse o que pretendia, indicou com o dedo espetado o bolo mármore. E também café. Voltaram costas. Agarrou um jornal esquecido pelo balcão, folheou e encontrou as palavras cruzadas, meia-dúzia de letras inscritas nos quadradinhos e o resto por adivinhar. Levantou os olhos e observou os empregados, vigiou o seu pedido, o bolo mármore já desbastado, a máquina de café num desassossego igual à registadora. Voltou ao cruzadismo, procurou os números e a intersecção das letras. Sinónimos. Levou um susto quando alguém bateu com o suporte de metal dos guardanapos de papel na sua frente. Ajeitou-se ao banco e esticou o jornal ao balcão para ganhar espaço. Chamou outro empregado e perguntou pela demora do serviço. O empregado desapareceu sorrindo. Três letras. Trouxeram o café. Esperou pela fatia de bolo mármore. Chá escreveu. Deu um golinho a poupar a bebida até o bolo vir fazer companhia. Abreviatura leu. Tapou a chávena com a palma da mão e olhou ao redor. O bolo mármore havia desaparecido. Chamou alguém. Alguém. Bebeu o café morno até ao fim. Dobrou o jornal pela metade e deixou uma moeda em cima do balcão. Um empregado apareceu, recolheu a moeda e agradeceu a gentileza.

1 comentário:

Rui Fernandes disse...

O empregado abordou-o. Era um agente consciente da penúltima geração. Leu, discretamente os dados do chip do cliente e conferiu-os com a base de dados. Como pretende o café, Sr. Cunha? Vai um bolinho mármore? Antes que ele acenasse a cabeça, já o empregado tinha descodificado os sinais bold que o seu cérebro emitia e imediatamente imprimiu os artigos desejados combinando os sabores, odores e texturas à medida exacta dos desejos do cliente. E retirou-se discretamente depois de fazer a pergunta retórica: O senhor Cunha deseja mais alguma coisinha?