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sábado, 19 de setembro de 2015

[Des]Costurar


 
Que aborrecimento o dever. O ter de fazer sem escapatória ou alternativa. Não apetecer, não querer fazer, e ainda assim ter o fazer. O dever.
Contrariada amachuquei entre mãos o tecido, agulha presa entre lábios, a linha pendurada a meias com o pensamento, um nó pequenino a fechar, o metal do dedal pousado de parte a piscar-me o olho, sempre o repudiei, mais uma obrigação que contrariei, não me ajeito se ao menos fosses uma caneta escrevia nas baínhas e tudo seguia diferente mas não, pico o tecido e o dedo na fúria da pressa, há que despachar o dever, um pingo vermelho pontua os iis dos ais engolidos, linha comprida de mandriona diría a avó, se ao menos eu não soubesse fazer não haveria como fazer. O dever.
O gosto do sangue tem o sabor conhecido de já aqui ter estado, este ou outro pedaço de pano raivoso apertado entre mãos, uma voz do meu lado a guiar-me agulha e sitio onde furar, aqui, ali e aqui de novo, os pontos que unem tempos cingem as primeiras lições até ao saber fazer, gostar de saber fazer por já saber mas nunca ao dever.
Regresso às minhas mãos, ausentada na companhia de aprendiz lembrada, termino a tarefa sem sentir o dever a contrariar-me a vontade, implico comigo mesma por ter sido tão resistente naquele tempo em querer aprender e divirto-me nos pormenores de alguns pontos atamancados, paciências de quem me acompanhou e insistiu na perfeição sublinhando que saber nunca é demais por mais ridículo e ínfimo que aparente ser, amanhã vais precisar, basta-te a ti própria.
Corto a linha.

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