Sirvo-te. No topo oposto da mesa estou eu. A tua língua é tua e a minha na minha boca terão cada uma a sua sensibilidade mas suponho que comungamos do mesmo prazer neste gosto desfrutado de café, leite, pão que deixa rasto de farinha como pegadas de fantasmas nos dedos que lhe tocam, no queixo, no riso da troça apontado um ao outro, no nariz. Falamos nos gestos com que quebramos a casca do ovo empinado, a acidez da laranja a escorregar no sumo bebido, nas doses repetidas de café. Silenciamo-nos ao olhar a janela, nada de grave por dizer ou solene por contar, as papilas gustativas despertas escondem-se no guardanapo a cuidar as comissuras, sorrisos, dedos distraídos a brincar com migalhas ou a picarem-se em restos da concha protectora do ovo. Primeiras palavras. Sirvo-te, mas com a mão ocupada na caneta e a outra na asa da caneca velha resta-me pouco movimento, há indubitavelmente na minha língua a memória do que imaginei sem ter comido, um quase sal de manteiga suada, o café instantâneo aos poucos foi perdendo o viço e revelou-se em toda a sua verdade, ficção e uma página escrita.
CAPÍTULO QUARENTA - DE VOLTA A CASA
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Ao fim de pouco mais de três meses Alberto fechou a conta e a familia
regressou à casa renovada.
Maria da Luz apenas tinha ido por uma vez ver o decurso das...
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