Todos os textos são originais e propriedade exclusiva do autor, Gasolina (C.G.) in Árvore das Palavras. Não são permitidas cópias ou transcrições no todo ou/e em partes do seu conteúdo ou outras menções sem expressa autorização do proprietário.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

A entrevista

Pediu que se sentasse, a educação obrigou-a a ficar de pé. Depois tomou assento, olhou as folhas ao contrário e descobriu-lhe o seu perfil. O interlocutor não a olhava, ajeitava os cantos das páginas, arrastava o nome como quem pega num carro que esteve muito tempo parado. Ela não sabía onde pôr as mãos, lembrava sua mãe e a proibição sobre cotovelos em cima da mesa, entalou-as entre pernas e sentiu as virilhas húmidas pelo nervoso que a electrificava, ía dizendo para si não falar, não falar antes de te fazerem a pergunta, abrir os olhos e escutar com o corpo todo, sentir o que vem do outro, as aproximações, o cruzar de braços, aprendera isso. A pergunta apareceu com reticências no final... A mudança, a mais-valia, empregou chavões com cabimento, não se balançou na cadeira, deu espaço, elogiu-se sem ser narcísica, calou-se quando interrompida. Mas as mãos traíam-na a cada espaço, volteavam, os dedos arqueavam-se como asas de pombo no namoro e por mais que a razão as atasse lá voltavam elas a voar independentes de lições bem tomadas. Não quis olhar o relógio, o interlocutor fazía-o por si e pela tarefa a cumprir, mais uma serei eu, não mais uma serei eu, que pensa ele de mim, porque não me vem à boca a frase certa como uma legenda correctamente revista? Colocou a tampa na esferográfica e ela sentiu o fim, ergueu-se, agradeceu e atabalhoada no comando das mãos recebeu dois beijos que não sentiu. Depois a sala agigantou-se na distância entre eles, sentiu-se cuspida para a parede que tinha nas costas, ouviu a resposta ao longe, muito ao longe: demasiado criativa para o que pretendemos, o seu lugar é nas artes, noutro sitio qualquer menos este, temos pena. As penas das mãos estenderam-se de novo e ela voou não sabe para onde, essa lição nunca aprendera.

5 comentários:

Silvestre Raposo disse...

obrigado Gasolina. Os blogues que tenho em actividade (pouca) são: www.caminhosdeterra.blogspot.com e www.ravalusiarte.blogspot.com prometo que venho fazer mais visitas e escrever qualquer coisita nestes meus. abraço

sobre os teus textos: lindos apetece...deixar de escrever LOL

tiaselma.com disse...

Não era. Não havia. Melhor longe.

Beijocas, minha Gasolina querida!

Alberto Oliveira disse...

... ele há coisas que não se dizem nem a brincar pois podem ser mal interpretadas.

Aposto que ela vai começar a tomar lições de voo e entregar o próximo curriculo na tap.

A ele dava-lhe um castigo: ser entrevistado pela Judite de Sousa.

Alien8 disse...

Nas artes, sem dúvida. A criatividade é perigosa. Leva à desobediência, ao inconformismo, à dificuldade em organizar as mãos...

BF disse...

Até eu me senti desconfortável e não era a entrevistada.

BF