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segunda-feira, 12 de abril de 2010

Até sempre

De quando em vez lá recebía noticias, nada muito preciso quanto ao que o ocupava para lhe roubar tempo a mais palavras. O papel de carta nem sequer era papel de carta, tantas vezes conseguía descobrir o rendilhado rompido à pressa de um caderno escolar vincado com letras de outras folhas que tinham sido usadas por cima da que lhe enviava. A maior parte das missivas não se lacrava no beijo ou nem mesmo num abraço, cortava-se num traço furioso pela diagonal ocupando a parte do papel que não houvera sido utilizado.

De inicio achara estranho, uma bizarria, depois como não tinha para onde responder pensou em desleixo ou que o incómdo de alguma situação o preocupasse de forma tamanha que também a ela não a quería preocupar. E preocupou-se. E depois deixou-se disso que a ânsia de receber o envelope era mais que tudo o resto e não quería desperdiçar o bater do coração em tristezas antecipadas.

Guardou todos os pedaços de novas que lhe chegaram na lata do pão, sempre perto de si quando a saudade moía ou quando para enganar o corpo de fomes repentinas, esfarelava primeiro o miolo e só depois, calma, se entretinha na côdea. Comía e relía, comía e respondía-lhe como se ele estivesse ali permanente, a respiração contada entre cada sílaba.

Quando ele lhe bateu de novo à porta ela alisou o cabelo, encaminhou-se para a cozinha e sentaram-se os dois a olharem-se. Depois ele abriu a lata do pão, deu com as suas cartas enfarinhadas, tirou o alimento para os dois e enquanto mastigava lento ela contou-lhe o que fizera nesse dia.

5 comentários:

Arábica disse...

Hoje, no Amoreiras, enquanto esperava pelo portátil (e foi uma espera de duas horas) descobri um restaurante onde havia serviço de café e era permitido fumar. Mal entrei no espaço, dois corpos tomaram forma.Agigantados, erguiam-se sobre a mesa para o encontro dos rostos. Estão apaixonados foi a mensagem que recebi da imagem. De facto, os olhos dela diziam-no.
A postura de ambos os corpos gritava-o. Bebi o café e fumei o cigarro, sentindo-me uma intrusa. O telemóvel dele toca. Atende e mente descaradamente: estou a estacionar o carro, daqui a nada estou no escritório. Desliga e volta de novo a guardar o rosto dela entre as suas grandes mãos.
Diz-lhe, sem perceber o tom alto da voz: apaixonei-me por ti naquele dia...de novo baixa o tom de voz...estive para lhes dizer que se não tivesse sido noutro dia, bem que podia ter sido naquele momento exacto em que lá entrei e ambos os corpos o gritavam ainda que em silêncio...

Li-te e lembrei-me.
Também nestes rostos havia um qualquer alimento. Iluminado.

Beijos, bom fim de semana :)

Silvestre Raposo disse...

vim deixar abraços nestes textos lindos

MagyMay disse...

A minha lata do pão está amolgada, cor desbotada, velha, à palavra "PÃO" faltam pedaços...
... guardei-a.

(foi um atravessar de ruas e vielas mas... Eureka!!!!)

o Reverso disse...

o futuro...

BF disse...

São estas estórias de pessoas com sentires que me encantam na tua escrita.

A minha lata do pão está sempre comigo no meu sentir.

Beijo
BF