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sexta-feira, 28 de março de 2008

O fio

Espetou com toda a sua força o varapau no buraco que escavara, retocou o prumo, repetiu o gesto a uns pares de metros com o outro, fechou o olho e delimitou uma linha imaginária a direito.
Depois enroscou-lhe as pernas e atou um fio de arame no topo, prendeu a ponta aos dentes e trepou à outra estaca esmerando-se no remate.
Experimentou a segurança, a extensão e a vibração provocadas.
Descalçou-se.
Galgou a pulso o pau e de pés em diagonal chamou gente, freguesia, prendeu a atenção nos gritos e promessas.
Acercaram-se.
De braços abertos equilibrou-se no principio da estrada de fio, abanando, tremelicando, arrancando suspiros, silvos e caras tapadas com as mãos de dedos afastados ao imitar o perigo da queda. Correu de passo ligeiro e felino até ao fim.
Aplausos.
Percurso inverso, mais rápido, ágil, profissional, agora de vista cerrada, sabe o caminho de cor, calcorreia vaidoso descuidando o fio para cá e para lá.
Bravos estalam com as palmas, contam-se as passagens de um lado ao outro.
Exulta-se.
Excita-se.
Um pássaro poisa na ponta do fio nas suas costas.
Gargalhadas.
Ele dobra-se e agradece narciso.
Mais gargalhadas, sente que não são dele.
Esquece-se de contar os passos, passou-lhe, um pormenor de somenos para quem é tão importante, ninguém notará, nunca perceberão, roda o pescoço para ver quem lhe faz sombra, apenas um passarinho.
Cai.

12 comentários:

papagueno disse...

Bolas, coitado!
Bjks

marisa disse...

Gosto imenso do teu "humor" e das associações que os teus contos nos levam a fazer com a vida...
Desejos de uma óptima semana.
Beijos

marisa

Gasolina disse...

Papagueno,

Achas mesmo?
Quem o mandou ser convencido?
Esse é um dos grandes males do homem: acharem que tudo está garantido.

Um beijo grande!

Gasolina disse...

Marisa,

Mais uma vez desvendas, desvendas-me, descobres traçados invisiveis, que os estão lá, pois que eu os desenhei.

Obrigado por me leres tão bem.

Um beijo enorme e um fantástico fim de semana para ti.

Eme disse...

A História sempre ensinou que os maiores tiveram sempre as quedas mais estrondosas.
E os anónimos mantiveram-se no pódio.

Lembra-me um de nome Tito (com quatro letras devia ter meio metro de altura) que conseguiu derrubar Jerusálem.

Um beijo

Mateso disse...

O equilíbrio estudado de um momento. Asvariáveis são inúmeras e os racicocínios, por vezes, são menos seguros..
Bom retrato de um Homem...
Beijo

gata disse...

Assim acontece a quem descuida o que acha serem "pormenores"...

Saudades de te ler Gas.

Lazy cat Kiss

Gasolina disse...

M.,

Ora aí está um apontamento que vai aqui muito bem.
Tens razão, os que nos parecem grandes nem sempre o são.
E nem sequer falo de meio metro de altura.

Um beijo

Gasolina disse...

Mateso,

Quantas quedas sem serem do fio? Em pleno solo?
Apenas porque se descura que o mundo não gira à nossa volta.

Um beijo azul

Gasolina disse...

Gata,

Nem mais. A distracção é a morte do artista, aqui passarinho.

Muitas saudades tuas.
De te ler.
Onde páras tu Lazy?
Qual o teu telhado?

Big kisses

ASPÁSIA disse...

ACONTECEU-LHE COMO A MULHER DE LOT! (+ OU -)...
QUANDO O MOMNETO É CRUCIAL, A ATENÇÃO DEVE ESTAR DIRIGIDA PARA O CAMINHO A SEGUIR...

BEIJO EQUILIBRISTA

Gasolina disse...

ASPÁSIA,

POIS DESTE NEM SEQUER ESTÁTUA SE CONSEGUIU ERIGIR, NÃO TEVE TEMPO, CAÍU DA SUA VAIDADE. SEM SAL, O POBRE...

BEIJO DE MUITO EQUILIBRIO!