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terça-feira, 4 de março de 2008

Contos Curtos Quase Escuros - O camaleão



Na suposta intenção de se mostrar diferente, um quase chic, excêntrico, mais não era do que uma amálgama de outros, captados aqui e ali pela apreciação velada do gosto no tique ou no gesto delicado pela vida que deixava crescer na colheita dos que com ele se cruzavam.

Imitava o trejeito, o timbre, o passo, ensaiava em frente ao espelho até se satsifazer na comunhão da parecença, falava consigo próprio adorando a última descoberta ajeitando-lhe outras que achara e já muito treinadas encaixava na sua forma de estar.

No fundo compunha-se de retalhos, que de si pouco se recordava e de cada vez que no pesadelo nocturno se vía numa infância perdida em olhos de adultos, despertava atormentado por algum dia retornar àquilo que seu pai tinha sido, ébrio no mundo, perdido de laços.

Era agradável o seu estar e a sua companhia que afinal os outros encontravam sempre de si um conjunto nele exposto, um tanto deles próprios, mas rápido se incomodavam com a fragilidade da composição, um castelo de cartas que ao menor sopro não se sustinha e descaía no disfarce de várias capas.

Levou a vida assim, aos bocados, uma espécie de papier-maché humano e quando suspirou pela última vez não souberam que lápide lhe marmorear nas palavras já que de tantos era feito.
Plantaram-no na vala comum com uma etiqueta no pé que dizia camaleão.

(in Contos Escuros Quase Escuros, C.G. 01/03/2008)

20 comentários:

ASPÁSIA disse...

HÁ GENTE ASSIM!
NO CAMALEÃO É UM MECANISMO DE DEFESA...
NO HUMANO SERÁ UM INDICADOR DE COBARDIA...

A TUA ESCRITA TB. É CAMALEÓNICA MAS NO BOM SENTIDO... NO SENTIDO CRIADOR DE MIRÍADES DE PERSONAGENS...

BEIJOKA LAGARTIXA

pentelho real disse...

fora de série. é de tua autoria? se é parabéns, se não é, parabéns à mesma por teres transcrito para aqui com esta ilustração.
beijos.

Laura Ferreira disse...

também temos todos, um certo quê de camaleão...

Carla disse...

é triste quando alguém não é mais do que a soma daquilo que colhe dos outros...perde-se de si e nunca consegue descobrir quem verdadeiramente é. Lindo este texto

Amilcar Garcia disse...

Saludos: Somos múltiplos; Isto explica porque nos desconhecemos; ¡não devemos temer!. O temor dificulta o transitar de todos “” os que somos. Porque ser só um pesa em nossa contra levando-nos à inconformidad. Trato de ser múltiplo para não sentir culpa de existir…

Abssinto disse...

Retalhos. Faz-me lembrar os tristes espantalhos no meio da horta, parecem-se com pessoas mas ao longe, que chegando bem ao perto...

velha gaiteira disse...

cara amiga(o)

a palavra

satsifazer

não se escreve assim!


abração

Vicktor Reis disse...

Querida Gasolina
Muitos seres humanos existem exactamente conforme descreveste soberbamente e contudo chegam aos mais altos níveis do poder...
Um dia levarão, igualmente, uma etiqueta no pé...
Beijinhos.

poetaeusou . . . disse...

*
é,
arvore das palavras
de frutos em textos,
suaves, de mel . . .
,
conchinhas
,
*

Gasolina disse...

ASPÁSIA,

MUITO OBRIGADO PELAS TUAS PALAVRAS.
EMBORA POR VEZES TEMA O ABISMO DA LOUCURA NO DESAPEGO DAS MINHAS PERSONAGENS HÁ SEMPRE UMA SATISFAÇÃO MUITO GRANDE EM VÊ-LAS PINTADAS DE MIL DISFARCES.

MAS SÓ A ELAS.
QUE EU SOU UNA E DE MIM MESMA, ÚNICA.

UM BEIJO BEM GRANDE PARA TI.

Gasolina disse...

Pentelho Real,

Tudo o que aqui está escrito neste blog como o que apareceu postado no Flor da Palavra é de minha autoria.
Não há plágios, cópias ou recorrências a outros autores que não de mim mesma, C.G., aqui defendida como Gasolina.

Quanto à imagem, é de um fabuloso fotografo coreano.
Fiquei simplesmente rendida às imagens que ele aprisiona.

Muito obrigado pelas tuas palavras, que muito me sensibilizam.

Beijos para ti.

Gasolina disse...

Laura,

É verdade.
Embora aqui pretenda falar da parte camaleónica que alguns se cobrem para colmatar as falhas do que eu chamo o "filme" das suas vidas.

Gasolina disse...

Carla,

É exactamente essa a essência deste escrito.
É profundamente triste e degradante.

Muito obrigado pela tua visita e palavras.

Gasolina disse...

Amilcar,

Hola!

Sí, todos tenemos ganas de hacer tudo, a tudo alcanzar, una polivalencia que muchas das veces nos mascara de otros.

Mas aqui hablo de pedazos de otros que se mesclan para componer un artificio, frankstein de la alma.

Besos para ti

Gasolina disse...

Abssinto,

Simplesmente bela a imagem que ofereces para "ilustrar" este camaleão.

Um beijo.

Gasolina disse...

Velha Gaiteira,

Muito obrigado por me apontar o "gato".

Na verdade estas trocas de letras acontecem porque o pensamento é bem mais veloz que a capacidade dos dedos nas teclas...

Vou reparar, muito obrigado, gosto que me chamem a atenção.

Ah! E hoje sou Cara AmigA, mulher.
Amanhã não sei...

Gasolina disse...

VIctor,

Meu querido amigo, infelizmente a razão às tuas palavras. Tantos exemplos vivos que por aí desfilam...

Um beijo muito carinhoso

Gasolina disse...

POeta Eu Sou,

OBrigado pelas tuas palavras, essas sim de mel, que as minhas neste texto camaleónico têm muito de amargo...

BEI/de MARÉ.

pin gente disse...

a imagem é fanscinante

Gasolina disse...

Pin,

Apaixonei-me por esta imagem.
E depois de ter escrito o "Camaleão" soube que era a única que aceitava as minha palavras.

Beijo, L.