Rio-me, sinceramente que me rio, tive que olhar duas vezes para corrigir o engano dos sentidos e emendar o sentido dos pés, adiante vários passos e de arrecua outros tantos até estarrecido ofender-me de pescoço esticado para o despautério da paisagem e estar certo que não havia erro, pudera! Conheço melhor estas janelas que as de minha própria morada - pois se nem uma tem! - ou não tivesse eu plantado a minha figura por aqui anos a fio, porfiado, rezado, noites de relento na esperança de um sinal e abertas só uma nesga, coisa pouca que duas mãos da criada de fora pudessem enxotar, que Sua Senhoria não estava ou Sua Senhoria não gostava de pedintes à porta ou Sua Senhoria estava indisposta ou até aquele dia em que mandaram eu subir que o Pai de Sua Senhoria iria receber-me.
Por isso me rio, de raiva pois então! Quem é esta gentinha que aqui se instalou que desfeia as janelas do meu penar, reduzindo a estendal de panos velhos, o palanque do meu amor declarado? Como ousam escancarar janelas largando aos que passam, os sons guardados da memória que a minha paixão cantou entre quatro paredes?
Rio-me de lágrimas de vingança, rio-me no esgar do regresso amargo do desencontro, só, Senhor de mim a sua casa voltado onde fecharei janelas se entenderem abri-las, onde gritarei por Sua Senhoria quando se acharem no mundo de Morpheu, rio do tempo em que fui homem e o medo me autorizava.
Aqui ficarei à espera do meu amor, nem que demore outros duzentos anos.
(in Das portas & janelas-Vol.2, Junho-2015)
Todas as fotografias da Colecção Das portas & janelas-Vol.2 são da autoria de Eduardo Jorge Silva
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