Eu de Alberto na ponta da trela, bem comportado, acata-me os olhares sem necessidade da fala [nem eu falo canês nem ele humanês, os dois entendemo-nos perfeito], a vizinha do prédio do fim da rua [com quem viajei anos nos transportes públicos sem trocarmos uma palavra até ela adoptar uma cadela] a assistir à Justina, uma bulldog francesa de 9 meses, a pastar nos canteiros.
Eles, os de quatro patas, cumprimentam-se e despacham a coisa.
Nós, de apenas duas e sem trela, enleamos a conversa.
Quem somos, de onde viemos e o que fazemos. O que gostamos de fazer. Para além de amar o Alberto e a Justina. Rimos. O dia está bonito e ficou mais bonito. Nós aqui tão perto e nós sem sabermos. Falamos de como nos víamos nos anos que nos víamos sem nos vermos e sem nos falarmos, mas a ver-nos.
Falamos de livros, de ler, de escrever, de consumir letras como necessidade de ar para viver.
Diz-me do gosto das páginas e do papel, do peso do livro das mãos, digo-lhe das mulheres e dos homens que povoam o mundo dos meus cadernos [talvez tenha sido um raio de sol que lhe enrugou a testa]
Alberto, contrariado de tanto sossego deu um esticão. Justina empanturrou-se com uma folha seca de palmeira.
A vizinha tocou no peito com os dedos ao de leve e disse o seu nome.
Eu disse o meu. [Mas senti-os nas minhas espáduas pendurados, tossicando, fazendo-se de importantes...]
2 comentários:
As palavras "tomam" a importância que lhes queremos dar. E as suas tiveram a força de esperança: na amizade de reconhecermos semelhanças em duas pessoas com forças diferentes!
Gosto de pessoas que olham nos olhos
Que dizem palavras com olhos e com calor.
São diferentes dos demais.
Há tempo para descobrirmos a força.
Ainda agora é Primavera.
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