Quanto mais vociferava e assomava com baldes de água ameaçadora ou de cabo de vassoura empunhado mais havia vontade de lhe ganhar o terreno, fazer barulho, esconder-lhe o tapete ou simplesmente bater com os nós dos dedos na madeira da porta e fugir a sete pés que já sabíamos, vinha lá o diabo.
Rogava pragas, queixava-se da pouca educação e do muito ruído da bola a estourar-lhe na portada e nós sem responsabilidade na infância troçávamos do canto em que morava, apetecível a partidas e jogos de escondedura aos primeiros beijos quando a noite de Verão nos despertava para as borbulhas anos depois, nem sempre visíveis no nariz metediço nas blusas leves das garotas conquistadas. Ou o resguardo de emergência na ombreira da porta robusta da chuva desprevenida ou de algum malandro a que se procurasse escapadela súbita, que com o diabo ninguém queria nada mas nós éramos de casa ou quase.
O destino de quem lá morava ninguém lembra, o tempo sopra os factos e as réstias do que fica compõem as histórias que se contam, mas dei comigo a admoestar uns garotos que se entretinham a fazer da porta a sua baliza e mesmo ninguém tendo aparecido do lado de dentro para pôr ordem no sitio, fiz-me de diabo e guardei a honra de anos felizes.
(in Das portas & janelas-Vol.2, Maio-2015)
Todas as fotografias da Colecção Das portas & janelas-Vol.2 são da autoria de Eduardo Jorge Silva
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