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segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Depósitos do cansaço [o custo do começo]



Foi como empurrar um carro. Os pés a resvalar na terra, a gravilha a saltar, e o maldito sem deslizar um milímetro sequer, por mais que as palmas das mãos se apoiassem na convicção do esforço e no ângulo do corpo quase a par com o chão tão próximo, as rodas não rodavam e o monstro permanecia estático, inerte, parado. Parado. Mais uma tentativa. Parado. Até se sentir que a pele do estômago se rasga toda até às coxas e o sexo se estica até desaparecer sabe-se lá para onde, parado. Depois, as mãos suadas e os dentes apertados mais de raiva do que qualquer outra coisa impelem tudo e numa facilidade vagarosa o carro mexe-se, anda pastoso, contrariado, avança, surpresa, apanhamo-lo distraído e de bicos de pés fincados vai-se cravando aos poucos e vencendo cada vez mais a renitência até ligeiros o afastarmos e em definitivo vê-lo caír pela ribanceira.
Custaram-lhe as primeiras palavras, embrulhava-se nelas como uma mortalha a que se apiedava caso quem a escutasse no silêncio de bom ouvinte não demonstrasse desconforto, emoção, um leve encher de peito que suportasse o peso dos segredos. Por vezes engolia em seco para logo a seguir falar rápido em tom de pergunta, mas do outro lado, sem respostas, sem partilhas, sem comunhão, apenas um pedido de seguimento obrigava a que o trilho da fala se retomasse à confidência.
Suspirou, um cansaço profundo porque tudo lhe era importante e não sabía por onde começar, disse.

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