(De cócoras, os pés já a incharem e a tornarem-se vermelhos de estrangulados pelo peso do todo)
- E tu?
- Eu?...
(De olhos fechados, não a pensar nas palavras mas a definir sabores)
- Sim, tu, que disseste?
[Eu disse-lhe que não precisava pedir-me, assim, pedir-me como um pedido, entendes, bastava que me desse a entender que o quería. Eu ía. Ía de olhos fechados e de braço esticado na guia da mão atada à minha, aos tropeções e cambaleando como um bêbado mas ía mesmo.]
- Não lhe disse nada...
- Tss! Bela oportunidade! Agora que havías de falar, calas-te! havía de ser comigo!
- Que queres? Não me lembrei de nada... nada que estivesse à altura, só me vinham à cabeça coisas banais e que já toda a gente disse!
- Dizías à mesma, bolas! Mais valia do que ficares como o espantalho!
[Disse-lhe tudo com os olhos, percebeu tudo, não foi preciso estragar o momento com confissões ou gostos peculiares ou dizer que era diferente, bastou olhar e encontrar o olhar, uma seriedade que quase magoava de tanto querer, entendes, e era medo, medo sim daquele minuto]
- Para dizer coisas que já se sabem mais vale o silêncio. Até o do espantalho. E olha que serve.
(Sentam-se. As pernas traçadas moem os artelhos na gravilha. Um pega num graveto e risca a terra grossa. Faz um coração. O outro arranca-lhe o lápis improvisado e atravessa o coração na diagonal, faz uma seta)
- E agora?
- Não sei...
- Nunca mais se encontram? Nunca mais? Nunca na vida?
[E aquele minuto doeu uma vida, beijámo-nos e ao mesmo tempo crescíamos, crescíamos e depois já quase do mesmo tamanho ainda nos olhávamos e queríamos, sem palavras, tudo sem dizermos nada, bastava a mão esquerda na direita e amávamo-nos deitados no horizonte, ou na terra ou onde nos quiséssemos e nada fazía falta, nada.]
- Não sei, talvez um dia.
- Pois... Quando forem grandes os dois! Pode ser que se encontrem!
- Pois é, é verdade, tens razão...
(Aplicam o dedo no carolo e empurram o berlinde. Um deles desenhou umas gotinhas de sangue a pingar do coração atravessado pela seta. O abafão aguarda)
24 comentários:
Querida Gasolina
Usava calções e jogava ao berlinde, de cova em cova. Por vezes erguia-me e ficava com ar ausente e o bilas entre os dedos. Olhava lá no fundo do recreio as pernas duma colega da escola...
Beijinhos.
DEU-ME O SONO, DESCULPA
Dª MARIA
Ho Gas,
fizeste-me lembrar aqueles amores de criança ainda na primaria! Tão lindos! tão ingénuos!
Os carolos, as abafas, as batatulas as maiores e as pidoninhas as mais pequeninas lindas!!!
Sempre me fascinaram os berlindes, mesmo antes de saber jogar já os guardava num pote de vidro e passava horas a olhar para o pormenor de cada um, de cada risca, dos matizados, adoro berlindes!
Tornei-me com 10 anos uma vice campeã :-) de jogos com berlindes, a campeã mesmo era a minha irmã! ganhava-mos os berlindes todos aos rapazes :-) :-)
Gostei desta infância, principalmente a inocência das crianças!
Jito,
Sony
quando a inocência já desapareceu
Boa Tarde
Por muito que possa custar os sentimentos devem ser ditos para não atrofiar.
Amizade
LUIS 14
lindo e ternurento este amor de criança que nos leva ao mundo das recordações
beijos
Acontece assim tantas vezes... esse bloqueio ...parece uma branca mas pintada de tantas cores que não sabemos dizer ...as emoções o abstrato silêncio que se ergue como se fosse um muro de betão...
mas...
fica dito todos sabemos o que afinal o outro quer dizer...
beijinhos das nuvens
Rola o bilhas , rola o pensamento, rola a infância...
Um apontamento muito bonito, muito.
Bj.
Sublime
Talvez um dia....(saudades)
agora já nem se joga ao berlinde !
um beijo
BF
Victor,
A imagem que dás é deliciosa!
A mim era brincadeira que não me era permitida por ser menina e o regime militarista da minha Mãe não ía em conversas... mas sempre foi jogo que apreciei, confesso. Acho que aliás todos os jogos dos rapazes eu gostava.
Será porque me eram interditos?
Um beijo num abraço, meu Querido
Dª Maria e o Coelhinho,
SONO???
Mas olhe que isto aqui não é hotel... posso oferecer-lhe a sombrinha da árvore para fazer uma sesta... mas se continua a dormitar o seu precioso Coelhinho põe-se a monte e depois não há amor que lhe valha.
Vá lá descanse, não se amofine. Depois ajudo-a a procurar o seu Coelho fugitivo.
Sony,
Aqui não é só o amor da infância. O que se relata entre []é conversa de gente grande, que como muitos afinal perdem tempo a rolar coisas sem importância até que um dia o abafão... abafa!
Fico feliz que tivésses gostado, muito.
Mando-te um beijo.
Não te esqueças que estou contigo Formiga. Vai em frente.
PS- And Mr. Bunny?
Teresa,
Isso mesmo.
Medo dos minutos, do tempo, do dizer.
Luís XIV
Nem mais.
Deixá-los cá dentro acabam por azedar num remorso sem remédio.
Fica bem, desejo-te um fds em grande
Carla,
O mundo da infância a cruzar tempos em que a simplicidade do ser e ter se mistificou na complexidade do deixar esperar, do talvez.
Um beijo para ti
F@,
Adorei a tua definição de "branca pintada de tantas cores".
Só mesmo de uma Menina das Nuvens como tu para pintar tanta poesia.
Um beijo para o teu Mundo Macio
Mateso,
Como me lês tão bem, até ao osso diría.
Rola tudo, sim, até a vida.
Um beijo carinhoso
RB,
Caramba!!!
O que é que eu te digo?!
Muito Obrigado.
Um beijo R.
Papoila,
Também acho que já não se joga... e se se jogar, decerto deve ser na consola e não entre montinhos de terra.
Quanto aos bilas... tenho-os visto em casa de decoração, a enfeitar jarras de vidro transparente onde se seguram flores de plástico e pano made in China...
Um beijo enorme Papoila dos Girassóis
quando crescerem, virão todos os desencontros...
Tri,
Muitos, sim.
Mas eu quero e preciso acreditar que nalgum momento da vida há um encontro.
Tem de haver.
bem agarrado
parabens
Observatory
Muito obrigado!
(Bom ver-te aqui de novo :~D)
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