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segunda-feira, 26 de maio de 2008

From Kafka with love



- Queres sentar?

Não, não quero, a parede serve-me bem, ampara-me as dores, aguenta-me todas aliás até as que não são minhas e me magoam nos olhos dos outros.

Quanto tempo... sempre pensei que aqui não voltaría, que não tería de me bater com coisas passadas e cortar-me nos vidros da memória... ironia, pedi eu para regressar, ajoelhei-me e pedi para me trazerem até aqui, ficar na fila, ver outros rostos iguais ao meu na angústia reduzida de quatro em que caímos, dar nome ao que viemos, uma festa da condição humana em que animalescamente nos esprememos por caber em secções coloridas consoante a gravidade.

- Tens sede?

Tenho, mas não de água de beber, só do meu rio e do meu mar e da chuva e da vida, daquela que eu tinha e me desatava os nós dos dedos escritos e que agora teimo em estalar para me sentir aleijada e lembrar mal, mal porém ainda verticalizo o pensar, recuso-me a ouvir o canto dos ciganos que no canto da sala se acantoam em universos de luto e espantam a morte para longe dos seus vivos, batem palmas, enxotam o vómito daquela mulher que aperta a barriga e me olha vermelho, que quer ela? Não me olhes, não te posso valer, se queres ir vai mas não me peças a mão, eu não quero ir apesar do cheiro a urina e fezes e cor de sangues que marcam rastos até um branco tão branco que me enlouquece.

- Estou aqui há quanto tempo?

Ouço horas, quatro, cinco, serão treze como um número azarado mas é mentira, são contas feitas num espaço sem medida em que me perco de mim, procuro-me e parece que já fui, pergunto por mim a um homem magro de abdómen inchado prenhe de um câncro e ele mostra-me a boca, imita a vida que conheceu no beberricar de cafés enquanto aguarda a vez.

Eu espero pelo dia novo, quero ver o dia novo.

Talvez me tenham perdido e me mandem embora por achar que não sou daqui, condeno-me por me ter entregue, desejo tudo e nada, luto dentro de mim e mordo o que me parece distante.

10 comentários:

papagueno disse...

Que bom regresso j� sentia falta dos teus textos.
Bjks

Vicktor Reis disse...

Querida Gasolina
Este teu escrito está soberbo na forma e no conteúdo.
Preocupa-me a fonte inspiratória...Modestamente, dou-te toda a força do meu pensamento e do meu sentir.
Beijinhos minha querida.

Gasolina disse...

Papagueno,

Obrigado.
E eu sentía falta da Árvore e de ti, assim como de outros frutos, que é como quem diz, quem me lê.

Um beijo.

Gasolina disse...

Victor,

Meu querido Victor.

Agora está (quase) tudo bem.
E vai melhorar contigo perto de mim.

Um abraço bem apertado, um beijo.

ASPÁSIA disse...

AMIGA GASOLINA

UM TEXTO MUITO FORTE, UM TEXTO EMPAPADO DA DOR, DA FRAGILIDADE, DA IMPOTÊNCIA HUMANAS, QUAANDO A SAÚDE NOS ABANDONA, AINDA QUE TEMPORARRIAMNETE! AÍ TUDO O RESTO PERDE A RAZÃO DE SER E PODEMOS TOMAR CONSCIÊNCIA QUE, DE FACTO, NÃO SOMOS ETERNOS...

AINDA BEM QUE APESAR DE TÃO DIFÍCIL PASSAGEM POR UM PURGATÓRIO QUE IMAGINO,E TAMBÉM PORQUE NELE MUITO PEREGRINEI DURANTE A DOENÇA FATAL DE MINHA MÃE, AQUI ESTÁS DE VOLTA RECUPERADA E CHEIA DA FORÇA CRIATIVA, TEU APANÁGIO!

MAIS OUTRO BEIJINHO

Gasolina disse...

ASPÁSIA,

QUÃO FRÁGIL SOMOS.
TUDO SE REFORMULA E ATÉ RENOVA NA CONSCIÊNCIA DA NOSSA "HUMANIDADE".

A ÁRVORE NO ENTANTO, FORTALECE-SE: OS FRUTOS SUMARENTOS QUE ÉS TU, OS QUE ME LÊEM SEMPRE EMPRESTAM O LIQUIDO PRECIOSO QUE ELA PRECISA PARA SE MANTER.

POR TUDO, OBRIGADO JARDINEIRA ASPÁSIA.

marisa disse...

Também eu tenho andado por "este palco"...e como sempre saiu da tua pena um belíssimo texto.
Embora com muito menos tempo, continuo a ler-te, porque as tuas palavras são como bálsamo para os meus dias. Estou viciada, mas adoro este "vício"!
Sei que tudo voltará ao normal, querida Gasolina.
Eu andarei em pezinhos de lã, mas sabes que estou sempre por perto.

beijos

marisa

Patti disse...

Os regressos podem ser lentos, delicados, subtis, mas nunca deixam de ser regressos.
Bem vinda de novo.
Devagar ou com força. Tanto faz, porque o que escreves é sempre sentido por nós.

Gasolina disse...

Marisa,

Sempre te sei junto à Árvore.
Para mim é quanto basta.
Do distante se acercam os sentires.
EStou contigo também e tudo vai correr bem.

Um beijo para ti.

Gasolina disse...

Patti,

Obrigado pelas tuas palavras, pelo teu apoio, pela tua força, pelo teu espirito dinâmico e positivo.

Por me fazeres rir. Por seres colorida.

És sempre bem vinda a esta Árvore.