Era uma noite típica de Verão, morna, envolvente, de um azul profundo de veludo e um halo amarelo pintado pela lua gorda que estava cheia. Apetecia andar na rua, estar numa esplanada, conversar e rir sobre coisas inúteis, deixar o tempo passar devagar…
Ele não apreciava confusão, nem multidões nem barulho, por isso deixava-se estar numa lânguida posição na espreguiçadeira que tinha na varanda da sua casa, absorvendo os sons do mundo, de olhos fechados, apenas sentindo a carícia do estio a sussurrar-lhe no tronco nu.
Esteve assim sem tempo medido, chegou mesmo a dormitar, de quando em vez a buzina de um carro ou uma gargalhada a trazerem-lhe os sentidos de volta; mas voltava àquele abandono saboroso e sem preocupação, deixando-se ir.
A certa altura apercebeu-se que o chamavam: abriu os olhos, soergueu-se a custo apoiando as mãos nos braços de madeira da cadeira funda ficando em posição de partida; levantou-se e espreitou junto ao peitoril da varanda para o passeio lá em baixo, longe, distante que estava do seu 5º andar. Não viu ninguém. Que horas seriam? Entrou dentro de casa e espevitou os olhos para o mostrador do relógio a marcar os ponteiros para lá das 3. Inquiriu-se se teria mesmo dormido profundamente…e ouviu de novo uma voz a chamá-lo. Voltou à varanda e mais uma vez indagou junto à entrada do prédio. Nada. Ninguém. Correu a vista pelos edifícios em frente. Tudo escuro, só a lua lá no alto, gorda e farta. Ficou ali a cheirar o ar, as narinas dilatadas para a noite que fechava a cidade. E de repente, descortinou no prédio defronte de si uma luzinha amarelada, difusa, que fazia destacar o contorno de alguém também na janela. Apurou a vista mas não conseguia distinguir muito bem…até que teve a certeza absoluta de se tratar de uma mulher pois viu o perfil de uma cabeleira longa a ondular pelo jeito da cabeça.
O seu primeiro instinto foi agachar-se e ficar protegido pelo muro da varanda, de cócoras como se houvera sido descoberto nalguma falta, numa indiscrição do olhar; depois, cuidadoso, esticou o pescoço até a vista atingir a paisagem de novo; e confirmou, agora o castanho dos olhos afiados completamente habituado àquele azul nocturno, que era uma mulher. Alta, apercebia-se, mais alta do que o habitual, longilínea, cabelo comprido, braços finos. Ficou à coca, o coração a bater como se o pudesse ouvir, naquela atitude de voyeur na eminência de ser descoberto…perguntava-se sobre a identificação de tal figura e resolveu atrevido, demonstrar a sua presença. Levantou-se devolvendo à estatura uma presença anunciada. Apercebeu-se que ela reparou na sua presença porque a viu endireitar-se daquele meneio de cabelo e debruçado como querendo aproximar a distância entre os dois edifícios, foi surpreendido que a viu tirar a peça de roupa pela cabeça e deixá-la esvoaçar da altura do prédio até aterrar no passeio.
Abriu a boca como não querendo acreditar no que via, naquele tronco completamente nu, os seios apercebia-se, mais claros com marcas de um biquini reduzido a dois triângulos minúsculos por ausência do sol naquela parte do corpo; ela tocou-se e ele encheu o peito de ar.
Então, fora de si, assobiou.
Ela parou naquele toque e abriu os braços desenhando na noite um T perfeito. A lua iluminava brandamente a figura dela e ele voltou a assobiar descarado. E viu então, um par de mãos extra a rodear a cintura dela, fechando-se no umbigo como um cinto. A cabeça dela tombou de novo sobre o lado esquerdo enquanto as mãos subiam até ao peito e a apertavam, deslizavam, afagavam, ora tapando ora cobrindo as marcas brancas do biquini. Ele pestanejou e então teve a certeza de que ela estava acompanhada e as mãos sobressalentes eram de um homem.
Recolheu-se de imediato dentro de casa, o coração quase a saltar pela boca num medo de ter sido detectado.
Mas a curiosidade tão forte como nunca havia experimentado, levaram-no por detrás dos cortinados finos a espreitar para aquela varanda fantástica: agora eram um par pegado em beijos e abraços, as cabeças tocando-se, a dela sacudindo a cabeleira, ele dobrado sobre o peito dela. Estava fascinado. Depois sorriu por saber-se abrigado mas observando tudo. E até falou consigo próprio quando viu que o homem a virava e pelas costas a cópula se iniciou. Não quis perder nada, nenhum pormenor: o balanço do corpo indiciava os movimentos ritmados, as mãos dela e dele alinhadas em quatro sustentavam no peitoril o aumento do acto.
Ficou ali até ela se dobrar para fora da varanda e receou que o homem a empurrasse. Mas não, tinham chegado à consumação apenas e agora recolhiam-se e apagavam a luz amarelada.
Continuou um pouco mais envolto no tecido dos cortinados mas mais nenhum movimento aconteceu, veio à varanda olhou a lua, nada surgiu e decidiu-se por dormir na sua cama.
Mas o sono não vinha e a imagem daquela mulher mais alta do que era habitual não o largava, envolvia-se nele, nos seus lençóis e quando exausto já o dia despontava pela madrugada, adormeceu a sonhar que ela era uma sereia e que a tocava nos seios, a beijava no pescoço e nos lábios, a afagava na cabeleira longa e solta…mas, desespero! Da cintura para baixo era tão só um peixe! Como entrar nela?! E o sonho tornou-se num pesadelo pois por mais voltas que lhe desse só encontrava escamas!
Passou mal esse dia e outros, que o sonho mau perseguia-o nas noites em que ansioso, procurava da sua varanda a cena uma única vez vista no prédio defronte do seu.
De quando em vez, apercebia-se da luz amarelenta na casa dela e esperançado achava que nessa noite voltaria a repetir as sensações tão estranhas que tinha tido.
De cheia, a Lua passou pelas suas outras fases e regressou gorda e grande como de costume.
Tudo se repetiu menos o assobio dele.
Ele não apreciava confusão, nem multidões nem barulho, por isso deixava-se estar numa lânguida posição na espreguiçadeira que tinha na varanda da sua casa, absorvendo os sons do mundo, de olhos fechados, apenas sentindo a carícia do estio a sussurrar-lhe no tronco nu.
Esteve assim sem tempo medido, chegou mesmo a dormitar, de quando em vez a buzina de um carro ou uma gargalhada a trazerem-lhe os sentidos de volta; mas voltava àquele abandono saboroso e sem preocupação, deixando-se ir.
A certa altura apercebeu-se que o chamavam: abriu os olhos, soergueu-se a custo apoiando as mãos nos braços de madeira da cadeira funda ficando em posição de partida; levantou-se e espreitou junto ao peitoril da varanda para o passeio lá em baixo, longe, distante que estava do seu 5º andar. Não viu ninguém. Que horas seriam? Entrou dentro de casa e espevitou os olhos para o mostrador do relógio a marcar os ponteiros para lá das 3. Inquiriu-se se teria mesmo dormido profundamente…e ouviu de novo uma voz a chamá-lo. Voltou à varanda e mais uma vez indagou junto à entrada do prédio. Nada. Ninguém. Correu a vista pelos edifícios em frente. Tudo escuro, só a lua lá no alto, gorda e farta. Ficou ali a cheirar o ar, as narinas dilatadas para a noite que fechava a cidade. E de repente, descortinou no prédio defronte de si uma luzinha amarelada, difusa, que fazia destacar o contorno de alguém também na janela. Apurou a vista mas não conseguia distinguir muito bem…até que teve a certeza absoluta de se tratar de uma mulher pois viu o perfil de uma cabeleira longa a ondular pelo jeito da cabeça.
O seu primeiro instinto foi agachar-se e ficar protegido pelo muro da varanda, de cócoras como se houvera sido descoberto nalguma falta, numa indiscrição do olhar; depois, cuidadoso, esticou o pescoço até a vista atingir a paisagem de novo; e confirmou, agora o castanho dos olhos afiados completamente habituado àquele azul nocturno, que era uma mulher. Alta, apercebia-se, mais alta do que o habitual, longilínea, cabelo comprido, braços finos. Ficou à coca, o coração a bater como se o pudesse ouvir, naquela atitude de voyeur na eminência de ser descoberto…perguntava-se sobre a identificação de tal figura e resolveu atrevido, demonstrar a sua presença. Levantou-se devolvendo à estatura uma presença anunciada. Apercebeu-se que ela reparou na sua presença porque a viu endireitar-se daquele meneio de cabelo e debruçado como querendo aproximar a distância entre os dois edifícios, foi surpreendido que a viu tirar a peça de roupa pela cabeça e deixá-la esvoaçar da altura do prédio até aterrar no passeio.
Abriu a boca como não querendo acreditar no que via, naquele tronco completamente nu, os seios apercebia-se, mais claros com marcas de um biquini reduzido a dois triângulos minúsculos por ausência do sol naquela parte do corpo; ela tocou-se e ele encheu o peito de ar.
Então, fora de si, assobiou.
Ela parou naquele toque e abriu os braços desenhando na noite um T perfeito. A lua iluminava brandamente a figura dela e ele voltou a assobiar descarado. E viu então, um par de mãos extra a rodear a cintura dela, fechando-se no umbigo como um cinto. A cabeça dela tombou de novo sobre o lado esquerdo enquanto as mãos subiam até ao peito e a apertavam, deslizavam, afagavam, ora tapando ora cobrindo as marcas brancas do biquini. Ele pestanejou e então teve a certeza de que ela estava acompanhada e as mãos sobressalentes eram de um homem.
Recolheu-se de imediato dentro de casa, o coração quase a saltar pela boca num medo de ter sido detectado.
Mas a curiosidade tão forte como nunca havia experimentado, levaram-no por detrás dos cortinados finos a espreitar para aquela varanda fantástica: agora eram um par pegado em beijos e abraços, as cabeças tocando-se, a dela sacudindo a cabeleira, ele dobrado sobre o peito dela. Estava fascinado. Depois sorriu por saber-se abrigado mas observando tudo. E até falou consigo próprio quando viu que o homem a virava e pelas costas a cópula se iniciou. Não quis perder nada, nenhum pormenor: o balanço do corpo indiciava os movimentos ritmados, as mãos dela e dele alinhadas em quatro sustentavam no peitoril o aumento do acto.
Ficou ali até ela se dobrar para fora da varanda e receou que o homem a empurrasse. Mas não, tinham chegado à consumação apenas e agora recolhiam-se e apagavam a luz amarelada.
Continuou um pouco mais envolto no tecido dos cortinados mas mais nenhum movimento aconteceu, veio à varanda olhou a lua, nada surgiu e decidiu-se por dormir na sua cama.
Mas o sono não vinha e a imagem daquela mulher mais alta do que era habitual não o largava, envolvia-se nele, nos seus lençóis e quando exausto já o dia despontava pela madrugada, adormeceu a sonhar que ela era uma sereia e que a tocava nos seios, a beijava no pescoço e nos lábios, a afagava na cabeleira longa e solta…mas, desespero! Da cintura para baixo era tão só um peixe! Como entrar nela?! E o sonho tornou-se num pesadelo pois por mais voltas que lhe desse só encontrava escamas!
Passou mal esse dia e outros, que o sonho mau perseguia-o nas noites em que ansioso, procurava da sua varanda a cena uma única vez vista no prédio defronte do seu.
De quando em vez, apercebia-se da luz amarelenta na casa dela e esperançado achava que nessa noite voltaria a repetir as sensações tão estranhas que tinha tido.
De cheia, a Lua passou pelas suas outras fases e regressou gorda e grande como de costume.
Tudo se repetiu menos o assobio dele.
.
(in Contos da Fogueira, C.G.-20/11/2005)
4 comentários:
Assombroso! E não é mesmo que numa questão de tempo calam-se os assobios para sempre? Para onde fora a magia agora?
Bisous
Querida Gasolina
Um excelente conto com muito realismo, não lhe faltando a habitual poesia das tuas palavras.
Sensualidade e requinte no tratamento de um tema. o voyarismo, que está na predileção da maioria das pessoas, mas que poucos têm coragem de afirmar.
Magnífico!!!
Beijinhos.
M.,
A magia está na distância.
Ao chegar perto vê-se que o brilho é todo falso.
Bisous, le notre toujours
Victor,
Meu querido enches-me sempre tanto de tanto.
E no entanto, não serei esse tanto que afirmas.
Muito obriagdo pela tua apreciação e olho afiado à "sereia". É bem certo que esta 1ª parte trata de voyeurs mas na segunda... há que ler para se encontrar a realidade.
Um beijo muito grande
Enviar um comentário