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terça-feira, 25 de março de 2008

Arnaldo Sem Cabeça Para Nada - 1ª Parte



Arnaldo Vaz, 46 anos de idade, casado e com um filho, natural da Capital, escriturário de profissão, sem uma falta ou baixa dada nos 25 anos de serviço na mesma empresa. Rigoroso nos horários, ainda anota a lápis afiado a canivete vistos nas notas de encomenda e veste nas manhãs frescas de Setembro quando o sol ainda não entrou pela janela banhando a sua secretária, um colete de jacquard tricotado pela sogra, que guarda meticulosamente dobrado na ultima gaveta da sua mesa e nunca foi lavado desde a sua estreia, vai para 12 anos.
Arnaldo Vaz é o Sr.Vaz.
O Sr.Vaz é o chefe do Departamento da Tesouraria.
Ao Sr.Vaz nunca falharam as contas e factura alguma ficou por cobrar.
O Sr.Vaz é sisudo mas competente.
O Sr.Vaz aguarda paciente a altura de se reformar e até lá há-de cumprir a sua missão de funcionário irrepreensível.
Mesmo que agora a empresa o ponha à prova, empregando com subsídios da Comunidade Europeia um estagiário imberbe, mal largado da capa e batina de Economia, para daqui a um ano o pôr à frente dos destinos do sector e dar algum sossego ao Sr.Vaz.
O Sr.Vaz foi nomeado tutor do recém doutor.
O Sr.Vaz é o professor do doutor.
O doutor ensinou o Sr.Vaz a potencializar o uso do computador e até já o iniciou no MSN e a fazer-se passar por um rapaz de 20 anos a trocar galanteios com umas gajas a quem chama “lindas”.
O Sr.Vaz tem chegado mais cedo na hora do seu almoço para ter tempo para as “lindas” e assim não influenciar a sua produtividade.
E teve tanto êxito nas suas ingressões solitárias que resolveu arriscar e assinar “Arnaldo”.
As “lindas” adoraram e as “fofas” também, e agora até já o tratam por “Naldinho”.
Naldinho anda nervoso e não se consegue concentrar na conferência das notas e das guias e dos duplicados e de um monte de papelada amarela e rosa e branca e volta e meia, suspira e ouvem-no murmurar que já não tem cabeça para nada.
O Sr.Vaz está muito cansado, acham os outros.
O Sr.Vaz quer surpreender as suas fãs cibernautas e até já achou uma forma de o fazer. Foi fácil. Bastou recordar-se dos seus tempos de jovem, mais jovem que o doutor, em que riscava numa sebenta poemas nostálgicos.
Sentado à secretária, o almoço a pesar no estomâgo pela pressa, agarrou no lápis pontiagudo e ensaiou o titulo, em letra bem desenhada, grande, com alguns retoques sombreados nas vogais: SE ME CHAMAS.
Às duas chegaram os funcionários para o período da tarde e o Sr.Vaz permanecia ainda no titulo, o lápis parado sobre a folha branca, o olhar perdido naquela ausência da palavra. Repetiu que já não tinha cabeça para nada e guardou a folha baptizada junto ao colete dobrado.
No resto do expediente respondeu afirmativa e ambiguamente a todas as questões levantadas pelo doutor e quando este lhe perguntou o que tinha, repetiu um “sim, sim”, fitando-o nos olhos.
Arnaldo Vaz permaneceu no escritório depois de todos terem dito até amanhã.

continua

2 comentários:

f@ disse...

Mto tempo a olhar ... esta imagem por tanto que nos diz... volto para ver e ler com mais calma .... e + uma vez parabens pelo belissimo blog beijinhos

Gasolina disse...

F@,

Obrigado pelo teu regresso.

Nota de música.

Muito obrigado pelas tuas palavras.

Um beijo