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segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Hoje choveu

Do alto do seu tamanho vía-se, um pouco ondulada pela frescura da madrugada que molhara pela noite fora. Ouvira-a. Fizera força para não adormecer e deixar-se embalar na cantoria feiticeira. Assim as adivinhas sobre o formato das poças podíam ter o tamanho que quisesse. Ela podía ter o tamanho que quisesse. Mesmo ondulada. Mesmo arrepiada pelo assobio do vento fino. Mesmo cansada da noite em branco na luta contra a ladaínha da chuva a chamá-la ao sossego, prefería-se acordada na recordação de um outro amanhecer também a chuvisnar, o cabelo muito comprido molhado, o casaco de lã impermeável cravejado de gotículas. Agora acha que não eram da chuva, eram dos olhos dele ou dos olhos dela, agora acha que não é importante... O que foi grande foi a chuva devagarinho, as poças largas onde se viram reflectidos e encaixados a fazerem de centopeia de quatro pernas, por dentro do laguinho raso, por dentro de si a amarinharem e apertarem e sufocarem e até fingir que não íam sentir tristeza da despedida nem naquele dia nem nunca quando voltasse a caír chuva e se lembrassem um do outro em qualquer lugar do mundo onde estivessem. Um sem o outro.
Do alto do seu tamanho viu-se. Agachou-se. Soprou na poça de chuva morta. O espelho de água ondulou-se. Assim parecía que ainda tinha o cabelo muito comprido molhado. De joelhos, passou as duas mãos na cabeça rapada e disse Olá, tive saudades tuas, hoje choveu.