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domingo, 14 de junho de 2015

Um dia na praia


 
A melhor hora para chegar à praia é quando ainda se reconhece nos nossos passos chutados de chinelos as marcas das patinhas das gaivotas, um trilho que se segue à procura de alguma descoberta formidável no ondeado do caminho alto e baixo, baixo e alto, curvas que obrigam os olhos a procurar a pista seguinte da pegada. Na verdade, o que depressa se discorre é que andar de pés nus é muito menos cansativo que trazer a reboque pazadas de areia que se catapultam em direcção ao traseiro e a sensação do quente na superfície da planta do pé ao pousar a contraste com a frescura do escondido quando os dedinhos se enterram na areia, não tem idade para explicar tal prazer.
É a praia.
E é chegar e ficar feito estaca a olhar o mar. Como se entendidos nesse estado liquido toda a nossa essência nos fosse revelada, aquietada, varridos os traumas, problemas, achadas as soluções mirabolantes e ali tão à mão de uma vista, apenas escondidos pela pala do braço a defender o astro ou outro invejoso que queira desvendar o nosso segredo. Nosso, meu.
Vai que num instante desperta-se, arrancam-se toalhas da cor do arco-íris, sacodem-se como velas de nau, esticam-se, fazem-se montinhos a jeito de almofada, orienta-se a aresta do raio ao bronzeado melhor, tiram-se roupas, pelam-se cascas de armadura de humanidades ferrugentas, dá-se brilho à derme com aroma de coco, baunilha, jasmim e enxotam-se insectos que tentam debicar a moda do óleo havaiano em trópicos de jardins à beira-mar plantados e na euforia de tanto movimento sai a corridinha para a coragem do mergulho.
Gritinhos, arrepios, joelhos apertados, ombros a pescoço, duas mãos de concha e um mar pelo rosto, conta-se uma, contam-se duas e é à terceira que tem de ser, é a praia, é o riso, é o grito solto, ai que fria, mas nem tanto, afinal nem nada, ai que boa, vai já outro, toma-se-lhe o gosto e rápido esquecido de dois braços e pernas apetece-lhe o mesmo que aos patos, só a cabeça é que fica de fora, mas lá no fundo tudo é uma lente e de sereias é que se contam estórias, fura as águas, é pirolito.
Agora é tudo sereno.
A toalha doce, os pingos que secam no umbigo, os estalos dos ouvidos e que fazem ouvir ao longe o pregão do gelado, da língua da sogra, da bola de Berlim. De vozes familiares que não se sabe de onde vêm, longe, longe e embalam, um colo delicado que abraça e pousa de novo na toalha. Um quase frio bom, um olhar em frente, saudades, vontade de voltar sem saber onde, joelhos a peito a segurar o coração, em que pensas?
Agarra-se os chinelos e não se olha para trás.
As gaivotas têm destes segredos, não adianta segui-las.
 
 

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