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terça-feira, 23 de junho de 2015

Os brincos



Ela caminhava sedenta, o calor a morder o pescoço nu exibido do cabelo arrepiado em rabo-de-cavalo, ora descendo o passeio ora subindo, evitando os encontrões dos turistas e as saídas do emprego às seis da tarde. Beberricava da garrafa de água, mole da mão quente que apertava mais o desejo de frescura do que a sede matada no vicio de levar à boca os lábios molhados.
Os olhos despertaram-se à cor variada de frutas expostas para o passeio atravessado, mercearia tradicional, tudo dispostamente arrumado em pirâmide, os preços espetados como bandeira na Lua conquistada, meias-frutas abertas a mostrarem qualidades num regalo de perfumes, uma frescura a vir de dentro do estabelecimento, convite do dono perto da balança, O que vai ser freguesa?
A freguesa quería tudo: Uma talhada de melão amarelo sorridente ou um gomo de polpa de nectarina, talvez uns figos de capa roxa escachada ou não, o que vai mesmo são uns bagos de uva preta e luzidia! E as peras? Granulosas e doces? E as ácidas maçãs riscadinhas a puxarem à saliva? Mas a melancia cristalina e de castelo carnudo só de olhar limpa a sede!
Aparece o dono com um par de cerejas pendurado na orelha, Oh Dona, olhe que destas mais ninguém tem! É mel puro! Pois que seja, venham de lá os carolos vermelhos que um desses refresca qualquer um!
E logo ali atirou-se aos frutos na mão cheia e caroços na bochecha, olhos velados, o calor esvanecido, sentada no banco do dono da mercearia a esquecer o mosquedo e algumas abelhas que tentavam a sorte, pernas de turistas para cá e para lá, trânsito danado de seis da tarde.
O último par gémeo de cerejas fê-lo de imitação e pendurou na orelha, lembrou-se do avô, pagou e partiu.
Na boca rebolou o caroço como fazía em criança até ficar com a boca áspera e ignorou os olhares que lhe deitaram a um estranho par de brincos.

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