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domingo, 1 de março de 2015

De costas



Há muito tempo atrás, alguém me confessou padecer de uma estranha patologia relacionada com a tiróide, que lhe provocava os maiores acessos de choro em qualquer circunstância e com qualquer motivação. A questão era exactamente essa, o motivo: Tanto se comovia com um anuncio publicitário a lâminas de barbear como a talco para rabinhos de bébé, como ía na conversa de quem lhe batía à porta a vender um serviço em dia de chuvada - e lá comprava sem necessidade e apenas pela caridade ao vendedor molhado, como se irritava consigo mesmo, chorando da sua pobre condição.
Verdade e medicina puseram a coisa no lugar e hoje, é o homem sereno de sempre que conta, sorrindo de si, as aventuras e desventuras de um bócio mal equilibrado.
Mas a mim, que de nenhuma patologia estou afectada e o mal é simplesmente o oposto de meu amigo, pergunto-me que hei-de eu fazer?
Dói-me a dor e comovo-me, mas nem um fio de lágrima consegue espreitar. E não é por vontade de não as chorar, que já as tive e por muitas ocasiões. Apenas não florescem, não brotam, não me nascem.
Veêm-me assim fria e distante, intocável e de pedra, incapaz de sentir o golpe alheio e o ardor da ferida como se fosse experiência que na carne nunca passei. Melhor andar de costas então, pois se os olhos são, dizem, o espelho da alma. 
 
 

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