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domingo, 17 de agosto de 2014

Sem sombra de dúvida



 
Sempre depois das duas, a mala de mão pousava-a de lado e nunca junto aos pés, haviam-lhe dito que baixava a fortuna, coisa sem importância pois a riqueza já se lhe fora há muito, por vezes um lenço ao pescoço e se mais fresco na cabeça, mas o banco de jardim era sempre o mesmo. Estivesse ocupado ou livre era sempre o mesmo depois das duas, sentava-se quase à ponta, esfregava os joelhos muito juntos, ajeitava a saia, entrelaçava os dedos e fitava o longe.
Não se perdía com pombos a passar ou pequenas folhas que tombassem de árvores próximas, apenas o olhar se esgueirava para um espaço que ninguém descobria mas não estava perdido nem se esmorecia o viço.
Ficava assim por uma hora, às vezes um pouco mais.
Mandaram uma criança ir ter com ela e perguntar o que fazia.
Falava com a sombra, contava-lhe o que fizera durante toda a vida, a quem amara e não tivera tempo de dizer ou coragem de revelar, o que deixara para trás por causa de filhos e netos e injustiças de género, condição e dinheiros. Também pouca vontade e outro tanto de ilusão por achar-se eterna e duradoura. Do medo de estar sozinha mas também da conquista de estar sozinha e falar tudo o que sempre amarrotara sem duvidar da sua força tamanha. Tanta, mas tanta, que conseguia que a sombra fosse para trás das suas costas.
 
 

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