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terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Paralisada




Sinto-lhe a profanação no aproximar do sorriso postiço, talvez ensaiado para me desanuviar o semblante, talvez avisado para me baixar a guarda, vai chegando, o cheiro putrefacto do banho ausente e da boca suja de palavras remoídas de invejas e ambições desmedidas vestem-no mais na pele viscosa que os panos lhe escondem o merecimento de andar de pé.
Castigo-me ao responder-lhe. Mastigo a língua ao responder-lhe e olhá-lo nos olhos.
Tento suster a respiração para não absorver o hálito podre que se apodera do momento, um único pensamento trava toda a lucidez do meu cérebro e um desejo crescente de que um raio fulminante o queime acelera-me o coração mas a verdade é que sou eu quem definha, lentamente, aos poucos sinto a morte a rondar-me, levo a mão à boca, a outra aos olhos, sinto o vómito num elevador a queimar-me as entranhas.
E depois o mundo pára e tudo se transforma em gelo.
A mão dele sobre o meu pulso.
Paralisa-me.
A repulsa. Nojo. Sinto a faca das mentiras a rasgarem aos solavancos por dentro, não sei onde, não consigo mexer-me para aparar o meu sangue e voltar a pô-lo no caminho das veias. Vejo-lhe o sorriso maldito a babar-se nas minhas feridas, morro de olhos abertos.
A minha imagem reflectida na porta de vidro acena-me, em jetté coloca-se atrás dele, imita-lhe uns cornos com os dedos espetados e deita a língua de fora, compõe o tutu e altiva mas graciosa, esfuma-se após uma ligeira vénia de cabeça.
Liberto o pulso e escuto o meu coração.
Infelizmente, resta-me um herpes labial como cicatriz deste bocado de lixo.

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