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quinta-feira, 19 de julho de 2012

El




A insónia juntou-nos, levou-me por becos escuros e esquinas mal dobradas até onde a luz amarela se faz mais parda que um gato fugitivo e ele lá estava, à porta da taberna do bairro onde vive desde sempre e metemos conversa.
Acabei em casa dele, no sofá dele, na conversa dele ou na minha conversa porque a madrugada veio, o sol encheu a sala e a janela escancarou-se para limpar a noite como uma borracha igual às que descansavam no seu estirador.
Tens de ficar comigo antes que a noite chegue de novo e aí vais ver, disse-me, ver o quê, perguntei mas ele não respondeu, cofiou a barbicha rala alongando o movimento pelo pescoço enrugado e magro.
Depois desse dia voltei lá ínumeras vezes e aprendi a magia de uma hora sem ponteiros em que este homem transforma a conversa em silêncios perigosos e ignora as presenças para se atirar janela fora para um mundo que é só dele.
El. Proibiu-me de repetir o seu nome, está convicto que faría mal a esses segundos que antecedem uma noite anunciada proferir sonoramente uma partícula que fosse do nome com que o conhecem, rasgaría toda a beleza que envolve Lisboa e perdida, afundar-se-ía no horizonte do Tejo.
Eu ri-me quando o ouvi falar disto, depois inquietei-me pela sua seriedade.
Agora, habituada à sua mutez, por vezes irritada quando ele me ignora ou se debruça sobre os seus desenhos quando o visito, bato a porta para me fazer notada, olho-o da calçada, mas sei que ele não me vê.
Só a cidade o contempla.

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