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domingo, 3 de junho de 2012

Depois das seis




Às seis da tarde, a seguir aos lanches e ainda com a mesa por levantar dava-lhe uma bonomia que só se lhe transparecía por um ligeiro rubor nas faces e um pouco de brilho nos lábios, que lambía na satisfação do que lhe ía por dentro. Também, é certo, pela réstia do doce de ginjas que forte no gosto, sempre se alarga no vestigio da alma gustativa, mas sobretudo pela grandeza da meia-hora que era só sua, unicamente sua, todo um universo de 30 minutos, intocável, sem mácula de perguntas, pedidos, inquisições, chamamentos.
Aos Domingos, depois das seis, a seguir ao lanche das crianças, quatro delas que tinham vindo todas de enfiada e depois parou, num repente parou, e ela achou que nessa altura ele lá no alto e na sua infinita misericórdia tinha finalmente acordado e houvera reparado nela. Mas não era isso que lhe dava sorrisos nem a fazía ausente da mesa de sala de jantar aos Domingos depois das seis da tarde, o seu retiro era outro, as suas mãos pousadas em cruz sobre o regaço protegíam sonhos acordados, os olhos abertos à luz serena do final da tarde descortinavam bosques que se rasgavam à sua passagem bravia, veloz, os cabelos soltos ondulavam ao sabor da crina do corcel que galopava forte, e tanto mais ele corría mais ela o espevitava, acre, suado, nos botins esporados contra a barriga.
Sorria, prosseguía, e as seis avançavam até à meia, ela louca de blusa desfraldada na montaria, chicoteada pelos ramos altos a lamber salivas com gosto de sangue, o rosto gelado, as veias quentes e latejantes do perigo da queda.
Entrou o marido, perguntou pelas crianças, ela apeou do sonho, ergueu-se, levou as mãos ao peito a esconder o palpitar do coração, compôs a mecha de cabelo atrás da orelha, pegou chávenas, tapou o frasco de doce.
No próximo Domingo, depois das seis irá mais longe, há-de tentar um salto. Nunca mais a hão-de apanhar.

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