Todos os textos são originais e propriedade exclusiva do autor, Gasolina (C.G.) in Árvore das Palavras. Não são permitidas cópias ou transcrições no todo ou/e em partes do seu conteúdo ou outras menções sem expressa autorização do proprietário.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

A importância da maquilhagem

Ele encostado à ombreira da porta da casa de banho, toalha turca enrolada à cintura, braços traçados sobre o peito observava-a pela imagem que o espelho largo de parede a parede lhe devolvia.
Ela em movimentos precisos e rápidos tirou da bolsa um frasquinho de perfume e borrifou junto aos ombros e no meio do peito, depois nos pulsos e por fim por cima da cabeleira farta e encaracolada em tom de cobre.
Olhava para si mesma, arqueando o sobrolho, esticando a pele dos lábios, afunilando a boca, como se estivesse sozinha e ignorando a presença dele.
- E agora?
- Agora, o quê?- despachou ela.
- Agora, o que vai acontecer…
- Vai acontecer que me vou vestir e vou embora, que estou atrasadíssima - rematou, dobrando-se pela cintura para vestir o minúsculo fio de dental.
E virou-se de novo para o espelho, ajeitando a peça junto às ancas. Depois sentou-se e com um esmero apurado enfiou o pé esticado na meia de vidro com costura atrás, cuidando para que aquela linha fosse erecta e sem desvios até à coxa, onde a meia terminava numa renda trabalhada. Vestiu a outra perna de negro e com desvelos alisou ambas as pernas desde os tornozelos até ao terminus. Calçou os sapatos pretos de salto alto e voltou a verificar os traços das meias agora como carris de comboio.
Ele encheu o peito de ar e tossicou levemente lembrando-lhe a sua presença:
- Temos de falar, conversar sobre isto! Quando nos voltamos a encontrar?
- Não há nada para falar e tu sabes disso! Aliás eu avisei-te desde o principio, não é assim? E agora não há tempo para conversa, tenho de acabar de me arranjar.
-Eu não acredito no que estou a ouvir! Então o que se passou ainda nem há meia hora não quer dizer nada?! Mas o que é isso??? Eu não sou papel de embrulho, que pensas?!
- AIIIIIIIIII!!!-guinchou ela.
Bateu com o tacão alto no chão denotando contrariedade, uma impaciência agastada pela insistência dele. Mirou-se no espelho com aquele ar receoso de ter a figura ou o semblante alterado pelo transtorno que ele lhe estava a causar mas como verificou que apenas tinha ficado corada, voltou à tarefa de colocar o soutien rendado. Apertou-o atrás ágil nas mãos sem a vista a conduzir. Ajeitou o formato dos seios à copa de renda e depois afagou aquela fenda entre eles com o dedo indicador, voltando a ampará-los com as mãos como se pegasse numa taça.
- Tu és linda…- murmurou ele, com os olhos brilhantes.
Ela agradeceu sem som, sem verbo; um sorriso aberto dela demonstrou-lhe o agrado, mas rápido, que logo voltou à toilette: vestiu a saia travada negra e voltou a verificar o alinhamento da costura das meias.
-Pára com isso, estás a deixar-me maluco…
-Paro com o quê?- respondeu num tom nahif e no olhar um picante poderoso que o incendiou.
-Isso, que estás a fazer…dá-me vontade de pegar em ti e voltar a atirar-te para aquela cama
-Dormir, agora? Ora, ora…bom, nem penses nisso que estás aí a magicar! Os homens só pensam nisso, caramba?!
-Não sei se só pensam nisso: eu penso que te quero agora! Há algum mal nisso?
Ela não lhe respondeu, limitou-se a encolher os ombros e a vasculhar na mala. Do seu interior retirou um rimmel, uma pequena caixinha de pó, um pincel farfalhudo e um batom.
Abriu os olhos para o espelho e passou a escova do rimmel várias vezes pelas pestanas, soprando de quando em vez para a melena cobreada que teimava cobrir-lhe a testa; passou o pincel pela face em suaves pinceladas e por ultimo espanou-o pelo colo e pelos dois montes que os seios faziam.
Foi neste gesto que ele impulsivo a tomou pela cintura marcada pelo cós da saia negra e rodeando-a, viu através do espelho uma mulher renovada na fantasia de se observarem os dois. Ela sacudiu-o mas não decidida na intenção de o afastar, pois sentiu no ventre um halo quente por aquela mão espalmada como agarrando aquilo que é seu.
-Por favor, não me despenteies…cuidado, ou vais amachucar-me a saia…- e flectiu ligeiramente as pernas como se súbito sentisse uma aflição na barriga.
Ele nem a ouviu. Sempre a olhar para o espelho, recolhia dela e de si uma imagem fantástica, percorrendo o pescoço e o ombro com a boca entreaberta numa acção de sucção que deixava marcas arredondadas por onde passava.
-Vais deixar-me marcada, patife…-mas não fez nada para o interromper e pôs o pescoço alto a jeito para que ele continuasse, inclinando-se levemente.
Pegou no batom e retirou a tampinha, rodando para fazer sair aquele tubo brilhante cor de cereja. Colocou-o sobre o lábio superior e delineou o formato; a ponta da língua apareceu naquela espécie de bocejo; depois desenhou a polpa do lábio inferior por várias vezes. Apertou os lábios um contra o outro e quando se preparava para passar uma segunda camada ele retirou-lhe o batom da mão. Fez subir um pouco mais aquela cor cereja e quase no seu limite passou-o com cuidado e esmero pela boca dela. A forma que as curvas dos lábios reflectiam no espelho adivinhavam uma elipse, que ela gostou. Pestanejou e suspirou. Ele voltou a repetir o gesto e depois com a mão livre fez saltar o peito dela para fora do soutien, que agora amparado por baixo por aquela faixa amachucada de renda, se empinou. Empunhando o batom levou-o até à ponta dos seios e com uma precisão de relojoeiro desenhou dois círculos perfeitos a cor de cereja. Ela agarrou-se com ambas mãos à bancada de mármore e deitou a cabeça para trás para o ombro dele.
-Será que sabes a cereja?-segredou-lhe ao ouvido.
-Experimenta-me e terás a resposta-disse-lhe ela muito baixo.
Mas a primeira coisa que ele fez foi abrir o fecho da saia preta, baixá-la, meter as mãos à bruta na cabeleira farta acobreada para logo depois lhe dar um puxão violento no fio dental que estalou e se perdeu na casa de banho.
- Ai, meu deus…- sussurrou ela - Vou chegar atrasada…- mas não prosseguiu pois ficou estarrecida a ver-se ao espelho, a boca dele colada aos picos daqueles dois montes enfeitados a cereja, e quanto mais a molhava com os lábios mais o peito se endurecia e subia.
Ela arrancou a toalha que o embrulhava de uma só vez e seráfica ameaçou-o: -Já vais ver o que te faço… Não houve tempo: ele agarrou-lhe uma perna elevando-a como um desenho de um esquadro; pernas maquilhadas de meia negra com uma costura erecta por onde ele se guiou como uma bússola até descobri-la por dentro.
E as imagens que de si se ofereciam, devolvidas pelo espelho mágico transportavam-nos numa libido voluptuosa que cama alguma lhes tinha dado até então.
Ficaram depois, a ver-se no espelho, corados e brilhantes pelo esforço e pelo prazer.
Ela olhou para o relógio pousado em cima da bancada e rindo-se exclamou:-Que se lixe! Agora já nem atrasada estou!





(in Contos da Fogueira, C.G.-06/10/2005)

8 comentários:

marisa disse...

Adorei. Descreves momentos de forma perfeita, as palavras saem da tua pena em tom certíssimo.
beijo de admiração

marisa

SONY disse...

Gas,
Tu és fantástica a escrever...tornas tudo de uma forma bonita de se ler, agarras-nos aqui até ao fim.

Gosto mesmo de ti assim Gasolina!

*hepa a minha casa de banho é toda de mármore :-)

Jito de malvadez Sony :-)

JC disse...

Bonito texto. Quando o amor é fogoso tudo isto pode acontecer.
Beijinhos

ASPÁSIA disse...

GAS

TÓRRIDO ! E É ASSIM MESMO QUANDO AS COISAS "ESTÃO AO RUBRO"...

A PEQUENA ESTAVA SEGURA DA SUA SUPERIORIDADE EM "REPETIR A DOSE"... MAS, COM A AJUDA DO ESPELHO MÁGICO, E UNS TONZINHOS DE CEREJA POR AQUI E ALI... A COISA ROLOU!
EU ESPERO QUE ISTO NÃO FICASSE POR AQUI E AO PRAZER DOS SENTIDOS SE TIVESSE JUNTADO MAIS TARDE UMA COMUNHÃO DAS ALMAS, AINDA QUE NÃO FOSSE ESSA A INTENÇÃO PRIMITIVA DESTES AMANTES FORTUITOS!

BEIJO DA BOCA E DO CORAÇÃO!

Gasolina disse...

Marisa,

Obrigado Querida Marisa.

Mas este texto tem o "defeito" dos longos... e aqui no virtual, o tempo consome-se rápido. Ou a pachorra...

Um beijo para ti. Verdadeiro.

Gasolina disse...

Sony,

Formiguinha... que esse mármore imortalize muitos "contos da fogueira".

:~D

Obrigado pelas tuas palavras, sempre de ânimo, sempre presentes.

Abraço-te nas seis patinhas!

Gasolina disse...

JC,

Quando a entrega é sem limites o incêndio queima ilimitadamente.

Beijo em dia feriado.

Gasolina disse...

ASPÁSIA,

ESTA COISA DA PAIXÃO E DOS AMORES, NO FUNDO É SEMPRE UM TRIO: ELE, ELA E A IMAGINAÇÃO.

BEIJOS MUITOS, MUITOS, JARDINEIRA!