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domingo, 28 de setembro de 2008

Cenas banais

Escondeu a boca na mão fechada, bocejou, tentou disfarçar o tédio que lhe causava aquela zoada da voz alheia e no entanto, conseguía distintamente aperceber-se de todas as conversas que se desenvolvíam ao redor, perguntas e respostas, afirmações, até acusações, estas as que melhor lhe chegavam e respondía muda como se fosse pertença dela o diálogo, esquecía-se de seguir o livro que mantinha aberto entre mãos, colava os olhos nas frases impressas e não vía nada, tentava adivinhar o rosto e a expressão dos julgados, o que diríam em defesa, o que alegaría ela caso fosse ela que estivesse sentada em frente do seu juíz, quería despachar aquilo, talvez o acusasse retoricamente, sem debilidades de dependência amorosa ou invocação de tempos melhores, avançar sem medo de uma solidão futura e bocejou, já não era fastio, era saber de antemão o que se seguiría, as lágrimas chegaríam mais tarde, não muito, mas o tarde suficiente para não haver tempo de lhe dizer tudo ou dizer-lhe tudo quando devería ter permanecido calada, apanhou ao acaso uma frase do livro e ficou-se por ali a lê-la muitas vezes sem entender o sentido das palavras, insistiu, uma das vozes calou-se, voltou a perder o interesse na leitura, seguiu o passo que saíu acelerado a fugir do local do crime, pensou que o crime não compensa e disse adeus também, conforme a mulher que saíra dissera segundos antes ao homem que lhe pedira para ficar.

18 comentários:

impulsos disse...

Minha amiga, escreves com mestria!
Fazes um delicioso texto como este e ainda por cima, das-lhe um título destes... cenas banais de vidas igualmente banais, mas tão importantes para qualquer um de nós.Ou não fossem as nossas vidas!

Beijo

O QUATORZE disse...

Boa Tarde
Não entendi o ponto.
Amizade
LUIS 14

SONY disse...

Hum!!

Cena?

Desta vez não comento...calo-me perante tua escrita!

Vou eu fugir do local do crime!
:-)
Para alguns deve compensar...

jitos,
sony

pront'habitar disse...

quando os nossos pensamentos são fortes e preocupantes é difícil concentrarmo-nos na leitura.

Teresa Durães disse...

quando tudo é previsível

margarida já muito desfolhada disse...

a cena mais banal pode ter enorme importância e deixar marca profunda durante anos.

Gasolina disse...

Impulsos,

Olá (sorrio, sorrio muito)!

Obrigada pela tua generosidade, sempre.
Mas é de facto um quadro "tão" banal que muitas vezes "raspa-se" por nós e nunca mais o recordamos; doutras, entranha-se.

Um beijo Querida Impulsos, muito bom ver-te aqui.

Gasolina disse...

Luís XIV,

O ponto?
Significa que a cena acabou: a da mulher que deixa o homem, e a da mulher que escuta a conversa alheia como se fosse dela.

Fica bem!

Gasolina disse...

Sony,

Com tantas patinhas de Formiga deves desaparecer bem rápido da cena do "crime"! eheheheh!

beijos para ti, dos grandes claro!

Gasolina disse...

Pront'habitar,

É verdade.
Mas aqui parece-me que a mulher se prendeu a um diálogo parasita, pois não tinha o dela.
Talvez isso seja a maior das preocupações. E não há livro por mais bem escrito que a salve desse solidão.

Gasolina disse...

Teresa,

Cada vez mais as pessoas fazem da vida de outrém a sua... não há filmes a estrear, só reposições.

Um beijo

Gasolina disse...

Margarida,

Tens razão.

Há coisas que recordo e me marcaram que parecem ser infinitamente simples de se entenderem e nada de extraordinário faría supor que passado tanto tempo ainda as lembro em tantos pormenores.

Porque será?

Obrigado por florires de novo a Árvore.

ASPÁSIA disse...

HÁ SEMPRE ALGO DE COMUM ENTRE AS NOSSA VIVÊNCIAS E AS DOS OUTROS...

A MULHER QUE LIA ACABOU POR ABANDONAR A HISTÓRIA DO LIVRO PARA SINTONIZAR VOZES REAIS, PASSOU DA INTERIORIZAÇÃO PARA UMA REALIDADE DOS OUTROS, QUE NÃO DESEJOU, MAS A QUE NÃO SOUBE ALHEAR-SE...

BEIJINHO SINTONIZADO NA ÁRVORE!

Gasolina disse...

ASPÁSIA,

SERÁ CUSQUICE?
FALTA DE ASSUNTO SEU?
VIVER PELOS OUTROS?
OU EMPATIA?

UM BEIJO DE (SEMPRE) SINTONIA JARDINEIRA

Mateso disse...

As emoções pessoais sejam elas sublimes ou mesquinhas têm a tendência de se sobreporem a todo o resto. Cena banal no fluir comum de um quotidiano vivido...
Bj.

Gasolina disse...

Mateso,

É bem verdade.
E temos sempre tendência a dimensioná-las. à volta do nosso umbigo.

Um beijo

marisa disse...

para mim nestes momentos funcionas como uma câmara fotográfica que produz palavras cuja leitura as traduz em fotos, mas fotos com alma! complicado, não? mas penso que entendes o que eu quero dizer.

bj

marisa

Gasolina disse...

Marisa,

Compreendo-te claramente.
E é uma honra sentir-me lida dessa forma.
Pudera eu ter a capacidade para sempre escrever fotos... e com alma.

Um beijo Minha Amiga.