Escondeu a boca na mão fechada, bocejou, tentou disfarçar o tédio que lhe causava aquela zoada da voz alheia e no entanto, conseguía distintamente aperceber-se de todas as conversas que se desenvolvíam ao redor, perguntas e respostas, afirmações, até acusações, estas as que melhor lhe chegavam e respondía muda como se fosse pertença dela o diálogo, esquecía-se de seguir o livro que mantinha aberto entre mãos, colava os olhos nas frases impressas e não vía nada, tentava adivinhar o rosto e a expressão dos julgados, o que diríam em defesa, o que alegaría ela caso fosse ela que estivesse sentada em frente do seu juíz, quería despachar aquilo, talvez o acusasse retoricamente, sem debilidades de dependência amorosa ou invocação de tempos melhores, avançar sem medo de uma solidão futura e bocejou, já não era fastio, era saber de antemão o que se seguiría, as lágrimas chegaríam mais tarde, não muito, mas o tarde suficiente para não haver tempo de lhe dizer tudo ou dizer-lhe tudo quando devería ter permanecido calada, apanhou ao acaso uma frase do livro e ficou-se por ali a lê-la muitas vezes sem entender o sentido das palavras, insistiu, uma das vozes calou-se, voltou a perder o interesse na leitura, seguiu o passo que saíu acelerado a fugir do local do crime, pensou que o crime não compensa e disse adeus também, conforme a mulher que saíra dissera segundos antes ao homem que lhe pedira para ficar.
CAPÍTULO QUARENTA - DE VOLTA A CASA
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Ao fim de pouco mais de três meses Alberto fechou a conta e a familia
regressou à casa renovada.
Maria da Luz apenas tinha ido por uma vez ver o decurso das...
18 comentários:
Minha amiga, escreves com mestria!
Fazes um delicioso texto como este e ainda por cima, das-lhe um título destes... cenas banais de vidas igualmente banais, mas tão importantes para qualquer um de nós.Ou não fossem as nossas vidas!
Beijo
Boa Tarde
Não entendi o ponto.
Amizade
LUIS 14
Hum!!
Cena?
Desta vez não comento...calo-me perante tua escrita!
Vou eu fugir do local do crime!
:-)
Para alguns deve compensar...
jitos,
sony
quando os nossos pensamentos são fortes e preocupantes é difícil concentrarmo-nos na leitura.
quando tudo é previsível
a cena mais banal pode ter enorme importância e deixar marca profunda durante anos.
Impulsos,
Olá (sorrio, sorrio muito)!
Obrigada pela tua generosidade, sempre.
Mas é de facto um quadro "tão" banal que muitas vezes "raspa-se" por nós e nunca mais o recordamos; doutras, entranha-se.
Um beijo Querida Impulsos, muito bom ver-te aqui.
Luís XIV,
O ponto?
Significa que a cena acabou: a da mulher que deixa o homem, e a da mulher que escuta a conversa alheia como se fosse dela.
Fica bem!
Sony,
Com tantas patinhas de Formiga deves desaparecer bem rápido da cena do "crime"! eheheheh!
beijos para ti, dos grandes claro!
Pront'habitar,
É verdade.
Mas aqui parece-me que a mulher se prendeu a um diálogo parasita, pois não tinha o dela.
Talvez isso seja a maior das preocupações. E não há livro por mais bem escrito que a salve desse solidão.
Teresa,
Cada vez mais as pessoas fazem da vida de outrém a sua... não há filmes a estrear, só reposições.
Um beijo
Margarida,
Tens razão.
Há coisas que recordo e me marcaram que parecem ser infinitamente simples de se entenderem e nada de extraordinário faría supor que passado tanto tempo ainda as lembro em tantos pormenores.
Porque será?
Obrigado por florires de novo a Árvore.
HÁ SEMPRE ALGO DE COMUM ENTRE AS NOSSA VIVÊNCIAS E AS DOS OUTROS...
A MULHER QUE LIA ACABOU POR ABANDONAR A HISTÓRIA DO LIVRO PARA SINTONIZAR VOZES REAIS, PASSOU DA INTERIORIZAÇÃO PARA UMA REALIDADE DOS OUTROS, QUE NÃO DESEJOU, MAS A QUE NÃO SOUBE ALHEAR-SE...
BEIJINHO SINTONIZADO NA ÁRVORE!
ASPÁSIA,
SERÁ CUSQUICE?
FALTA DE ASSUNTO SEU?
VIVER PELOS OUTROS?
OU EMPATIA?
UM BEIJO DE (SEMPRE) SINTONIA JARDINEIRA
As emoções pessoais sejam elas sublimes ou mesquinhas têm a tendência de se sobreporem a todo o resto. Cena banal no fluir comum de um quotidiano vivido...
Bj.
Mateso,
É bem verdade.
E temos sempre tendência a dimensioná-las. à volta do nosso umbigo.
Um beijo
para mim nestes momentos funcionas como uma câmara fotográfica que produz palavras cuja leitura as traduz em fotos, mas fotos com alma! complicado, não? mas penso que entendes o que eu quero dizer.
bj
marisa
Marisa,
Compreendo-te claramente.
E é uma honra sentir-me lida dessa forma.
Pudera eu ter a capacidade para sempre escrever fotos... e com alma.
Um beijo Minha Amiga.
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