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sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Homem namorando mulher

Deitou-a na parede. À bruta. Bateu-lhe os pulsos apertados nos vincos vermelhos das mãos e encostou-lhe o joelho na púbis pressionando devagar. Confrontaram-se nos olhos. Ela separou os dedos e depois projectou-os na garra dirigida ao rosto que se aproximava do seu. Reflexo, desvio, escape, guarda, sacudiu-lhe os braços de novo contra a cama improvisada forrada de florões de hortênsias muito desmaiadas sem cheiro nem relevo, só bafo da respiração, cheiro o do cuspo, cheiro o de corpo, não é suor, é identidade. Devagar investe, ela roda o rosto, descobre-lhe o vertice do pescoço. Ele lambe-lhe a maçã, a têmpora, a sobrancelha, o olho que se fecha à humidade mole da lingua lenta que se recolhe, saboreia, activa as papilas na derme que se vai fechando em minúsculos poros e liberta fluidos invisiveis. O joelho roça-lhe ocupado o sexo que aquece e deixam crescer os seios sob a roupa que pesa tanto como chumbo e os olhos pedem agora que o alivio se faça sem a tortura continuada que ele observa em cada pedacinho de pele arrepiada e pronta para o que nega e ainda resiste. A barba arranha-a, magoa-a, arde-lhe orvalhada no lóbulo, nos fios de cabelo presos, na dentada violenta que sente pelo corpo todo. Grita. Doeu. As lágrimas que saiem em fio e se penduram no lábio, pelo queixo, no colo salgam a ferida que se abre à vontade de ter, ser, existir para além de um invólucro que vai dando sinais primitivos na fome da sobrevivência. Fundem-se na parede, emolduram-se.


O criado fardado de libré e luvas brancas endireita o quadro. Afasta-se verificando a sua esquadria. Sorri pelo seu zelo.



(in Telas, C.G.-Março/2007)

12 comentários:

Charlie disse...

Que texto magnífico!
Verdadeiramente genial.

Paulo Afonso Ramos disse...

Soberba descrição!
Beijos

Gasolina disse...

Charlie,

Muito Obrigado.

Este é o terceiro texto que retiro do "Telas"; os outros dois passaram no "Flor da Palavra", agora murcha.

Quem sabe um dia deste mais virão a lume?

Gasolina disse...

Paulo Afono Ramos,

Não preciso de dizer o quanto me deixa feliz e gratifica te ver na Árvore.

Muito obrigado. Por tudo. O que és, o que escreves e todo o apoio que me dás sempre.

E como já sabes, gosto de beijos.

Um meu para ti.

R disse...

Que descrição genial. Ao ler parece que também somos arrastadod por esse desejo e "pelos sinais primitivos". Adorei a conclusão do texto.

Gasolina disse...

RB,

Olá, quanto tempo.
És sempre bem vindo à Árvore.

Obrigado, mas um pouco exagerado no adjectivo, não achas?

Um beijo para ti

Ema Pires disse...

Um texto magnificamente escrito. És uma imensa escritora, querida amiga. Nao me admira que te copiem alguns (ou algumas).
Beijinhos

Gasolina disse...

Ema,

Minha Grande Amiga de Fogo, muito obrigado pela tua generosidade, sempre igual a ti mesma.

Pois... quem dera tivessem vergonha e não o fizessem. Mais ainda porque são ELAS que mais plagiam.

Besos para ti, siempre!

SONY disse...

Gasolina,

Conseguiste ver aquilo tudo numa tela?

Gostei imenso, agora cabe-me a mim imaginar a tela na parede...

Um beijo imenso,

Sony

Mateso disse...

Qual a escola? impressionismo, neo-realismo? Que importa ! A realidade que ao ler se vê.
Bj.

Gasolina disse...

Mateso,

Impressionista, sem duvida.

Mas também depende dos olhos do coração.

Beijo para ti.

Gasolina disse...

Sony,

E não se consegue?

Tudo isto e mais um monte de estórias.
Basta ouvir a tela a respirar e a soprar-nos...

Experimenta.
É simplesmente - libertador.

Um beijo Formiguinha