
- Então? Que me dizes? Sim?
Encolheu os ombros, torceu os lábios mas não abriu a boca, manteve o mesmo movimento de rotação com a ponta do dedo à volta da chávena. Para falar verdade, não ouvira nada do que ele lhe dissera até àquele "Sim?", mais lhe parecera uma campaínha a despertá-la do que uma conversa. Fazía-lhe confusão todo aquele corropio de gente a entrar e a saír sem entrar nem saír propriamente dito, tomar um cappuccino na área de restauração de um centro comercial é sempre estranho, pensou, ninguém está a céu aberto mas também não estão dentro de um café, de casa, das suas casas. Ela olhou para os lábios dele e tentou ler o que eles lhe dizíam mas não conseguía ouvi-lo e no entanto, era incessante aquele movimento, formavam pequenas pregas, vincos, entreabíam-se, era quase ridiculo o que ele conseguía fazer... era um discurso enorme, a boca dele não paráva e ela bem se esforçava mas não percebía nada, nada lhe chegava de som, ou qualquer coisa parecida com a linguagem dela para que entendesse a mensagem. Mas ouviu uma gargalhada por detrás da sua cabeça, depois outras a fazerem coro. Não estava surda, porque não ouvía o que ele dizía? Entregue a estes pensamentos falhou o dedo à volta da chávena, a espuma branca do cappuccino veio por fora e algumas gotas salpicaram-lhe a mão, o pires, o tampo da mesa. Ele agarrou-lhe a mão e ela não teve tempo de lhe dizer que estava suja, que a mesa onde ele apoiava os punhos da camisa estava suja. Sentiu o seu indicador encolher-se dentro da palma das mãos dele. E sempre aquela boca incansável a articular coisas incompreensíveis. E as gargalhadas cada vez mais alto. E cada vez mais gente à sua volta sem parar aquele movimento de rotação à volta da sua mesa.
CALEM-SE!!!