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sábado, 29 de novembro de 2008

Lembrar Novembros

Agora tenho frio. Muito. Sopro na concha das mãos, amornando um nevoeiro branco, denso, que envolve a cidade e disfarça as árvores galhudas em edificios fantasmas, os faróis dos carros em enfeites de pré-natal.

Agora farejo um fumo cinza, mascarrado de castanha assada, o pregão do amolador mais o do vendedor piam escondidos nas abertas de água gelada que impiedosamente tomba sobre quem corre à procura de refúgio.

Agora, em peúgas de grossa lã consolo nas vidraças riscadas a chuva do lado de lá, as papas de aveia misturadas na casca do limão, que este amarelo lembra o sol, a canela traz-me o sonho de outras latitudes e o dedo que guia estas estradas escorregadias desenhadas no negrume do céu, imita vagas e adamastores.

Agora embrulho tudo na minha memória e sou pequenina outra vez.

Para onde foram o frio, a chuva, o aconchego de casa, o colo da mãe?Basta apenas fechar os olhos e tão perto como nunca sinto a aspereza da fazenda molhada, o morno do banho quente, os vapores de eucalipto, as mezinhas de bem-fazer...e quanto mais o tempo avança e eu me distancio de farrapos de lembrar, mais perto fica a saudade e mais sonho com a minha infância.


(C.G., Novembro 2005)

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Ir&Voltar

A última vez que o vira estava o tempo atirado em soprar forte e molhar sem escape todo e qualquer um. Depois desses dias de temporal, cinzentos e mal humorados que mais parecíam ter acontecido há um ano nada mais soubera dele. Assim como lhe surgira ao caminho impetuoso e folião, também da mesma forma surpreendente havía aos poucos, desmanchado aquele fio entrançado que cativa as pessoas. Apercebeu-se que ele quería a liberdade de não ter que aparecer, de não dizer Olá ao telefone, Sou eu diz lá então, de não ter que sorrir, estar perto, estar a apoiar. E um dia foi o ultimo dia que apareceu e a chuva e o vento surgiram fortes para o substituír, como uma presença gelada.

Aos poucos o coração acalmou, o pensamento desviou-se para as coisas praticas da vida, a memoria diluiu a saudade.

Foi quando já não se lembrava dele que a vida se lembrou dela e encaminhou os rumos de volta um ao outro.

Desordenadamente o coração disparou imagens de um passado recente, a dor adormecida rugiu na culpa apontada sem palavras. Ele quis recuperar o que não disse. Ela disse que este era outro tempo, ela própria outra pessoa.

E ambos naufragos do dizer, deixaram levar-se ao saber da maré, sem forçar as ondas para não perder a força toda da vida e conseguirem nadar até uma paz interior que fizesse sarar as feridas do ir e voltar, sem nada temer.



(C.G. Novembro 2006)

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Amar, Amares

Perdi a fé da certeza. O dominio tornou-se absorto quando tudo se quer em dois, quando se acha que amor maior foi o que não se teve para sempre e o presente sendo encantado tem a falha da realidade.
Agora que me é dado voltar aos braços da paixão um som agudo baralha-me os sentires e tanto quero correr como parar para ouvir de olhos fechados pautas que me alucinam. Afinal foram elas que me mantiveram viva neste balão de oxigénio e rude, ingrato e de má memória sería se estouvada virasse costas de vez e apagasse o que escrevi.
Mas o amor, o amor, a dor do amor, aquela coisa rasgada no peito que ajudamos a esgaçar ainda mais e pedimos leva tudo, leva-me tudo...
A verdade, eu disse.
A verdade é que perdi a fé da certeza quanto ao meu amor. Quero amar dois, posso amar dois? Quero letras feitas a golpe de mãos pelos ares, a minha caligrafia no cénico, quero passos no papel branco, quero jetés e attitudes que se encadernam de folhas pisadas nas fluviais madrugas em que o sol nasce quando parto e se põe quando arribo, quero a hora do lobo em que me ponho de mulher e quero a chuva a despentear-me os gritos com que empurro o silêncio das palavras ditadas pelos outros de mim.
Quero tudo. Quero dançar mas também quero escrever.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

...Contar

E eram as vozes, as vezes, as vitórias o que mais afligia o seu olhar arqueado quando o encontrava mal escondido por esses cantos de esquadria duvidosa em que o tecto eram palavras ao rubro ou queixumes de mau actor, tão repetidos que perdíam a memória do belo e a raiva subía-lhe e derretía-lhe sobrancelhas e vincos na testa atirando-lhe as mãos para o chão e uma cauda pontiaguda em abano lento que do inimigo se montava belzebu, acabava-se a morder as garras, as patas, a lamber a dor pelo pêlo ralo que tasquinhava para que de novo visse sob os dedos e as unhas e todas as articulações flexíveis da sua lembrança atiravam-na de cara e boca e nariz ao papel velhaco que se esfregava. Ficava doente. Embrulhava-se no seu corpo, puxava a pele ao esqueleto e febril acreditava ainda uma outra vez que as palavras não podíam ser tão mentirosas.

Como sempre, nessa noite e nessa madrugada a respiração será o que ouve, a escrita o que lhe cai como cabelo que se perde. Outros hão-de nascer.

Até usará daqui a uns anos todas as vozes, todas as vezes e todas as vitórias em que a mentira foi bela ao estar escondida no verbo mal aproveitado pelos recantos que de tantos encostos e tantos roçares se profanaram no corriqueiro para fazer sorrir-se ao desenhar com tempo, finalmente, letras a dizer, a verdade, a verdade mesmo sobre mim vou eu agora contar...

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Multiplicidades

Assim me encontro, dividida, porém não mutilada, do corpo partilha-se o ir, voltear, estaca em muitos assentos, um gancho invisivel que me compõe o tronco erecto, dos pés circulos, elipses, sobeja-me a vontade de linhas a direito, fios de tinta que me choram estórias de outros. Eu sou o outro de mim e o tempo é-o de passados que se fazem hoje, sons de verbo que ecoam no chamamento do passo que retorna a casa, à paixão primeira de escrever dançar.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Dardos




Com o Prémio Dardos reconhecem-se os valores que cada blogger emprega ao transmitir valores culturais, éticos, literários, pessoais, que em suma, demonstram a sua criatividade através do pensamento vivo que está e permanece intacto entre as suas letras, entre as suas palavras.


Esses selos foram criados com a intenção de promover a confraternização entre os bloggers, uma forma de demonstrar carinho e reconhecimento por um trabalho que acrescente valor à Web.


Quem recebe o Prémio Dardos e o aceita deve seguir algumas regras:


1. - Exibir a distinta imagem;

2. - Linkar o blog pelo qual recebeu o prémio;

3. - Escolher quinze (15) outros blogs a quem entregar o Prémio Dardos.


O OLHO de LINCE e o VICTOR da OFICINA das IDÉIAS ofereceram estes dardos à Árvore.


É com carinho que os aceito.


Tal como já o disse, quem é dardejado sabe-o, não os apontarei aqui.


Obrigado pela generosidade da Oficina, obrigado pela vossa amizade tão bonita, Oficina.


Um beijo

(Afinal)Também consigo ver a árvore ao longe

Dias de areia. Seca, muito. A precisar de me afastar e ver a paisagem no seu todo e numa só mirada sem me prender a detalhes ou a algum pormenor que me leve o resto da luz boa para poder admirar o resto.


Dias de escorrer minutos a baterem-me nas pestanas, a faca a entrar amadora golpeando ao azar a sorte de apanhar carne em vez da dureza do osso. Vai doer, pois vai, deixa doer, por vezes tem de doer para se estar certo que se precisa e que o trajecto que o sol faz até aos olhos é para beliscar a dormência do hábito, arder para acordar, pôr-se para despertar no outro lado da lua.


Dias de leitos sem água. Muita sede, a que sabe a água? A água não sabe a nada, sabe sim, senão eu não a desejava.


Dias de saudade, dias de caderno, dias de falar e não escrever, dias de contar e não esperar, dias pelo dia sem acrescento de horas nem invenções violentas para imaginar que a noite também é dia quando quero.


Não é. E ainda bem.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Não (Quero escrever mais)

A grande questão é: Merece?

Aquele que se deita sobre o branco e perde a noite na fenda aberta dos pulsos escapando-se-lhe tudo, o que de si é, o que de outros se torna mata-borrão, os desejos, os projectos, o amanhã faço, o ainda um dia hei-de ser, o que escarafuncha e se mói, dilacera em fanicos de vidro espetados nos pés de lá para cá à procura, sempre à procura e a experimentar o que dói e o que ri e que espera infinito a próxima vez, há sempre a próxima no adiar do que nunca chega, este tumorzinho que infecta por dentro e cresce em tantas cabeças quantas o esquizo enfrenta todos os dias nos punhos batidos do próprio rosto a imagem de um seu único e intransponível, teluricamente entre o amor manjado de boca aberta e o remoinho perfurante de ódios que aninha para saber dos dois lados do muro que ele é o muro, o de si mesmo, o golpe certo do fio luzidio que o racha e se escombra em esboroados atirados à água.


Canso-me.


A grande questão.


Qual a imagem mais bonita? A que se deita narcísica ou a que em circulos ecoa na superficie das águas que escondem o fundo?


Canso-me por vezes...


Pereço ao verbo, não mereço esta mágoa.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Ausente

Sentou-se.
Depois abraçou-se a si mesma, entortou os joelhos, os pés, dobrou-se e verteu-se, tombada a cabeça sentiu os pensamentos ensanguentarem-se, o dedilhar nas costas como asas de pássaro que se atiram aos traços verticais de aço, os olhos a dizer que para lá da prisão do corpo há uma pele mais elástica semelhante a um balão perdido num dia de vento.
Apertou-se mais e mais, já era outra que se abraçava.
E deixou escorregar lenta e derretidamente do regaço fechado a tristeza que não chorou.

domingo, 9 de novembro de 2008

Jardinar




Da Jardineira ASPÁSIA para esta Árvore.




Muito obrigado, um beijo de quatro Estações para ti.

sábado, 8 de novembro de 2008

Fundo

Agora e aqui é verdade. Daqui a nada pode já não ser. Por isso, mais uma vez não diz.
É que há momentos em que uma simples palavra tem tanto peso que pode sentir-se a pedra atada aos pés do afogado e mergulhar-se, fundo, fundo nos olhos do outro.
Por isso hoje e mais uma vez sentiu-o mas não lho diz. Aguenta-se. Como quando ele a cavalga e se sente suar perto do fim. Aguenta-se. Depois que se atirem os dois, mas só depois.
Hoje esteve perto de se atirar e de lhe dizer. E ía dizer. Mas ele disse-lhe que ela devía escrever sobre eles e ela sentiu que aí tinha mesmo de dizer a verdade.
Por isso não escreverá nada nem lhe dirá. Se calhar nunca.
Por isso quando ele lhe disser amo ela dirá gosto. Mesmo que a pedra leve escrito amo-te.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Ao passar ouço...

Eu não disse? Eu não disse???

Deixou-a sózinha, diz que se apaixonou...

Não é por ser meu filho, mas é sobredotado!

Percebe? Tá a perceber?

Eu perdía-me por aquela mulher!

Aquela gaja?! Jura!

Vinha tudo escritinho na revista...

Não tenho trocos!

Disse-lhe tudo, tudo! Não ficou nada por dizer!

Vai mas é trabalhar oh!

Para mim chega! Nunca mais!

Mas tu... ainda agora saíste duma...

Que posso fazer?! Tenho de aguentar... não é por mim!

Não sei o que lhe oferecer, dá-me aí uma idéia!

Ficam doidas! É o que te digo!

Pensa que está a lidar com aquelas putas...

Destak? Destak? Destak?

Prá bicha! Respeite a bicha! A fila! Há gente na fila!

Não sei se o decote... é a primeira vez que saio com ele...

Amo-te...

Nem o posso ver!


Afasto-me. O Tejo fala comigo. Nitido. Eu também, Rio, eu também...

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Distinção Novembro 2008




Há blogs que pela sua qualidade me merecem destaque.Seja pelas palavras ou pela imagem, pela constância do nível e empenho do seu autor, pela inovação dos temas, pela simplicidade com que me fazem viajar. Pelo tanto que me dão.


Assim, resolvi publicamente nomeá-los, sendo certo que a regra única é o meu gosto pessoal pelo blog.Não é um prémio nem um meme.Não é uma corrente e logo não é transmissível a mais ninguém pelo que só a Árvore das Palavras tem o direito sobre o registo de os indicar e o indicado não o pode oferecer.


Todos os meses, aos primeiros dias, revelarei a minha escolha. Publicarei aqui o selo Distinção Árvore das Palavras com a identificação do meu seleccionado de cada mês e gostaría que o blog distinguido também o exibisse. Mas isso já fica por decisão do visado.


Novembro é azul. É aArtmus, é Mateso Azul.


Se se quiser viajar a qualquer ponto deste globo e conhecer gentes de outras culturas, sentar a uma mesa e servir do caldo, chorar a solidão de um emigrante nas grandes urbes, partilhar de coqueterie ou nostalgicamente colher os frutos do Outono procure-se aqui. Um território de qualidade, som de qualidade, imagens de qualidade.


Porque este azul é diferente.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Um bocadinho, p.f.

Chegou o fósforo ao pavio. Um halo amareleceu ao redor, carantonha grotesca dum rosto mal alumiado e nariz torcido no odor acre da cabeça incendiada.
Suspirou profundamente. A chama deitou-se, mas resistente voltou a endireitar-se e ainda se afiou mais.
Traçou os braços sobre a mesa, o queixo apoiado forçando os lábios dilatados. Ficou a olhar a vela consumir-se, lenta, gotejante, grumos escorrendo até ao pé fortalecendo a base. Coçou a barba, um ruído de serrilha sobre papel lembrou-lhe das queixas dela, a abrasão sobre as bochechas, o arranhar no ventre, a vermelhidão esfolada entre coxas.
Fechou os olhos.
Mas mesmo assim sentía a luz que embora tão frágil lhe acendía a boca dela, amas-me, e ele não dizía nada, dava-lhe a mão, beijava-lhe a palma da mão e fechava-a guardada na sua. E guardava-lhe os sabores, todos, os do pescoço, os do cabelo molhado, os das covas dos braços pela Primavera, amas-me, e ele não dizía nada, encaixava o queixo dela nos seus olhos e fazía força. Ficou-lhe também o gosto, o da pele, o das palavras jorradas como leite fresco, o das mãos nas suas costas a arrepanharem tudo para dentro dela e a selar, amas-me, e ele não dizia nada, pegava-lhe ao colo e soprava de mansinho no nariz dela.
Abriu os olhos.
A vela, torta, carcomida pelo fogo de um lado alargara-se na base. Calcou com o dedo, notou-lhe a marca das suas impressões digitais.
Amas-me, um bocadinho só, assim, pequenino que caiba no meu coração? um bocadinho? Sim? Por favor?
Molhou os dedos na saliva e apertou o pavio.

domingo, 2 de novembro de 2008

Novembro

Mês onze.


Já gastei de tantas palavras que me forraram por dentro e mal tenho para tapar o que me vai na pele, um tropeção até aqui, ainda há pouco paramentavam os dias grandes decisões, beijos, abraço a ti, ainda há tempo, amanhã então, amanhã amores, mas cansou-se a queda montanha abaixo e quase no sopé procuro letras que me escavem degraus para outra subida.


Novembro-me.
No frio de fora e nas mãos por dentro.
Nas castanhas que assam lembranças e nos olhos que cortam outras metas.
Nos jogos de cores dourada e vermelha e nas pardas tardes de nostálgicos suspiros.


Cheguei a este contador de tempo, mais uma folha, a décima primeira é tão só menos uma, sempre menos de mim quanto o tanto que já usei.


(in Calendário 2008, C.G. -Novembro/2008)

sábado, 1 de novembro de 2008