Todos os textos são originais e propriedade exclusiva do autor, Gasolina (C.G.) in Árvore das Palavras. Não são permitidas cópias ou transcrições no todo ou/e em partes do seu conteúdo ou outras menções sem expressa autorização do proprietário.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

02/2005-23/12/2015




AMO-TE GASPAR
 
 

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

O céu da boca (Palavras Reencontradas) 12



[...]

Aquele foi um tempo de infortúnio porque de desperdício, porque de fartura, de riqueza e de felicidade e de tristeza e de tanto que me enchía a boca como as mãos na direita ou na esquerda sem escolha preferida porque chegavam sempre sem sossego e eu agradecida corría ao papel que tinha ou à memória que aguentasse para registar o que não se estancava.
Tempos de mãos rotas, a Versailles ficou como um marco de loucura que observo como vicio que receio de voltar a render-me e do lembrar tanto que me esqueci, ainda tanto que redescubro como escondido no céu da boca a pensar que já o escrevi nalguma página arrecadada, amachucada e perdida por querer perder, reencontrada por reviver afastada assistindo aos actores de mim e outros desconhecidos, à espera, entre o ruído da vida de muitas palavras a entrarem e a saír, a sua vez de dizer.

 
[...]
 
(in O céu da boca (Palavras Reencontradas), Julho 2014)

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

O bater do coração (trinta)


 
Entre o uso das mãos nas mil tarefas de obrigação maquinal, as de prazer à escrita e também as de surpresa na surpresa do reencontro.
Abraço profundo, longo, apertado, muito enlaçado como se os dois corpos reconhecessem de imediato as suas formas de ajuste, respiradamente precisado.
Afastamo-nos e deixamos presas as mãos na ligação do pensamento, como estás que te tinha em tanta saudade, e dessa saudade não lembramos a dor da distância nem a lonjura do ausente, só cresce a bonomia da presença na resposta, estou tão melhor contigo aqui, anda, falemos de nós e das nossas pequenas coisas.
Caminhamos no silêncio de mãos dadas, braço enroscado, poucos passos dados e paragem, de frente a frente os olhos contam, observo a cova do pescoço, a veia palpitante de tanta felicidade do bater do coração.

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Perder-se por adivinhar



Não tinha como saber, mas dali a algumas horas, tudo o que havia desejado com o desespero de quem fica para trás esquecido havería de se concretizar.
Antes não o tivesse escrito. Na fúria riscada das letras entre as lentes muito aumentadas de lágrimas que primeiro tentou conter, depois pingaram para o papel, depois mastigou à medida que tudo lhe saiu na tinta da raiva, em golfadas, no despejo do alivio como quem já não tem nada a esconder, a perder por perdido por a terem perdido para trás, esquecida.
Um pedido de desculpas tornou-se numa carta de demissão.
Despedia-se, largava tudo, deixava-os, que fizessem o que quisessem, agora haveriam de ver como era importante o apagado lugar que ocupava, os passos minúsculos e silenciosos que ninguém se apercebia, o chamamento que ninguém haveria de atender.
E no ímpeto da revolta deixou-se levar.
Contou do sigiloso das reuniões, dos segredos que escutava a meia-porta, do que pensava de todos eles e de cada um, de si e de como a deixavam para trás, humilhações, ignorâncias, gritos, deshoras.
Amachucou as folhas e deitou as mãos ao rosto.
Adormeceu cansada e cheia de pesadelos.
No dia seguinte foi chamada ao gabinete e dispensada por excesso de pessoal.

 

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Da pedra e da árvore



Não gosto que me façam promessas. Tenho a expectativa de um adulto, a decepção de uma criança, a memória de uma rocha. Espero que se cumpra o que digam sem o sublinhar da jura, entristeço-me deveras pela falha e fica gravado em mim uma desconfiança pela palavra que tomaram como vã, esvaziada do sentido que as demais palavras possam ter a partir daí provindas dessa, dessas pessoas.
Não gosto que me façam contar com coisas que não contam fazer apenas para me por a andar.
Para não me ouvirem mais.
Porque até não falo muito mas o que falo pede troca e é essa devolução que aborrece porque obriga a olhar-me e a dizer sim e não, claramente sim e não, ou nunca talvez, e por isso promete-se adiar que na próxima haverá tempo para o tempo de claramente haver sim e não. Talvez.
Da pedra da memória reduzo-me à minha realidade de árvore.
Não posso fugir do que sou, do que sinto, dos sins e dos nãos, e nem mesmo dos talvez alheios que me sobrevoam e não escutam o meu silêncio. Por vezes.

domingo, 13 de dezembro de 2015

Quem é quem



Momento de pausa em que nada vem, em que tudo chega no propósito fora do contexto do momento, chapadas de pensamento, caneta enroscada na tampa.
Pergunto-me se de tanto escrever as letras acabarão um dia coladas nas paredes, saturadas do tempo do papel horizontal, libertas finalmente as gentes que me fazem manto e em figura que se possa ver, acomodadas no meu sitio de eleição como seu, casa minha como posse sua a segurar a porta e a abanar a cabeça levemente dizendo que nunca me conheceram a quem por mim vier saber.
Serão de tamanho e espaço que possam agarrar as minhas coisas, amachucar as minhas folhas escritas em interrogação, guardando na gaveta ao pé da caneta de aparo como objectos largados por um inquilino esquecido e bizarro que deixou para trás pertences que se divertem a datar como estória fantasmagórica que podem entreter nos serões para amigos.
Pergunto-me do cansaço das vigílias, dos reflexos deles nos meus espelhos, de algum fio de cabelo meu perdido sobre os seus ombros, das vontades de não saberem a quem retornar, a inquietação no seu escrever sem adivinharem como falam do que não sabem.
Chapadas de pensamento, quem me libertou.

sábado, 12 de dezembro de 2015

Cadernos (novos, velhos e revisitados)



 
De novo, tudo outra vez em golfadas, como se a recorrência dos sentidos fizessem salivar palavras atrás de palavras, incontidamente, um desassossego tudo outra vez, todos eles outra vez e sem pedir a sua vez a desmaiar cenários em segundo plano e a diluírem importâncias no acto de se acharem mais que tudo, mais que eu, eu que sem eles acabo por não me conhecer e eles sem mim a não existirem, partilhamos oxigénios egoístas e a chantagem de contar quem precisa mais um dos outros é mero detalhe para inicio de conversa, que no final o que sobra desta inquietação são páginas, muitas delas a guardarem segredos que preferia não saber, muitas delas arrecadadas para esquecimento futuro e negação de ter estado como testemunha presente a lavrar o que todos sabemos, coisa quase pública, para quê tanto recato se me impelem a ler o que não quero ouvir, a escrever o que não quero saber, a sofrer por dores que já sendo deles as tornam maior em mim, sentidos, tudo em golfadas impresso em cadernos que se amontoam numa letra que quando parece estar a definhar-se logo se aviva, tudo de novo.
Outros novos.
E as mãos cansadas alisam as folhas, fecho os olhos, ainda danço.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Sou eu


 
A tua voz.
O teu nome na minha boca a dizer o meu. A tua voz. Muitos sons a trazerem os passeios, as gargalhadas, a troca de olhares cúmplice, as frases tontas e brejeiras, algumas palavras soltas a revelarem vontades de estarmos em companhia a dizer nada, a tua voz a lembrar o quanto existimos quando nos atropelamos a querer falar novidades de tanto tempo sem estarmos próximo e a velocidade do pensamento a ir buscar o outro onde nos deixámos na última vez, a tua voz, o teu dizer como uma miragem, um quadro imaginado, palavras que se aspiram a pôr no papel e finalmente se conseguem escrever tão fácil como alumiar um quarto escuro.
Minutos da tua voz.
Fecho a porta e fico-me até a luz se extinguir.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Faz hoje anos que nasci



Mais do que o costume, ontem estiveste comigo. Talvez a adivinhar as horas em que haveríamos de estar juntas, eu nos teus braços, tu de olhar analítico a observar se eu estava completa. Faz hoje anos que nasci e a tua companhia ausenta-se em mim tão mais profundamente quanto a memória que te tenho. Acho que o que sinto falta mesmo, hoje, é tu vires pela manhã até à minha cama e dizeres baixinho parabéns. Parabéns. E eu preguiçosa, esconder-me sob o quente da roupa, enrolar-me e depois esticar-me e dizer coisas ininteligíveis.
Não sei se me visses agora se me acharías completa, afinal é tudo tão relativo e os meus cem anos ou mil ou cinco não acompanharam as tuas rugas, os teus sinais de mais saber, tenho vindo a aprender tudo sozinha, trabalhos inacabados de quem sou digo-te eu, tanto a descobrir.
Não vieste à minha cama esta manhã. Mas eu digo obrigado.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Campo de Palavras (26)



 
A grande questão é a memória das coisas, a memória das palavras, a memória das coisas puxadas num tempo que não se pede e aí estão elas, vindas em palavras à boca que atafulham, palavras que se pensavam perdidas por não recordadas, inexistentes por escondidas ou tão bem guardadas que se perdera o tino ao sitio para as ter de novo na boca para contar e dizerem-se descobertas quando afinal sempre foram nossas, reencontradas anos depois num raciocínio inicial de estupefacção [porque me fui eu lembrar disto agora?], depois admiração [nunca mais tinha lembrado que tinha acontecido], êxtase [como foi belo e nem sequer me apercebi] e o recolhimento do momento [não devo esquecer de novo], palavras que se moldam da memória como palavras frescas e servem renovadamente para contar como se foi feliz.
 
 

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

A bolha




Houve um tempo em que dormia muito, muito mesmo, quando tinha horário para isso dormia para lá do meio-dia, uma da tarde, um sono profundo que não ouvia ruídos de casa nem outros barulhos de fora e despertada, havia sempre uma contrariedade por achar que não tinha dormido o bastante ou porque tinha sido interrompida no melhor dos sonhos ou de coração disparado, tão mais atormentada a meio de um pesadelo.
De um dia para o outro deixei de dormir.
Não foi de grande quantidade para uma redução gradual, foi literalmente dormir na véspera e na noite seguinte não voltar a dormir , não fechar os olhos, não precisar de desligar do mundo acordado para o mundo do sono, quanto mais cansaço sentía mais energia acumulava.
Depois de um par de anos a tentarem reparar o defeito que o meu sono tinha, voltei a dormir. Mas em doses pequenas, ou pelo menos para o que é entendível para o padrão normal da maioria. A mim chega e até acho um desperdício.
É que entre estes tempos de fartura do isolamento nos sonos e da ausência desse mundo, criou-se uma bolha ao meu redor do diâmetro dos meus braços abertos, medida que temos em nós como território privado. E foi nele que finalmente aceitei quem me visitava de mim, sem estereótipos de loucura ou desvios à personalidade.
 
 

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Justo, justa


 
De sentinelas, suponho que a aguardar que o ar se aligeirasse para retomarem o voo, demasiado branco a tomar a opacidade do cimento, do rio, do asfalto, da ponte desaparecida algures, um fio de vento frio a levantar algumas penas e a imperturbável solidez de soldados aprumadíssimos não lhes tira um pio, sacudo os braços até as mãos se agitarem nos bolsos como um choque eléctrico.
Nevoeiro. Nevoeiros.
Não é justo estas gaivotas morarem aqui. Aguardarem num terraço cinzento sem cheiro que conheçam que não seja gasolina, comida de lata de lixo, ninho em tejadilhos de carro.
Não vejo nada, tudo tão branco que é capaz de me comer as mãos se as esticar adiante e à frente é a água que separa as duas metades do meu lado e do outro, a metade em que sou soldado, a parte em que aguardo o ar se aligeire para me fazer ao voo e assustar os pardais, comer do lixo, abrir as asas a mim mesma no olhar incandescente de um cigarro acabado, minutos de sentinela em que as opacidades se rasgam no frio e oferecem verde, encostas a caír a pique até mergulhar e voltar de novo à superfície, limpo, limpa, justo.
 
 

domingo, 6 de dezembro de 2015

Das portas & janelas - Vol.2 - Esboço nº2



 
Hoje consigo-lhe dizer o medo de menino sem disfarce ou recuo. Mas o relance da sua verticalidade inalcançável ainda me faz engolir em silêncio para só depois me referir ao medo do antigamente. Nunca digo do frio que me atravessa as costas como uma lâmina gelada, hoje, ainda hoje tão presente e tão mais bem explicado pelo saber das palavras do que quando garoto a olhava cá de baixo a correr e a vía fechada.
Mais medo fechada do que aberta.
Ou dos sons abafados de desespero a pedirem um socorro ou do nada que se ouvia quando escancaradas à curiosidade.
Nunca lhe vi um pardal a enfeitar o parapeito ou até mesmo um insecto enfeitiçado no brilho dos reflexos dos vidros a bater teimoso, nunca lhe vi nada e por isso o engolir do medo a calcar para dentro sem entender a existência de uma janela única numa parede sem casa.
Um rombo a mostrar vergonhas para quem lhe tivesse a coragem de espreitar ou a soar pedido de perdões no encoberto vergado das duas metades a fazerem-se fechadas, um quase olho dominante e estropiado, vigilante dos que a passarem engolem silenciosos algum crime sob pena de se acharem do lado de dentro.
Consigo dizer-lhe o medo mas só de longe.



(in Das portas & janelas-Vol.2, Abril-2015)

 
Todas as fotografias da Colecção Das portas & janelas-Vol.2 são da autoria de Eduardo Jorge Silva

sábado, 5 de dezembro de 2015

Instantâneo - Episódio treze



Estas coisas do preceito têm muito que se lhe diga: Elástico, caneta, caderno, o café. Mas sem o toque de mão, inspiração que traga ao final dos dedos o desenho mágico do conjunto das letras unidas para formar a emoção, nada feito. Não há mesmo nada que componha o resto que substitua o principal. Notei então os pés frios, a falta de peúgas na extremidade em semelhança com a que segura a ferramenta da escrita. Vestidos estes e aquecidos, ainda assim o verbo perro na folha branca a beberricar golos de um gosto ainda mais desgostoso que o já habitual instantâneo. Descoberta feita na troca pela fiel caneca a pedir reforma, o conteúdo talvez mal habituado a coisa de pó e água quente não se conteve e rebelde, atirou-se a um acre difícil de tragar. Mas agora que as idéias fervilham a questão da opção: Fazer novo café ou deitar-me a escrever? Ou se começar pela última, a tradição acabará, quiçá a trair-me e a interromper de novo o verbo? Uma piada este dilema, e enquanto a cogitação se dilui o que resta de liquido na caneca nova arrefeceu e está bom para a terra. Desconsolada, mãos no regaço mas de pés quentes, trepa o gato amarelo que é mais laranja que amarelo para o colo, duas voltas, três voltas e não contente com o leito despacha-se para o caderno aquecido pela luz do candeeiro. Talvez faltasse ele. E o outro que chega de seguida e se aninha em mim a ronronar, perdendo-me de toda a escrevinhação ainda palpitada. Ele há preceitos, o mal foi da caneca e nem sei porque a escolhi.
 
 

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

[Mais] Uma caixa


 
Falou-se, falámos, apresentou-se números, diagramas, slides, objectivos cumpridos e metas a alcançar para o futuro próximo. Comentou-se o que tinha sido o ano que ainda não acabou, as diferenças, as expectativas. Lançaram-se compromissos, selaram-se. Fez-se jus ao trabalho feito e ao empenho tido pelos resultados à vista de todos, agradecimentos.  Eu pedi para dizer uma coisa porque era a última vez que estava com eles e podía dizer coisas sem serem coisas de números ou de relatórios, dizer uma coisa sem troca de receber, dizer a aventura que foi e o prazer que senti, na concordância e na discussão, dizer uma coisa simples como o orgulho de ter estado entre eles e com eles, de os levar com um sorriso. Disse. Depois colei a língua ao céu da boca porque o satélite cruel enfiou as emoções de cada um dos seus rostos, do silêncio no inicio da frase incompleta, no aperto das mãos dadas nas imagens que me alagaram os olhos e o todo do pestanejar foi o suficiente da coisa dita.
Fim  de emissão.
Fechei a caixa e arrumei-a ao lado da das sapatilhas de ponta.
 
 
 
Serhat, Chus, Ibtissam, Akim, Luca, Elisabeth, Didier, Moustapha, Milorad, Martina, Martine, Patrick, Alfred, Johan, Riccardo, Chrisi, Elena, Mohamed, Lindsey, Marina, Denise, Nuno, Ana, Jorge and so many others, TY for these years.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Travessias do Rio - 5


 
Manhã gloriosa, o sol a jorros a entrar pelas janelas do pequeno cacilheiro, do lado de fora o portentoso cruzeiro a fazer parar toda a navegação, ondulações em replicado que enjoam os mais sensíveis, outros amedrontam-se na diferença de tamanhos, nós cá dentro, ele lá fora, é assim que se referem, esquecendo o Rio a oferecer a manta única que aquece o bojo sem ligar a dimensões ou olhos fascinados pela brancura do casco do gigante.
Acenam os turistas de um alto a desafiar o Cristo-Rei, os pequenos retribuem, eu olho o Tejo e controlo o apetite de me lançar e nadar, cansar-me de braços e pernas, mergulhar e brincar nesta água imensa. Imagino o festim, depois do barco grande, uma suicida.
O cacilheiro segue o rumo, todos já pendurados à boca de saída para serem os primeiros a libertarem-se na correria.
Ainda há sol a entornar cá para dentro e o Rio espelha-se do céu muito azul, mas acho que ninguém reparou.
 
 
in Travessias do Rio, Novembro 2015

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Tudo o que não se vê [é tudo o que tenho]



Apagam a luz. E uma claridade ilumina os meus olhos, os meus passos, as minhas mãos. Tudo visível, palpável, as cores nomináveis como semelhantes a frutas que se trincam ou odores que em fumos espessos se infiltram nas narinas saindo pela boca em palavras. Comoção. Alegro-me de tanta coisa que não tenho adiante e é tudo o que possuo, os dedos a tocarem em invisibilidades da memória, abraços, discursos repetidos no diálogo a outros, as saudades de os rever, a claridade a engrandecer até à cegueira.
Abro os olhos. Todos os ruídos abafam os cheiros das palavras e todos os revisitados se afastam, deles nem um ponto pingado como um descuido da caneta demasiado cheia, demasiado parada nos dias últimos.
 
Ligo o interruptor e abro o caderno. As páginas cheiram a velho. Folhas em cru sem nódoa de verbo, encostadas a outras com muitas letras e alguns riscos, desenhos que não querem dizer nada, apenas traços de quando a claridade chega e a vontade de escrever é demasiada que a refreio na contenção de uma parede de tinta azul-china. 
 
Andei triste, até a vontade de fazer traços me seguraram. 
Mas fecho os olhos e no toque do aparo da caneta derrubo qualquer um.
Rejuvenesço páginas e cores de frutas vêm saciar-me a secura de tantos dias de escuridão.

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Carrossel


 
O mundo roda indiferente ao mundo parado dos desgostos ou das acelerações do prazer, dois tempos de um só tempo em que o conflito não mete o dedo, trava o movimento, encrava os dias e faz regressar ao que de melhor se teve, emenda a dor. Fica-se na sensação de se querer mais e na ilusão do repetir por voltar ao melhor acaba-se por se estampar contra uma parede por não se saber contrariar a rotação do que já passou. Ou então, foge-se. A agressão da primeira vez foi o bastante para não a procurar no movimento clonado, deixa-se ir, flui-se nos tempos dos dias até ao esquecer, até não ter mais importância. Alimentam-se as vidas com os passos acertados do mundo, roda-se à roda da vida num ciclo lento para que as tonturas da felicidade, as pisaduras pelas quedas no abismo não incomodem as voltas perfeitas de um tempo que não é de ninguém.