
sexta-feira, 30 de novembro de 2007
92m: Viagem ao centro do universo

quinta-feira, 29 de novembro de 2007
Podemos?

quarta-feira, 28 de novembro de 2007
Zé Grande - História contada em dois pedaços

Agarrou-se ao seu ferimento, os dois metros enrolados como um bicho-de-conta, a garganta aberta para o grito que não saía. Rolou de um lado para o outro e por fim, com nitidez, o céu, já muito azul, uma bola amarela lá no alto. Ficou assim, as lágrimas a salgarem a terra, misturadas com sangue que se empapava nos torrões secos. Viu um rosto debruçado sobre o seu. Uma aura azul celeste emoldurava umas faces brancas e uma boca vermelha repetía senhor, senhor, senhor... Quando acordou estava suado nos panos que lhe servíam de cama. O pai passara perto na carroça do Manel da Rabina e estranhara o silêncio da serra. Deu com ele de olhos fixos no céu e comentou com o companheiro que era o diabo do Padre que havía voltado para o reclamar. Levaram-no de arrasto até à carroça e no meio de bostas para estrume e uma cesta de uva morangueira fizeram o transporte até casa. A mãe coseu-lhe o pé, um ponto cruzado como fazía nos buchos e nas mulheres que paríam. Revezaram-se todos até ele dar acordo de si. Ficou por três dias deitado mas só falava do trabalho inacabado, guardando para si o rosto celeste. Estava certo que era a Senhora da Candosa que o havía visitado. Mas nada dizía. Era véspera do feriado e à noite havía baile. Tudo se abalou à serra, rodearam o coreto para admirar os metais polidos e desafinados, espreitaram a quermesse, conversaram com o Padre. Zé Grande, manco mas feliz, arrastava o seu tamanho aos ressaltos. Deram-lhe uma cadeira perto da roda do baile para que não perdesse o espectáculo. O povo levantava os braços e os rolos de poeirada não incomodavam ninguém que os giros e as voltas eram a coisa mais apetecida desde o ano que passara e de infortúnio já bastava a míngua da vida e o que acontecera a Zé Grande. Foi no meio do folguedo que ele de novo a avistou. Soergueu-se mas ao impulso da sua vontade a dor no pé segurou-o. E o Padre também, que lhe deitou a mão à camisa branca de mangas muito curtas para aquele tamanho todo. - Onde pensas tu que vais? Compostura, meu rapaz! Que aquela menina é a filha do Governador e está aqui para se curar dos pulmões! Que nem te passe pela cabeça olhar para ela! Tu vê lá o que arranjas à tua familia e a nós todos! Que o Sr.Governador Civil tem sido muito amigo das gentes da Candosa! Que o Senhor o proteja por muitos e bons anos! - e elevava o indicador à testa e ao céu. Mas a menina doente dos pulmões não o estava dos olhos e era impossível não mirar obssessivamente aquele homem tão grande e tão pequeno como o vira enrolado no chão. Recordou o seu grito dias antes, ao vê-lo enorme a derrubar mato e a árvore onde acabara de fazer uma promessa, como lera num romance de amor às escondidas. E como depois sentira um medo a tomar-lhe o corpo quando vira tanto sangue e o homem parecía ter morrido. Fugira a bom correr, as faces afoguearam-se-lhe e a enfermeira que lhe perdera a trela serra abaixo ficara encantada com aquele rubor. E o seu pai, o Sr. Governador Civil também ficaría. Zé Grande continuava de pé. Olhavam um para o outro. Tudo à volta tinha desaparecido. Juntaram as mãos e dançaram. Os outros afastaram-se mas os acordes eram um veneno que lhes dava alegria e depressa esqueceram o par. Bailaram muito e Zé Grande sentía o pé a crescer, uma baba quente a arder pela perna acima. Levou-a até ao assento e murmurou que já voltaría. O barulho era muito, os risos ecoavam a serra e ela não conseguía ouvir as palavras dele. Zé Grande disparou serra baixo, uma correría feita a uma perna que tinha de poupar o pé aleijado. Já nem lhe doía. Só vía o rosto da menina, o manto azul celeste da Senhora da Candosa a enfeitá-la. Atirou com a porta de casa para trás. Ninguém. Descalçou o sapato e verteu o sangue que se havía acomodado numa pasta de terra. Não reconhceu o pé, nem tão pouco os pontos cruzados dados sabiamente pela mãe. Procurou a caixa de costura e enfiou a linha grossa e negra dos buchos na maior agulha que encontrou. Bebeu do medronho do pai, goladas fartas que lhe escorreram até ao peito e afastaram o cheiro de suor. Cerrou os dentes e enterrou a agulha com força, unindo as duas metades da carne, espremidas entre sangue e uns veios brancos que teimosamente queríam fugir ao ponto. Acabou por vazar a aguardente. Enrolou um pano ao pé e com força ajeitou o trambolho para dentro do sapato. Bateu a porta e correu serra acima. Não há árvore que o não tema nem lenhador que não lhe louve a coragem. O Zé Grande salvou a serra da Candosa, que no dia feriado apareceu um fogo que não passou de fogaréu e todos o combateram sem problemas. Graças à limpeza que o Zé Grande fizera dias antes. Todos lutaram contra o lume menos o Zé Grande que ficou retido em casa, doente e a delirar. Agora é coxo. Até dá piedade. É que naquela noite na véspera da procissão, e do fogo e do feriado, quando o Zé Grande atingiu de novo a serra, já a festa havía terminado. E a menina havía sido levada pelo Sr. Governador Civil. Para todo o sempre.
(in Verdadeiras Histórias, C.G. Janeiro/2007)
terça-feira, 27 de novembro de 2007
Zé Grande - História contada em dois pedaços

segunda-feira, 26 de novembro de 2007
Lutas

domingo, 25 de novembro de 2007
sábado, 24 de novembro de 2007
Obrigado
(Foto de A.Pastor, debruçado na janela de uma qualquer casa da Parede)
sexta-feira, 23 de novembro de 2007
«Amo-te»

Crucificaste-me a sentir,
levemente acidulada no peso das aspas que apertas na palavra.
A cada prego marcado anseio-me ao som que quero ouvir.
Apontas - peço - bates - quero - afundas - sossego.
Cravas-me o aguardo.
Avessas-me na busca,
levemente nauseada na quebra das aspas que sufocas na palavra.
Suspendes - caio - tocas - sorrio - agarras - digo.
Hesitas-me o olhar.
A cada aspa caída deslizo-me ao tom de me quereres amar.
.
(in Toda a Poesia Despida, C.G. Outubro/2007)
terça-feira, 20 de novembro de 2007
A varanda-História contada em duas metades

segunda-feira, 19 de novembro de 2007
A Varanda-História contada em duas metades

domingo, 18 de novembro de 2007
Cá de dentro

sábado, 17 de novembro de 2007
Fôlego

Quero dizer-te simplesmente sem pontos uma virgula sequer mesmo que a respiração me fuja e a voz me enfraqueça ou tu tentes calar-me com a mão suave na minha boca ou os teus lábios se apertem num shiu e até os que passam parem e escutem e depois vão contar ainda a outros que decerto juntarão mais do que aquilo que ouviram que no finito do tempo em que eu acabo de proferir estas palavras estas palavras serão cinza do que sinto pois tão vivo é o lume que me consome além-mim que temo que ao dizer-te simplesmente quanto me és sustendo o inspirar e o expirar a sufocar a combustão tu tentes falar e me digas também o que guardo precioso no silêncio que honramos.
sexta-feira, 16 de novembro de 2007
Cartas ao Poeta (VIII)

quinta-feira, 15 de novembro de 2007
Tua
quarta-feira, 14 de novembro de 2007
Porquê

terça-feira, 13 de novembro de 2007
Quarto Poético

Para lá do vidro ninguém vê nada. Para lá dos panos que vestem de longo ninguém sabe nada. Podem adivinhar, inventar cenas de amor, tragédias em vermelho e até o escárnio do ronco. Mas não sabem.
Não imaginam que na noite de fora dás-me luz por dentro e o sol e a lua se põem e nascem quando nós queremos, a sede bebes-me da boca e no dedo passado na sobrancelha riscas a vontade do sorriso silencioso e morno como se desenhasses a criação de mim. Não sabem que não me dizes minha querida nem eu a ti porque sabemos que querer é o que nos temos nas palmas abertas de tanto dar e palavras, tantas palavras, tão pouco ruído para a tempestade que troamos.
Depois o sossego. Apenas a coisa invisivel que paira no ar, cheiros que se agarram às paredes como graffiti, assinaturas de nós, uma alma una espremida entre carne e sentido.
De lá para cá à distância da transparência do vidro da nossa janela há uma muralha intransponível que abafa mundos e só a breve brisa no nosso sono nos lembra que já há cem anos assim era.
segunda-feira, 12 de novembro de 2007
Ladrões

domingo, 11 de novembro de 2007
sábado, 10 de novembro de 2007
Gatilhos

sexta-feira, 9 de novembro de 2007
Os meus segredos (cinco)

quinta-feira, 8 de novembro de 2007
Imo

Hoje fiz tudo à pressa. Quería que o dia corresse ligeiro, rápido sem paragens nem pormenores, puxões na manga do casaco a travarem a vontade de empurrar as horas numa bola gigante até chegar aqui ao meu casulo, descalçar-me e ser livre para te pensar.
Agora já te posso imaginar sem barreiras de outros olhares inquiridores nem perguntas de adivinhação, o tempo é para nós, para o conquistarmos devagarinho no detalhe da sobrancelha arqueada e na assimetria dos ombros descaídos. Gosto dos teus pequenos defeitos pois são originais sem reprodução barata, sinais que me fazem distinguir-te na turba massificada e mesmo que te digas imperfeito encontro nessa irregularidade o gosto cultivado do invulgar.
Faço-te perguntas, respondo-as eu. Por vezes até arranjo maneira de uma pequena discussão acontecer para depois na mutez forçada sentir que me vais pedir perdão, aproximares-te, tentar o toque da mão tão semelhante como o laço que se faz para prender um presente, o contacto baixo e alto e baixo outra vez dos olhos húmidos de tanto pedido.
É contudo no abraço que mais te tenho, mais te realizo. Aprecio o teu calor a aconchegar-se a mim como um molde.
Fecho os olhos, adormeço. Amanhã voltarei a apressar o dia e a esta mesma hora tenho encontro marcado com os meus pensamentos. Um dia tu apareces mesmo.
quarta-feira, 7 de novembro de 2007
A Tempestade - Parte Final

Mas ela descontrolada chorava e berrava, dando-lhe palmadas nos ombros tentando afastá-lo para longe de si num espaço onde tal não era possível. E tanto repetiu o gesto que ele cansado de tanta gritaria a ameaçou de pô-la fora e deixá-la entregue à sua sorte ou à sua perícia de nadadora. Como por encanto ela quedou-se nos guinchos e desatou num pranto baixo encostado a ele, apertando-o forte com medo de perder a âncora segura. Ficaram assim, de pé, molhados, abraçados por um tempo indeterminado.De quando em vez um risco eléctrico no céu, logo seguido de um ribombar que fazía tremer a cabine telefónica: nesta alturas ela escondía o rosto no peito dele e abafava o grito do medo. Ele beijava-lhe a cabeça encharcada, os cabelos colados à testa e às maçãs do rosto e num tempo de um relâmpago aflorou-lhe a boca. Ela não o empurrou: deitou-lhe as mãos ao pescoço e pediu mais com o olhar aguado.
Ele repetiu mais uma e outra vez e depois apertou-lhe o lábio inferior entre os seus, sentindo a ponta da língua dela, quente e macia a tocar-lhe; segurou-lhe no queixo e beijou-lho, depois os olhos, o lóbulo esquerdo frio de tanta chuva e voltando à face mordiscou-lhe o nariz, puxou-lhe o beiço superior chupando-o entre os seus. Ela estava silenciosa, estranhamente calada e a fitá-lo séria.Perguntou-lhe então se iríam morrer. Ele soltou uma pequena gargalhada e disse-lhe que esperava que não, não naquela noite pelo menos. Ela mantinha a mesma expressão grave, e de olhar decidido e vontade definida, disse-lhe que quería que ele a tomasse. Ele ficou surpreendido com o pedido e durante alguns segundos não soube o que dizer. Ela não hesitou, tirou as cuecas e largou-as no chão alagado que de imediato pela força da corrente arrastou a peça de roupa pela frincha da porta para destino desconhecido. Ele não sabía o que fazer mas ela colou-se num beijo profundo à boca dele ao mesmo tempo que o tocava no peito, deslizava as mãos até às nádegas molhadas, por dentro dos bolsos das calças, correndo o fecho para baixo e descobrindo guardado aquilo que desejava.Ele retribuiu o agrado, primeiro em toques envergonhados apenas sentindo a roupa colada ao corpo dela mas quando realizou que ela estava desnuda por baixo, um fogacho pareceu tomar-lhe conta da iniciativa e pegou-lhe ao colo, passando as pernas dela pela cintura.Ela abanou as pernas e os sapatos soltaram-se, apoiou os pés no telefone público e num exercicío gímnico fez pressão com as palmas das mãos nas paredes de vidro da cabine; ele amparou-a pelas costas junto às ancas, onde a saia se enrodilhava como um trapo. Deixaram-se ir ao compasso da tempestade e quando ele pensava que o trovão se abatería por cima da sua cabeça ela atrasava o tempo entre o fulminante e a descarga, como um comando que dirigia ao sabor da intensidade da chuva.Até que ela soltou um grito prolongado, aberto e agudo, ecoante no escuro. Também ele gritou, soçobrando, quase a largá-la daquela posição instável, e ela voltou a gritar e ele novamente em uníssono com ela.Calaram-se aos poucos, o coração aos solavancos, descendo à terra, caíndo na realidade do encontro insólito. A trovoada havía desaparecido e a água agora limitava-se a uns salpicos frios. Começaram a aperceber-se do mundo para lá da cabine telefónica. Havíam carros parados com passageiros que tentavam ver dos vidros embaciados a altura das águas, pessoas que surgíam não se sabía bem de onde. Ele abriu a porta deslizante do abrigo improvisado, ela olhou-o séria e saíu descalça. Ele chamou-a mas ela não se voltou para trás nem lhe deu resposta. Ficou a pensar quem sería aquela mulher, se chegaría a casa, onde moraría... que gostaría de a encontrar de novo.Como o flash de um relâmpago veio-lhe à memória que ela não tinha cuecas e sorriu, sentindo-se feliz sem saber bem porquê. Ao longe ouviu um grito distorcido pelas buzinas de trânsito que entretanto recomeçara caótico e riu.
(in Contos da Fogueira, C.G. - 31/10/2005)
terça-feira, 6 de novembro de 2007
A Tempestade - Parte Um

segunda-feira, 5 de novembro de 2007
Tardes de Outono

domingo, 4 de novembro de 2007
Ler-te

sábado, 3 de novembro de 2007
Madrugadas

Na dilatada madrugada de te querer
Vagabundeia a noite
Ainda,
Na mão em que te alcanço, desperta, morna
Do dia recatado por nascer.
(in Poemas Ainda Mais Doidos, C.G. -Março/2007)
sexta-feira, 2 de novembro de 2007
Crónicas do Tejo (VIII)
Este céu anda diferente: namora-me e encanta-me, fazendo perder a noção do norte, da realidade.
Embarco ao Tejo, também ele todo pintado da mesma cor de cima, meio aturdida de tanta beleza sou atirada para o lado de lá... nem sequer me deram tempo de despertar, saír desta ressaca luminosa de tanta beleza.
Despejada como um destroço açoitado na tempestade tão pouco encontro a praia onde possa morrer...
(in Crónicas do Tejo, C.G.- 15/05/07)