
- Queres sentar?
Não, não quero, a parede serve-me bem, ampara-me as dores, aguenta-me todas aliás até as que não são minhas e me magoam nos olhos dos outros.
Quanto tempo... sempre pensei que aqui não voltaría, que não tería de me bater com coisas passadas e cortar-me nos vidros da memória... ironia, pedi eu para regressar, ajoelhei-me e pedi para me trazerem até aqui, ficar na fila, ver outros rostos iguais ao meu na angústia reduzida de quatro em que caímos, dar nome ao que viemos, uma festa da condição humana em que animalescamente nos esprememos por caber em secções coloridas consoante a gravidade.
- Tens sede?
Tenho, mas não de água de beber, só do meu rio e do meu mar e da chuva e da vida, daquela que eu tinha e me desatava os nós dos dedos escritos e que agora teimo em estalar para me sentir aleijada e lembrar mal, mal porém ainda verticalizo o pensar, recuso-me a ouvir o canto dos ciganos que no canto da sala se acantoam em universos de luto e espantam a morte para longe dos seus vivos, batem palmas, enxotam o vómito daquela mulher que aperta a barriga e me olha vermelho, que quer ela? Não me olhes, não te posso valer, se queres ir vai mas não me peças a mão, eu não quero ir apesar do cheiro a urina e fezes e cor de sangues que marcam rastos até um branco tão branco que me enlouquece.
- Estou aqui há quanto tempo?
Ouço horas, quatro, cinco, serão treze como um número azarado mas é mentira, são contas feitas num espaço sem medida em que me perco de mim, procuro-me e parece que já fui, pergunto por mim a um homem magro de abdómen inchado prenhe de um câncro e ele mostra-me a boca, imita a vida que conheceu no beberricar de cafés enquanto aguarda a vez.
Eu espero pelo dia novo, quero ver o dia novo.
Talvez me tenham perdido e me mandem embora por achar que não sou daqui, condeno-me por me ter entregue, desejo tudo e nada, luto dentro de mim e mordo o que me parece distante.