Todos os textos são originais e propriedade exclusiva do autor, Gasolina (C.G.) in Árvore das Palavras. Não são permitidas cópias ou transcrições no todo ou/e em partes do seu conteúdo ou outras menções sem expressa autorização do proprietário.

sábado, 6 de setembro de 2014

Portas & Janelas - Esboço nº 9



 
Conversas, tantas, muitas palavras ditas, a maioria da tua boca, eu dizia com os olhos que por vezes sente-se que falar calado é só o que faz falta e o que te sobrava e transbordava era ninguém ouvir para além da trivialidade, calhou passar eu naquela noite e pôr-me debaixo dos candeeiros a amaldiçoar horas para pegarmos já nem me lembro em quê ou porquê, tu à janela e eu a matar o relógio.
Nunca perguntaste se eu voltaría na noite seguinte e nas outras e eu nunca te perguntei porque me havías escolhido para tais confidências, lágrimas e dor para dentro de um escuro que eu não clareava, um estranho num confessionário improvisado e eu sem dar-te castigos ou orações que te pudessem purificar, só palavras e olhos que se tocavam como mãos que se apertam fortemente.
Eu de fora e tu à janela, na tua janela.
Nunca nos tocámos.
Via as tuas mãos a acompanhar o que dizías e a convulsão engolida do choro que tentavas como homem manter fiel nas palavras que de inicio chegavam aos bocados, depois ligeiras e da última vez muito fluidas. Sentía-me bem porque estavas bem, sorrías e eras bonito quando sorrías.
Por isso resolvi surpreender-te e aparecer à tua janela à luz do dia, sem gasto dos candeeiros que o destino me parara naquele tempo.
Sorri-te para que sorrisses mas devolveste-me por entre grades que nunca havia notado, um meneio de cabeça gentil e social, fechando devagar a janela para dentro de um escuro que eu não clareava.
Olhei o relógio e entre o baço amargoso do que doía apercebi-me como o tempo se havia acabado.



(Portas & Janelas, Dezembro-2013)

Todas as fotografias da Colecção Portas & Janelas são da autoria de Eduardo Jorge Silva

Sem comentários: