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domingo, 21 de setembro de 2014

Portas & Janelas - Esboço nº 10



Ah! Adivinhar! Sabe-se lá! Perdi a conta ao tempo e às estações passadas, às chuvadas enxutas no corpo arrepiado de gola atirada ao pêlo do pescoço ou à procura de uma sombra na parede fronteiriça a reflectir a cal cega do Estio sem perdão, só para não perder um fio da voz que do alto se esgueirava muito colorida como se fossem moedas de prata a silvar na calçada fresca.
 
Eu cá em baixo. Disfarçado de qualquer coisa menos de ouvinte fiel, admirador, apaixonado, um devoto que se tornou quando uma tarde ao passar ouvi uma gargalhada que me fez rir, atrasar o passo, erguer o olhar e ver o entreaberto de duas portadas a convidar ao chamamento, à espera, ao aguardo de uma mulher bela a guarnecer o varandim forjado nas mãos calejadas e agradecer o trabalho duro pela expectativa do fantástico.
 
Habituei-me a esperar. Aprendi a gostar de esperar. O desejo da espera entre o som da voz dela e o silêncio ou o que não entendo e será a resposta dada. E de novo a sonoridade, a gargalhada, até o choro - que pelo tempo fora, já lho escutei - interrupções de vida iguais às portadas que vejo cá de baixo, entreabertas.
 
Mas fascínio mesmo, é não a saber, deixá-la cantada na minha lembrança enquanto me encosto na parede escondida e lhe sinto o vibrato da porta a fechar.
 
 
 
(in Portas & Janelas, Dezembro-2013)

Todas as fotografias da Colecção Portas & Janelas são da autoria de Eduardo Jorge Silva

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